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Os limites do Positivismo: a crítica a partir do Materialismo Histórico e Dialético

Augusto Comte é considerado, em algumas apreciações, não apenas o pai do Positivismo e de uma determinada Sociologia, mas também da Psicologia Social. Em sua produção teórica foi responsável por:

...longas obras sobre a natureza das ciências (1830-34), nas quais o psíquico seria o objeto de estudo da Biologia, da Sociologia e da Moral, todas ciências abstratas, que forneceriam os subsídios para as ciências concretas, e entre elas estaria a Psicologia Social, como subproduto da Sociologia e da Moral; para ele, seria a ciência que poderia responder a uma questão fundamental: “Como pode o indivíduo ser, ao mesmo tempo, causa e conseqüência da sociedade?” (LANE, 2002, p. 75). Conseqüentemente, a Psicologia Social na visão comtiana compartilharia das premissas gerais do positivismo, que seriam: a crença na sociedade humana enquanto regida por leis naturais, independentes da vontade e ação humana; a igualdade das regras metodológicas das ciências sociais com a das ciências naturais e, por fim, a necessidade de se partir de uma posição de neutralidade, objetividade e desvinculação com qualquer posição

ideológica e de classe por vontade própria, através de uma “autoneutralização” (LÖWY, 2010).

Com estas premissas postas, à ciência positivista caberia a resignação em relação à ordem social, às leis que regem a sociedade, dedicando-se a sua mera constatação. Esta resignação, expressa num sofisticado conservadorismo teórico, implicaria na “ordem” que, segundo sua lógica, consentiria o “progresso”. Ordem e progresso seriam garantidos pela premissa de uma sociedade necessariamente dividida em classes, em que o trabalho manual seria separado do trabalho intelectual. Este, representado pelo “espírito científico” cujos porta-vozes seriam os sábios e os cientistas, proprietários de um discurso competente, dominariam aqueles ao se colocarem como os representantes da política e da racionalização da vida social. Nesse sentido, o positivismo partiria do princípio de que a teoria orientaria a prática, indo mais além, ao dominar esta prática. O resultado deste princípio definiria, na esfera material, uma práxis calcada, sobretudo, na dominação entre classes e na ideologia.

A dominação da prática pela teoria é resultado da racionalização desta sobre a realidade, revelando a separação entre ambas as esferas e a cisão objetiva entre pensamento e ser.

Dentro da divisão social do trabalho, o cientista tem que conceber e classificar os fatos em ordens conceituais e dispô-los de tal forma que ele mesmo e todos os que devem utilizá-los possam dominar os fatos o mais amplamente possível. Dentro da ciência o experimento tem o sentido de constatar os fatos de tal modo que seja particularmente adequado à respectiva situação teórica (...) A ciência proporciona uma formulação clara, bem visível, de modo que se possam manusear os conhecimentos como se queira (...) para o cientista a tarefa de registro, modificação da forma e racionalização total do saber a respeito dos fatos é sua espontaneidade, é sua atividade teórica. O dualismo entre pensar e ser, entendimento e percepção, lhe é natural (HORKHEIMER, 1983, p.123)

Vinculada à materialidade da divisão social do trabalho, portanto entre a separação entre trabalho manual e intelectual, a divisão entre pensamento e ser e entendimento e percepção seria produto da alienação entre o indivíduo e sua existência, ou mais, da produção de sua existência. Nesse sentido, o positivismo ao conceber a sociedade de maneira naturalizada, segundo leis imutáveis e independentes da ação dos homens, transformaria-os em meros aparatos de leis das quais deveriam obediência.

Em crítica a esta posição teórico-metodológica, o materialismo histórico e dialético - cuja análise se dá sobre os homens reais e históricos produzindo suas condições de existência – aponta para o fenômeno da alienação enquanto resultado de um processo histórico determinado, entendendo-se por “história” o modo como os indivíduos:

...se reproduzem a si mesmos (pelo consumo direito ou imediato dos bens naturais e pela procriação), como produzem e reproduzem suas relações com a natureza (pelo trabalho), do modo com produzem e reproduzem suas relações sociais (pela divisão social do trabalho e pela forma da propriedade, que constituem as formas das relações de produção). É também história do modo como os homens interpretam todas essas relações, seja numa interpretação imaginária, como na ideologia, seja numa interpretação real, pelo conhecimento da história que produziu ou produz tais relações (CHAUÍ, 2012, p.55).

