• Nenhum resultado encontrado

Psicologia e Eugenia: as origens do saber psicológico em torno das diferenças entre

Os primeiros estudos que relacionavam atributos biológicos inatos ao caráter moral dos povos datam do século XVIII e podem ser situados nos trabalhos do médico-fisiologista Cabanis (1757-1808), que defendia “teses poligenistas segundo as quais a origem da espécie humana é múltipla, o que autoriza a conclusão de que existem raças anatômica e fisiologicamente distintas e, por isso mesmo, psiquicamente desiguais” (PATTO, 2008, p. 54). Contudo, foi na segunda metade do século XIX que esse suposto “saber psicológico” foi sintetizado teoricamente como saber científico da nova ciência da época.

A Psicologia voltada à mensuração das diferenças inatas dos indivíduos tem por principal expoente Francis Galton (1822-1911) que dedicou sua obra no estudo de quatro vertentes: Biologia, Estatística, Psicologia Diferencial e Testes Psicológicos. É considerado o precursor dos testes psicológicos e buscou realizar mensurações ao nível sensório-motor como forma de medir o nível intelectual dos indivíduos.

Seu livro Hereditay Genius lançado em 1869 – considerado “o texto fundador da eugenia” (SCHWARCZ, 2008, p.60) – fez a aproximação dos estudos de transmissão de caracteres genéticos relacionados a atribuições físicas às aptidões naturais inatas do ser humano. Sob a influência de Darwin, Galton buscou “medir a capacidade intelectual e comprovar sua determinação hereditária” ao “fazer o transplante dos princípios evolucionistas de variação, seleção e adaptação para o estudo das capacidades humanas” (PATTO, 2008, p.60). Assim, concluiu a partir de estudos estatísticos que a inteligência e a genialidade são herdadas, e não resultado do processo social e da educação.

O princípio da eugenia constituía-se como uma racionalidade cujo objetivo seria o controle das reproduções entre indivíduos, assim como a possível eliminação daqueles tidos como inferiores. A partir da década de 80 do século XIX, é possível visualizá-la sob uma dupla ótica: como ciência e como movimento social. Na primeira, tratava-se da tentativa de aprimorar a espécie humana, a partir do controle sobre a hereditariedade agora compreendida de uma nova maneira devido a influência do darwinismo. A segunda, partindo das premissas da primeira, preocupava-se com a união entre grupos específicos, cujos casamentos poderiam ser benéficos ou não para a espécie, ou seja, tratava-se de uma tentativa deliberada de seleção social da espécie humana.

O que se vê com o movimento eugenista é uma “administração científica e racional da hereditariedade” tendo em vista a garantia da não degeneração da espécie pela preservação das raças puras e a sua não miscigenação. Acreditava-se que o progresso social estaria garantido unicamente às sociedades ditas “puras”

Diversos teóricos e pensadores no século XIX anteriores a Galton compartilhavam a ideia da raça pura e a associavam ao progresso. Um deles é conde de Gobineau (1816-1882), que esteve em visita ao Brasil por mais de um ano durante o Segundo Império e manteve relações de proximidade com Dom Pedro II. Em seu famoso Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas de 1854, fez a apologia da raça ariana enquanto superior e do princípio poligenista da invariabilidade das características das raças, visão esta que não lhes permitiria escapar de suas determinações inatas. A obra de Gobineau, evidentemente, teve enorme influência sobre alguns trabalhos de intelectuais brasileiros acerca do caráter nacional brasileiro e do problema da miscigenação.

Seguindo o mesmo pensamento, Augusto Comte - precursor da filosofia positivista - colocava a raça ariana no topo do desenvolvimento progressivo da humanidade. Segundo este autor, três raças constituiriam a humanidade: “a branca, à qual atribuía a inteligência, a amarela, portadora dos dons da atividade, e a negra, movida principalmente pela afetividade” (PATTO, 2008, p. 56).

