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GLOSSÁRIO

5. A ECONOMIA, A POPULAÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS ATIVIDADES PRODUTIVAS NO BRASIL

5.1 O MODELO PRIMÁRIO-EXPORTADOR: AS PRINCIPAIS ATIVIDADES

ECONÓMICAS EM 400 ANOS DE HISTÓRIA DO BRASIL E SEUS

DESDOBRAMENTOS ESPACIAIS

As obras “Formação Econômica do Brasil” de Celso Furtado e “História Econômica do Brasil” de Caio Prado Júnior, são, sem dúvida, duas das principais obras a retratar o período da formação económica brasileira, detalhando com todos os aspetos socioeconómicos que são necessários para entender a dinâmica de uma economia. Por isso, para mais detalhes sobre esse lapso de tempo, consultar Furtado (2005) e Prado Júnior (1981, 1961).

Porém, faz-se necessário descrever brevemente sobre os principais ciclos económicos brasileiros anteriores a 1930, de forma a verificar como os mesmos se repercutiram no território brasileiro, bem como sua distribuição espacial e como se formou a região industrializada e concentrada do eixo sudeste-sul. Os autores supracitados serão os mais utilizados nesta seção, assim como Alcoforado (2003).

No período colonial até 1930, a economia do Brasil estava concentrada na produção de produtos de exportação, mais especificamente de produtos primários. Houve três grandes e importantes ciclos económicos durante este período: a cana-de-açúcar, o ouro e o café, que juntamente com outros sistemas produtivos de menor expressão, tinham como objetivo principal suprir o mercado externo. Cada um destes ciclos, que também formaram sistemas

21 No cálculo desse indicador serão utilizadas as seguintes variáveis: o número de pessoas ocupadas (dos

microdados dos censos demográficos do IBGE); e o emprego formal da RAIS/MTE. Os microdados do IBGE se referem ao local de residência das pessoas e às suas ocupações (sejam relações de trabalho formais ou não), enquanto o número de empregados da RAIS reflete a localização dos estabelecimentos empresariais (e somente o emprego formal, com carteira de trabalho assinada) e com isso, será possível comparar as duas variáveis e a diferença existente entre o pessoal ocupado formal e informal.

5 A economia, a população e a distribuição espacial das atividades produtivas no Brasil

económicos, apresentou dinâmicas e interações diferenciadas no território brasileiro, conforme será detalhado a seguir.

Prado Júnior (1981), Furtado (2005) e Alcoforado (2003) destacam que a colonização inicial do Brasil do Século XVI se deu principalmente através da indústria açucareira. Neste período, os atuais Estados22 de Pernambuco, Bahia e São Paulo eram os principais centros de produção açucareira. Era na produção de cana-de-açúcar no Brasil, que Portugal encontrava as fontes de riqueza que garantiam a manutenção de seus empreendimentos coloniais. A atividade da produção do açúcar era baseada em uma economia de plantation23 e estava bastante relacionada com os interesses dos proprietários das melhores terras que lucravam enormemente com as culturas de exportação.

O sistema económico da cana-de- açúcar, conforme mostra a Figura 23, também incentivava um sistema económico de menor expressão no nordeste brasileiro, da criação de gado e de produtos de subsistência. Todo este sistema económico perdurou até à segunda metade do século XVII, quando ocorreu a desorganização do mercado do açúcar e iniciou a forte concorrência antilhana, tendo como resultado uma forte queda dos preços do açúcar. Era um sistema económico totalmente dependente da demanda externa, e por isso, enfrentava muitas flutuações. Só se recuperava quando as condições do mercado externo melhorassem, mas sempre sem alterar sua estrutura interna.

Ao mesmo tempo, a economia mineira começava a se expandir, no centro-sul do país e, com isso, atraia mão de obra especializada e elevava os preços dos escravos, contribuindo ainda mais para reduzir a rentabilidade da empresa açucareira nordestina. Ressalta-se também que em períodos de dificuldades da economia açucareira, ocorria a intensificação da atividade

22

Atuais Estados, pois houve grande mudança nas divisões políticas dos Estados do Brasil, as Unidades de Federação, durante o século XX conforme mostra o Anexo I.

23 Caracterizada principalmente por: monocultura de exportação, utilização de latifúndios e mão de obra barata

(inicialmente escrava).

Figura 23 - Sistema económico da cana- de-açúcar e suas interações, Século XVI e início do Século XVII

Reestruturação produtiva e desenvolvimento local - o caso do Município de Toledo, Estado do Paraná, Brasil

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da pecuária como economia de subsistência. Salienta-se o deslocamento de parte da população para o interior nordestino para a prática desta atividade.

(…) as formas que assumem os dois sistemas da economia nordestina – o açucareiro e o criatório – no lento processo de decadência que se inicia na segunda metade do século XVII, constituem elementos fundamentais na formação do que no século XX viria a ser a economia brasileira. (…) no longo período, que se estende do último quartel do século XVII aos começos do século XIX, a economia nordestina sofreu um lento processo de atrofiamento, no sentido de que a renda real per

capita de sua população declinou secularmente. (…) dessa forma, de sistema económico de alta

produtividade a meados do século XVII, o nordeste foi se transformando progressivamente numa economia em que grande parte da população produzia apenas o necessário para subsistir (FURTADO, 1967, p. 66-8; 70).