Em uma palavra, o materialismo histórico e dialético volta-se para a práxis humana. Especificamente no caso da alienação, ou de uma práxis alienada, os homens não se reconhecem como produtores de suas condições de existência. É desta condição objetiva que o positivismo e a teoria tradicional burguesa produzirão idéias que se resignam a esta alienação, postulando, por exemplo, que os indivíduos “são desiguais por natureza e por talentos, ou que são desiguais por desejo próprio, isto é, os que honestamente trabalham enriquecem, e os preguiçosos empobrecem” (CHAUÍ, 2012, p.87). Não é necessário realizar grande esforço intelectual para constatar o papel da psicologia nesse movimento de ratificação da práxis alienada.

A alienação, enquanto fenômeno objetivo e real, está ancorada na divisão social do trabalho e, em conseqüência, na divisão entre trabalho manual e intelectual. Esta divisão se realiza pela sua intrínseca relação com a ideologia, que também é inseparável da práxis alienada. No caso, a ideologia pode ser entendida, em sua determinação com o fenômeno da alienação, como:

...o sistema ordenado de idéias ou representações e das normas e regras como algo separado e independente das condições materiais, visto que seus produtores – os teóricos, os ideólogos, os intelectuais – não estão diretamente vinculados à produção material das condições de existência. E, sem perceber, exprimem essa desvinculação ou separação através de suas idéias. Ou seja: as idéias aparecem como produzidas somente pelo pensamento, porque os seus pensadores estão distanciados da produção material (CHAUÍ, 2012, p.73-4)

Se a ideologia – enquanto falsa consciência - é possível pela alienação, portanto, pela inversão entre a produção e o produto, entre a práxis e a produção das idéias, não há como desvinculá-la da história sob a determinação da luta de classes. Com efeito, a história sob este ponto de vista “não perde de vista a origem de classe das idéias de uma época, nem perde de vista que a ideologia nasce para servir aos interesses de uma classe e que só pode fazê-lo transformando as idéias dessa classe particular em ideais universais” (CHAUÍ, 2012, p. 106).

Portanto, entender a ideologia como resultado da luta de classes é entendê-la como mecanismo de dominação da classe dominante sobre a realidade material e espiritual dos homens. A sociedade burguesa divide-se essencialmente em proprietários e não proprietários

dos meios de produção material, dos quais os primeiros também são proprietários dos meios de produção espiritual, racionalizando conforme o jogo das forças sociais a sua produção e distribuição. Desta perspectiva, a luta de classes:

...não deve ser entendida apenas como os momentos de confronto armado entre as classes, mas como o conjunto de procedimentos institucionais, jurídicos, políticos, policiais, pedagógicos, morais, psicológicos, culturais, religiosos, artísticos, usados pela classe dominante para manter a dominação. E como todos os procedimentos dos dominados para diminuir ou destruir essa dominação. A ideologia é um instrumento de dominação de classe (CHAUÍ, 2012, p.111).

Conseqüentemente, há uma base objetiva e concreta nesta falsa consciência da realidade, que faz com que a ideologia se realize em sua efetividade como uma forma de práxis social invertida, em que a representação resultante da ação dos homens sobre o mundo lhes aparece como causa, como anterior à sua prática social, e não justamente como determinada por ela. Nesse sentido, a dominação material determina a produção espiritual, onde “as idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias” (p.101-2). A alienação concreta determina a dominação na esfera espiritual.