É possível situar o debate entre monogenistas e poligenistas segundo a posição que cada visão tomava frente à possibilidade da “igualdade” na sociedade de classes. Este debate encontrava seu germe na oposição entre os conceitos de desigualdade e diferença. Resumidamente, o conceito de desigualdade foi utilizado pela escola monogenista como forma de explicar a hierarquia entre as raças humanas, entendidas como desiguais apesar de sua unidade primordial e passíveis de aperfeiçoamento mediante o “contato cultural”. Já para a escola poligenista, a diferença estava na origem diversa e não comum das raças e era uma condição insuperável, imutável. Tendo isso em vista, para esta segunda escola seria inconcebível a possibilidade de igualdade entre as raças por conta de suas diferenças ontológicas; a hierarquia estaria posta definitivamente. Já para a primeira, haveria a possibilidade da igualdade através do contato entre culturas (SCHWARCZ, 2008, p.62)

Segundo os evolucionistas sociais, os homens seriam “desiguais” entre si, ou melhor, hierarquicamente desiguais, em seu desenvolvimento global. Já para os darwinistas sociais, a humanidade estaria dividida em espécies para sempre marcadas pela “diferença”, e em raças cujo potencial seria ontologicamente diverso (...) De um lado, congregados em torno das sociedades de etnologia, estariam os etnólogos sociais (também chamados de evolucionistas sociais ou antropólogos culturais), adeptos do monogenismo e da visão unitária da humanidade. De outro, filiados a centros de antropologia, pesquisadores darwinistas sociais, fiéis ao modelo poligenista e à noção de que os homens estariam divididos em espécies essencialmente diversas (SCHWARCZ, 2008, p.62).

Ambos partiam de um olhar etnocêntrico sobre o povo “inferior” e pressupunham a dominação destes pelos hierarquicamente “superiores”. De um lado, a dominação residia na necessidade de compensar os desvios que determinadas raças sofreram em sua evolução, de outro, a dominação era entendida como inerente às espécies, segundo a lógica natural da evolução. Não foi à toa que da corrente poligenista concebeu-se a raça ariana como essencialmente pura e civilizada, modelo de progresso e aperfeiçoamento. Também não foi à toa que as concepções desta linha de pensamento mais conservadora teriam sido apropriadas pelo pensamento autoritário da época, incluindo o nazista.

Posteriormente, os conceitos de desigualdade e diferença serão reapropriados pela Psicologia, numa mudança de discurso social que vai da detecção das diferenças dos indivíduos segundo suas “aptidões naturais” para a desigualdade quanto a cultura da qual fazem parte, rica ou pobre, superior ou inferior. Encontra-se tal virada, por exemplo, no discurso justificador do fracasso escolar, nas políticas educacionais e na prática psicológica sobre os casos de queixa escolar no século XX (PATTO, 2008).

Portanto, o que se vê no final do século XIX é um cientificismo racial positivista e determinista, apoiado em estudos experimentais e comparativos, cujo objetivo era diferenciar e justificar a desigualdade entre os povos segundo os pressupostos objetivos da ciência. Os principais nomes de referência desses teóricos do cientificismo foram Augusto Comte e Charles Darwin. Apesar das divergências entre muitas produções teóricas e pesquisas científicas da época, é possível afirmar que “ao cientificismo do século XIX coube a tarefa de compatibilizar liberalismo e racismo” (PATTO, 2008, p.92).

4 AS FACULDADES DE MEDICINA

As Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro tiveram sua fundação na primeira década do século XIX, através da assinatura de D. João VI que inaugurou as chamadas academias médico-cirúrgicas. Sob intenso movimento de institucionalização da formação médica12, vê-se em 1829 a fundação da Sociedade Médica e, em 1832, o decreto

que transforma aquelas academias em Faculdades de Medicina, que agora passam a ter plena habilitação para formar doutores médicos, farmacêuticos e parteiros. No entanto, o que se vê nos primeiros quarenta anos de seu desenvolvimento é mais a necessidade de institucionalização do que de se produzir um campo de conhecimento e pesquisa propriamente ditos, fato este que mudará no final do século XIX (SCHWARCZ, 2008).

Na década de 1870, episódios tais como as inúmeras epidemias que assolavam o país, o crescimento desordenado das cidades – aos quais se atribuíam os “vícios” - e a leva de soldados mutilados da Guerra do Paraguai foram fundamentais para a reorientação da figura do médico frente à sociedade, trazendo à tona a necessidade de se pensar uma identidade para o trabalho médico em território nacional. Essa identidade foi construída a partir de então pela publicação de dois periódicos das Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio, que traziam pesquisas, relatórios, conferências, dados estatísticos, ou seja, todo um corpo de conhecimento acumulado e produzido sobre a realidade brasileira de então (SCHWARCZ, 2008).