A ideologia, em sua função de universalização de determinada posição de classe, não revela a essência do processo social; pelo contrário, enquanto conjunto de idéias que se apresentam como “comuns” a todas as classes, realiza-se através da “aparência” desta realidade. Deste modo, realiza de maneira eficiente a inversão prática da realidade, que se apresenta como produto destas idéias, tal como estas “aparecem” aos homens. Nesse sentido, a ideologia opera a partir de “universais abstratos”, ou seja:

...a transformação das idéias particulares da classe dominante em idéias universais de todos e para todos os membros da sociedade. Essa universalidade das idéias é abstrata porque não corresponde a nada real e concreto, visto que no real existem concretamente classes particulares e não universalidade humana. As idéias da ideologia são, pois, universais abstratos (CHAUÍ, 2012, p.103).

Com efeito, a ideologia apesar de partir de uma base real - ou seja, uma sociedade divida em classes de proprietários e não-proprietários dos meios de produção da vida material e espiritual – expressa uma abstração que se pretende universal. Esta abstração realiza a sociedade em seu aparecer imediato, em oposição à sua realidade concreta mediatizada.

As formas ilusórias das quais a ideologia apresenta a realidade são constituídas pelo duplo processo de “abstração” e “inversão”, que estão presentes nos fenômenos do fetichismo e da reificação. Chauí (2012) sintetiza aquelas da seguinte maneira:

A abstração (...) é o conhecimento de uma realidade tal como se oferece à nossa experiência imediata, como algo dado, feito e acabado, que apenas classificamos, ordenamos e sistematizamos, sem nunca indagarmos como tal realidade foi concretamente produzida. Uma realidade é concreta porque mediata, isto é, porque produzida por um sistema determinado de condições que se articulam internamente de maneira necessária. Inversão (...) é tomar o resultado de um processo como se fosse seu começo, tomar os efeitos pelas causas, as conseqüências pelas premissas, o determinado pelo determinante. Assim, por exemplo, quando os homens admitem que são desiguais porque Deus ou a Natureza os fez desiguais, estão tomando a desigualdade como causa de sua situação social e não como tendo sido produzida pelas relações sociais e, portanto, por eles próprios, sem que o desejassem e sem que o soubessem (p.113).

Esta realidade estranhada – que se apresenta nas figuras de Deus, Natureza, Sociedade, Nação, Estado, Ciência, etc. – aparece como entidades exteriores “em si” que dominam os homens de maneira legitimada, apesar de terem sido produzidas por eles próprios. Esta aparência imediata, resultado da alienação, é confirmada pela ideologia, que reitera por meio de “‘verdades’ a visão invertida do real. Seu papel é fazer com que no lugar dos dominantes apareçam idéias ‘verdadeiras’ (...) também é seu papel fazer com que os homens creiam que essas idéias são autônomas (...) e representam realidades autônomas” (CHAUÍ, 2012, p. 96).

Deste modo, a ciência positivista pode ser entendida como a proposição teórico- metodológica essencialmente centrada na aparência social, nas formas como a objetividade se apresenta à consciência dos indivíduos, no caso, do cientista, por meio do processo social da dominação. Nesse sentido, a pesquisa do “fato social” resultaria meramente na investigação de elementos da imediaticidade do real e na constatação de relações causais entre universais abstratos, pouco revelando sobre a essência do fenômeno investigado.

Como grande representante da ciência tradicional e burguesa, o Positivismo foi o ponto de partida da primeira concepção de Psicologia Social – postulada por Augusto Comte – assim como a base da análise sociológica do livro Psicologia Social de Raul Briquet. Com efeito, aparece em sua obra elementos daquela ciência, tais como a investigação restrita à aparência social; a postura de conservadorismo e resignação frente às leis imutáveis da sociedade – que revelam um indivíduo impotente e separado radicalmente da sociedade; a proclamação ideológica da divisão social do trabalho pela apologia da imposição da teoria sobre a prática – em que a teoria científica governaria a realidade social; a noção de progresso como resultado da ordem – o que implicaria na defesa da ideologia burguesa, tendo em vista que “a burguesia se vê a si mesma como uma força progressista, porque usa as técnicas e as ciências para um aumento total do controle sobre a Natureza e a sociedade (...) e (...) considera que todo o real se explica em termos de progresso” (CHAUÍ, 2012, p. 93).

Soma-se a isso o contexto histórico da publicação do manual de Briquet, o período entre-guerras, época de crise dos valores liberais e da plena realização de poderosas forças estranhadas na sociedade. Dentre elas, destaca-se o Cientificismo, responsável pela racionalização da sociedade e pela separação desta em relação aos indivíduos; o Fascismo, enquanto modelo político-ideológico que hipostasia o Estado e suprime os indivíduos, que são meras partes funcionais daquele “todo”; o Populismo, que se mostrava como a possibilidade de harmonia política, escondendo, em certa medida, o real confronto das forças antagônicas em formação na sociedade brasileira; o Nacionalismo e a Democracia conservadora, também como entidades “em-si”, que aparentavam um princípio de conciliação entre classes. Todos estes elementos ideológicos, ilusórios da realidade concreta, são postos e pressuspostos no livro Psicologia Social (1935), que se ancora, sobretudo, no Positivismo de Augusto Comte – enquanto método de investigação e intervenção social; no Evolucionismo – enquanto base do entendimento do fator “herança” na formação do indivíduo, na teoria dos “instintos” como base da organização social, e na compreensão dos diferentes “níveis de civilização” de determinadas culturas; e no Liberalismo burguês, enquanto princípio da defesa do self made man, na crença da justiça por uma democracia biológica baseada nas “aptidões naturais” e na crítica ao modelo de escola tradicional.

Diante de todos estes elementos, faz-se necessária uma análise crítica que supere a ilusão da ideologia burguesa, da imediaticidade da realidade que aparece em “fatos”, da sua realidade alienada apresentada sob uma pseudoconcreticidade (KOSIK, 1989) ou formas fetichistas de objetividade (LUKÁCS, 2003) resultantes do processo social de dominação. Esta superação é possível através da análise dialética destas produções, a partir do materialismo histórico e dialético e da teoria crítica da sociedade. No caso, a análise dialética revelaria as mediações da produção intelectual, sua raízes históricas, seus processos reais que são abstraídos através da ideologia. Pela produção intelectual se chegaria à sua função conservadora da produção material.

Em síntese, a teoria crítica em sua fundamentação dialética, “nega a prática enquanto prática imediata, isto é, nega a prática como um fato dado, para revelá-la em suas mediações e como práxis social, como atividade socialmente produzida e produtora da existência social” (CHAUÍ, 2012, p.90). Através das categorias dialéticas da contradição, mediação e totalidade, seria possível a passagem da aparência à essência, da pseudoconcreticidade à concreticidade e das formas de objetividade à realidade concreta em sua totalidade.

Desta forma, cabe a apresentação destas categorias dialéticas que fundamentarão a análise das categorias a que se propõe esta pesquisa, assim como, posteriormente, uma breve descrição dos conceitos de pseudoconcreticidade e de formas fetichistas de objetividade, como forma de reiterar as formas aparentes da realidade social burguesa.

9.3 Elementos do método materialista histórico esuas bases na dialética hegeliana

Este tópico constitui-se por uma densa discussão acerca da apropriação marxiana da dialética hegeliana58, assim como do procedimento que dá base à teoria social inaugurada por

Marx: a reprodução do concreto como “concreto pensado”. Pressupõe-se que, para a discussão sobre as “formas fetichistas de objetividade” (Lukács) e a “pseudoconcreticidade” (Kosik), torna-se fundamental uma elaboração cuidadosa do que significa o “concreto”, a “concreticidade”.

Tendo em vista que a Psicologia Social no Brasil teve seu primeiro manual lançado em pleno Estado Novo – portanto, sob as condições de intensa industrialização, a formação de um Estado capitalista e as contradições entre capital e trabalho – é possível concluir que seu conteúdo revela uma perspectiva estrutural de classe. Entendida como uma produção intelectual sob condições concretas determinadas, a obra de Raul Briquet insere-se no quadro das produções de intelectuais brasileiros que lidavam com as contradições de uma sociedade que, apesar de liberal e republicana, ainda se amargurava com os efeitos escancarados da escravidão; que no âmbito científico recebia com entusiasmo os estudos culturalistas da antropologia e, por outro lado, mantinha a preocupação eugenista com o futuro da nação; que aos poucos livrara-se das teorias deterministas das raças, mas ainda as realizava em estudos populacionais e orientava políticas públicas sob o argumento de um suposto caráter nacional brasileiro e; por fim, que mesmo sob a apologia da modernização da nação, pressupunha a diferenciação científica entre os “superiores” e “inferiores” e fazia a defesa de estruturas conservadoras da sociedade. Deste modo, no “caso da Psicologia Social no Brasil, faz-se necessário compreendê-la como construção histórica e social, síntese de múltiplas determinações, orientada por determinadas concepções de homem e de sociedade e comprometida com posições de classe” (ANTUNES, 2012, p.46).