Da Bahia, a revista Gazeta Médica, ocupava-se principalmente com os casos da “medicina legal” e da “alienação e doenças mentais”, enquanto que no Rio de Janeiro o Brazil Medico centrava seus estudos na questão da “higiene pública”. Com efeito, ambas compartilhavam da mesma visão e tinham colaboradores em comum, considerando-se periódicos “imparciais” e afastados das discussões distantes da realidade ou vinculadas a “paixões” políticas. A busca por uma originalidade dessas revistas condizia com a própria busca de identidade da medicina brasileira, que segundo a concepção de seus autores, “deveria elevar essa produção nacional à altura das demais nações evoluídas’”. (SCHWARCZ, 2008, p.199).

12 Anteriormente, o que se via no Brasil colonial era uma prática rústica e artesanal dos chamados barbeiros,

Neutralidade, objetividade, nacionalismo e evolucionismo são princípios que estavam na base desse movimento. Nessa perspectiva, a busca por essa identidade e originalidade da medicina brasileira levou ao interesse desmesurado por temas como “a peculiaridade das feições, o clima, a raça, a natureza ou mesmo o ´grau de civilização” (SCHWARCZ, 2008, p.200) do brasileiro, que passa a não ser mais entendido em suas manifestações particulares, mas agora como “coletividade”, “povo”. O particular, torna-se universal; o indivíduo doente passa a refletir uma sociedade doente, que terá no médico o especialista a serviço de intervenção e da cura dos males arraigados no povo. Assim, ambas as revistas partiam do pressuposto de que a sociedade brasileira caracterizava-se como “um corpo doente” na iminência da degeneração e exemplificava esta tese com ilustrações e figuras em suas publicações de representantes das classes populares: “era a população pobre e doente que, exposta como se fosse um grande laboratório humano, exemplificava teorias, demonstrava desvios” (SCHWARCZ, 2008, p.200).

Com uma clara orientação programática da ciência médica para a “redenção” do povo brasileiro, a figura do médico passou a competir com a do “homem de lei” - do jurista - sobre a missão de orientador e tutor dos destinos da nação. Segundo artigo da Gazeta Médica de 1899, a função do médico está bem clara: “a orientação scientífica, que assegura a execucção das boas leis e dá estabilidade e firmeza aos melhores planos de progresso e engrandescimento do paiz13” (SCHWARCZ, 2008, p. 202). No ímpeto do cientificismo e do

nacionalismo que orientou o pensamento europeu no século XIX, os médicos brasileiros colocavam-se como o pensamento libertador que guiaria o povo ao progresso. Tanto na Bahia quanto no Rio de Janeiro, a crença no desenvolvimento da nação pelos especialistas da Medicina certamente estava presente.

4.1 A “Gazeta Médica”

Especificamente, a Gazeta Médica da Bahia foi a pioneira na publicação desses periódicos, datando o seu lançamento em 1866. Seus primeiros artigos traziam a preocupação com a identidade da prática médica no Brasil, com a busca por uma produção original e de maior autonomia. Junto desta preocupação, nota-se até o final da década de 70 a tendência de publicações sobre o tema da “medicina cirúrgica” e “interna”, quando na década de 80

encontra-se então uma grande concentração de artigos sobre “hygiene pública” que perdurará até 1930 (SCHWARCZ, 2008).

Higiene pública e saneamento foram as duas grandes frentes de aplicação do saber médico sobre a realidade local. Partindo da preocupação com as dezenas de epidemias e doenças infecto-contagiosas14 que assolavam o país há anos, o lema higienista do momento

era “Prevenir antes de curar”. Apesar de teoricamente higienistas e sanitaristas terem sido diferentes enquanto profissionais, na prática suas atribuições não ficavam estritamente limitadas ao cargo; contudo, é possível definir suas ações da seguinte maneira:

caberia aos médicos sanitaristas a implementação de grandes planos de atuação nos espaços públicos e privados da nação, enquanto os higienistas seriam os responsáveis pelas pesquisas e pela atuação cotidiana no combate à epidemias e às doenças que mais afligiam as populações (SCHWARCZ, 2008, p.206).