58 Esta discussão fez-se necessária após séria incompreensão (de um parecer realizado por uma importante

agência de fomento à pesquisa) quanto a aplicação da teoria marxiana e do método dialético em pesquisas científicas.

Se foram contradições que resultaram na necessidade histórica da Psicologia, seu desenvolvimento posterior não poderia escapar dessas mesmas contradições:

Assim, a Psicologia se desenvolve, se fortalece e se consolida, como ciência e profissão, na medida de sua capacidade de responder às necessidades geradas por um projeto político, econômico e social dirigido pela nova classe dominante, a emergente burguesia industrial, que tem na modernização a base para suas realizações no campo das ideias e da gestão de seus negócios e da sociedade

(ANTUNES, 2012, p.58)

Estas, como tantas outras contradições – que serão desveladas conforme os estudos a que se propõe esta pesquisa – de um país capitalista industrial recém saído de um modelo predominantemente agroexportador, baseado no latifúndio e na escravidão, exigem uma abordagem materialista-dialética na compreensão de suas mediações concretas, assim como de sua produção intelectual, como esfera relativamente autônoma, porém estruturalmente circunscrita por essa realidade social.

Se as contradições no nível do pensamento revelam contradições no nível da realidade, cabe num primeiro momento a discussão sobre o método do materialismo histórico na apreensão do concreto para, em seguida, num segundo momento, a apreensão de suas formas de manifestação, as suas formas de objetividade ou pseudoconcreticidade e a dialética relação com a estrutura social.

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Os mais de 40 anos de intenso trabalho e pesquisa a que se dedicou Marx - e que resultaram na teoria social marxiana - iniciado com os Manuscritos de 1844, giraram em torno de um problema central: a análise concreta da sociedade burguesa, ou seja, “a gênese, a consolidação, o desenvolvimento e as condições de crise da sociedade burguesa, fundada no modo de produção capitalista” (NETTO, 2011, p.17). Alicerçado na filosofia alemã, na economia política inglesa e no socialismo francês, Marx definiu as bases do método materialista dialético na famosa “Introdução” dos Grundrisse, configurando os caminhos da investigação que resultou n´O Capital.

A necessidade de reconciliação com a dialética hegeliana decorre do caráter contraditório do objeto estudado por Marx, a moderna sociedade burguesa59. O que para

59Para um discussão mais aprofundada, ver: ROSDOLSKY, R. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx.

Ricardo seria o ponto de partida da investigação – as antíteses do modo de produção capitalista – para Marx era um resultado, um momento necessário do movimento de realização do capital na história, cabendo investigar cientificamente a sua gênese por meio de um tratamento dialético.

Para Marx, o método dialético é o método científico verdadeiro. No entanto, o método marxiano não é igual ao da dialética hegeliana, mas “seu oposto”, assim como descrito numa passagem do pósfácio da segunda edição d´O Capital:

Meu método dialético, em seus fundamentos, não é apenas diferente do método hegeliano, mas exatamente seu oposto. Para Hegel, o processo de pensamento, que ele, sob o nome de Ideia, chega mesmo a transformar num sujeito autônomo, é o demiurgo do processo efetivo, o qual constitui apenas a manifestação externa do primeiro. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem (MARX, 2013, p.90).

A inversão materialista-histórica da dialética hegeliana fica evidente na concepção que Marx tem de “teoria”, concebendo-a como “a reprodução ideal do movimento real do objeto