Portanto, aos sanitaristas cabia os grandes projetos, aos higienistas, a ação individualizada. Cabia a ambos – detentores do saber e do poder médico - prevenir e sanar o grande flagelo das doenças que arruinavam o projeto da nação. Fazia-se necessário o saneamento da doença – a sua prevenção o mais imediatamente possível - como da própria nação. O controle físico e moral sobre o indivíduo, sobre seu ambiente, sobre seus costumes, configurava o que na época era considerado o primeiro passo para a civilização. O lema de seus representantes era: mens sana in corpore sano (SCHWARCZ, 2008). Nada poderia escapar, nem mesmo a criança em idade escolar15.

Os artigos publicados sobre o tema constantemente faziam referência aos trabalhos de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, ou seja, de pesquisas de outros Estados. Contudo, é a partir de meados do século XIX que aparece uma literatura baiana sobre o tema, tendo como eixo a questão racial16, ou seja, a relação entre raça e doença. Entram em cena concepções social-

darwinistas e a ideia de que a mestiçagem representaria a degeneração do povo e uma ameaça ao futuro da nação. É, assim, neste contexto que ganham destaque os trabalhos do importante catedrático e ex-médico da seção de “hygiene e medicina legal” da Faculdade de Medicina da Bahia: Raimundo Nina Rodrigues (SCHWARCZ, 2008).

14

Desde os tempos de colônia registrava-se doenças como: tuberculose, febre amarela, varíola, lepra, peste, sarampo, fere tifoide, mal de Chagas, beribéri, malária, coqueluche, cólera e escarlatina (SCHWARCZ, 2008).

15Sobre o movimento de “higiene mental do escolar” ver Patto (2008).

16O tema da “raça” tornou-se uma constante nas publicações da Gazeta Médica desse período, tais como Raça e

Nina Rodrigues ganhou destaque no meio acadêmico brasileiro com seus trabalhos sobre medicina legal. Junto de Sylvio Romero – jurista de Recife – defendeu a ideia de que a raça negra era um impeditivo ao desenvolvimento do povo. No entanto, a questão não residia na raça negra “em-si”, mas em sua suposta falta de uniformidade étnica e nos cruzamentos que caracterizavam a população brasileira. Em passagem de seu livro Africanos no Brasil (1933), o “problema negro” era descrito como uma novidade ainda não compreendida pela ciência e de difícil diagnóstico, por isso, amedrontadora.

Resumidamente, é possível concluir que nos periódicos baianos:

...a nação foi antes pensada em termos raciais do que entendida a partir de critérios econômicos ou culturais. As epidemias, já que pareciam revelar o longo caminho que nos distanciava da “perfectibilidade”, ou mesmo a “fraqueza biológica” que imperava no país (...) a associação entre doença e mestiçagem era demonstrada não só por meio de relatos médicos e estatísticos, como também por imagens e fotos, que expunham, de forma muitas vezes cruel, a grande incidência de moléstias contagiosas na população mestiça brasileira (SCHWARCZ, 2008, p.209). O que se vê então é um grande catálogo racial de doenças elaborado como forma de provar cientificamente a degeneração do povo. Dentro do tema da degeneração, ganham destaque os estudos de medicina social17, cuja grande importância estava em estudar o perfil

do “criminoso”. Seguindo o imperativo “esqueça o crime, atente para o criminoso”, o foco não estava mais no estudo da doença ou do crime, mas na relação entre criminalidade e degeneração. Para tanto, entram os estudos de frenologia e craniologia para comprovar o atraso resultante dos cruzamentos entre as raças e assim colaborar no estudo do chamado “delinquente”, conforme os trabalhos de Nina Rodrigues.

Da escola italiana frenológica dedicada ao estudo do crime, traçava-se o perfil do criminoso pela observação e comparação de seus hábitos; da craniologia, verificava-se seu “estágio mental evolutivo”. Dessa concepção organicista da medicina legal, fervorosamente defendida por Nina Rodrigues, os especialistas médicos lançavam-se como referência na cura do criminoso tal como descrito em artigo de 1928 da Gazeta Médica: “O criminoso é um doente mais ou menos curável na ordem moral e também na ordem psyquica, por consequência é preciso apllicar os grandes princípios da arte medica: á diversidade dos males, deve oppor-se a variedade dos remédios”18( SCHWARCZ, 2008, p.211)

17 Segundo Schwarcz (2008), a partir dos anos 80 as publicações sobre medicina legal quintuplicaram.

18É notável que essa mesma argumentação organicista do início do século XX é usada hoje no discurso de

É nesse movimento de patologização dos desvios, com uma visão biologizante da vida social segundo os preceitos evolutivos do social-darwinismo, somado à defesa do determinismo racial e da degeneração resultante da miscigenação, que a medicina baiana buscava a sua identidade, a chamada “sciencia nossa”. Era na medicina legal que os casos de “embriaguez, alienação, epilepsia, violência ou amoralidade” comprovavam a “imperfeição da hereditariedade mista”, e nessa comprovação supostamente científica seria possível a “exaltação de uma especificidade da pesquisa nacional, como uma identidade do grupo profissional” (SCHWARCZ, 2008).

No livro As raças humanas e a responsabilidade penal (1894) de Nina Rodrigues, a controvérsia da medicina com o direito se estabelece quanto à especificidade do julgamento do criminoso. Afinal, segundo a argumentação, se cada delinquente possui um nível evolutivo mental específico, como então julgá-los sob os mesmos princípios? Como julgar pelo mesmo Código raças imanentemente distintas? Tal controvérsia ganha tamanho corpo, nos anos subsequentes, que um discurso anti-liberal se apresenta e o princípio revolucionário burguês da “igualdade” é severamente criticado, assim como o “livre-arbítrio”. Faz-se a defesa de manicômios judiciários e, assim, da exclusividade da medicina no cuidado dos sujeitos desviantes. Contudo, esse movimento ganha outro sentido em torno da década de 20 e 30 sob o argumento de um projeto eugênico para o Brasil (SCHWARCZ, 2008).

Segundo Schwarcz (2008), a partir de 1923 surgem publicações na revista com a defesa da eugenia, de tal modo que o argumento dos artigos sai da mera constatação da degeneração das raças mistas e do decaimento da espécie para a efetiva possibilidade de “regeneração” da mesma, do “ressurgimento” da raça nacional. Muda-se o foco para a esperança de regenerar a espécie, apesar de se manter o pessimismo quanto a miscigenação.

Medidas eugênicas perpassam vários artigos permeados por essa visão, que vão desde a introdução da educação física como forma de controle físico e moral até o efetivo controle sobre os casamentos, tendo em vista a garantia da não transmissão dos “vícios ou doenças transmissíveis, como a tuberculose, a epilepsia, a loucura e o alcoolismo” (SCHWARCZ, 2008, p.215).

Entretanto, dentro da massa de pobres mestiços haveriam os “regeneráveis” e os “não- regeneráveis”, segundo os princípios da seleção natural conforme argumentação da Gazeta Médica de 1925:

Assim para a melhoria da raça poderia ser vantajoso cruzar com extranhos normaes os indivíduos francamente mestiços e degenerados quando haja esperança de regeneração da prole por esse meio; mas para os profundamente degenerados melhor seria deixal-os reproduzir entre si e extinguir-se a mesquinha geração por esterilidade e mortandade precoce resultante da progressiva decadência. Dessa relação natural grande proveito resultaria para as famílias possuidoras de boas qualidades, as quaes se perpetuariam entre si, livres dos germes dos males que lhe inocularia a fatal mistura com os abastardados. Lucraria a espécie...

(SCHWARCZ, 2008, p.216).

Lucro para a espécie, para a burguesia (que se fortalecia na época) e para a apropriação “original” da concepção poligenista importada da Europa, que foi usada conforme os interesses de seus representantes intelectuais no Brasil; ou seja, por um lado, enquanto necessidade de “eliminação dos inferiores”, ela seria confirmada como destino fatal de uma raça decaída; por outro, enquanto projeto de “regeneração da nação”, a crença na imutabilidade das raças seria suspendida em prol de um otimista aprimoramento do povo brasileiro (SCHWARCZ, 2008). Não foi à toa esse uso interessado e parcial da teoria poligenista, tendo em vista as circunstâncias econômico-politicas do Brasil na segunda metade da década de 20.

A década de 30 anunciou mudanças aparentes no discurso da Gazeta Médica, que trazia o jargão de tempos novos. Destacam-se nesta época dois eventos: a introdução da Psicanálise nos estudos compilados na seção de “psychiatria e neurologia” da revista e a adesão ao discurso culturalista da Antropologia Cultural. Contudo, mesmo com a mudança no paradigma de orientação dos artigos da revista, o discurso eugenista permanecia não mais sob argumento da raça, mas pelo da cultura. O argumento evolucionista e higienista permanecia latente sob as teorizações de cunho cultural das diferenças, apesar desta época marcar o fim