No caso da atividade mineira, conforme afirma Brum (2002, p.136) “somente a partir de 1694 começaram a serem descobertas ricas minas de ouro no Brasil. E, algumas décadas depois (1729), também diamantes”.

(…) o estado de prostração e pobreza em que se encontravam a Metrópole e a colónia explica a extraordinária rapidez com que se desenvolveu a economia do ouro nos primeiros decênios do século XVIII. De Piratininga a população emigrou em massa, do nordeste se deslocaram grandes recursos, principalmente sob a forma de mão de obra escrava, e em Portugal se formou pela primeira vez uma grande corrente migratória espontânea com destino ao Brasil (FURTADO, 1967, p. 79-80).

Com relação à distribuição espacial da atividade mineira, esta se localizava numa vasta região compreendida entre a Serra da Mantiqueira, no atual Estado de Minas Gerais, e a região de Cuiabá, no Mato Grosso, passando por Goiás. Um dos pontos positivos desta atividade é que a mesma possibilitou uma articulação entre as diferentes regiões: do Sul, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil. A pecuária do Sul se desenvolveu e os preços do gado aumentaram sensivelmente. Da mesma forma, a pecuária do Nordeste também se associou ao sistema económico mineiro, ocasionando a elevação de seus preços nos próprios engenhos de açúcar.

5 A economia, a população e a distribuição espacial das atividades produtivas no Brasil

O sistema económico do ouro do século XVIII pode ser visualizado pela Figura 24, e é possível perceber que havia dois grandes polos: as economias do açúcar (articulada com a pecuária nordestina) e do ouro (articulada à pecuária sulina que se estendia de São Paulo ao Rio Grande do Sul). Além destes dois grandes sistemas, também havia no Norte dois centros autónomos, os do Maranhão e do Pará, sendo este último da economia extrativa florestal enquanto o Maranhão, apesar de constituir um sistema autónomo, articulava-se com a região açucareira através da atividade pecuária.

A exportação de ouro do Brasil se desenvolveu em toda a primeira metade do século XVIII, alcançando o auge entre 1750 e 1760. Entretanto, no final deste século a economia mineira enfrentou diversas crises, principalmente causadas por fatores externos: a guerra de independência dos Estados Unidos, que favoreceu a produção de arroz no Maranhão; e a Revolução Francesa, que contribuiu para o colapso na produção do açúcar do Haiti abrindo uma nova etapa de prosperidade para o açúcar brasileiro. Alcoforado (2003) refere que:

O início do século XIX é caracterizado pelo declínio da produção do ouro ao qual se seguiu uma rápida e geral decadência da região mineira. Todo o sistema produtivo se atrofiou perdendo vitalidade até se desagregar numa economia de subsistência. Os acontecimentos políticos do continente europeu no final do século XVIII, como as guerras napoleônicas, o bloqueio e o contra bloqueio da Europa, aceleraram a evolução política do Brasil com a transferência da corte de Lisboa para o Rio de Janeiro. Foi promovida a abertura dos portos do Brasil em 1808 pelo Rei de Portugal, D. João VI, beneficiando exclusivamente os ingleses, no início do século XIX. (ALCOFORADO, 2003, pg. 122).

Ao mesmo tempo em que ocorreu a independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, também ocorreu o conflito entre a agricultura de exportação com a Inglaterra, Figura 24 - Sistema económico do ouro e suas

interações, Século XVIII

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ocasionado principalmente pela dificuldade que havia dos ingleses em abrir o mercado aos produtos brasileiros, acrescido do fato de serem beneficiados pelas vantagens advindas dos tratados de 1810, da época colonial.

Já no início do século XIX, o café surgiu como alternativa de produto de exportação, sendo o principal produto exportado já na década de 1830, seguido do açúcar e do algodão. O café foi introduzido no Brasil no final do século XVIII e era cultivado em muitas regiões para fins de consumo doméstico, tendo adquirido importância comercial quando ocorreu a alta de preços provocada pela desorganização do grande produtor mundial, o Haiti. Desse modo,

a economia mercantil-escravista cafeeira nacional é obra do capital mercantil nacional, que se viera formando, por assim dizer, nos poros da colónia, mas ganhara notável impulso com a queda do monopólio do comércio metropolitano e com o surgimento de um muito embrionário sistema monetário nacional, consequências da vinda, para o Brasil, da Família Real, o passo decisivo para a formação do Estado Nacional (MELLO, 1982, p. 54).

A produção do café e o desenvolvimento de sua produção se concentraram na região montanhosa (dos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e, em pequena escala, São Paulo) próxima da capital do país, o Rio de Janeiro. Nessas proximidades havia relativa abundância de mão de obra em consequência da desarticulação da economia mineira. Aliado a isso, estava próximo ao porto, solucionando a questão do transporte. Outra vantagem desta atividade era o fato de exigir menor grau de capitalização, e por ser baseada no trabalho escravo, apresentando menores custos de produção em comparação à empresa açucareira.

A expansão da atividade cafeeira durante a segunda metade do século XIX mostrou sinais de dificuldade com relação à mão de obra, o que foi agravado com a assinatura da lei Áurea de libertação dos escravos pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888. Com esses obstáculos, dentre as medidas utilizadas para reverter a situação estava a decisão de atrair imigrantes europeus, inicialmente do sul da Itália. Internamente, da região central (região mineira) houve significativo deslocamento populacional em direção a São Paulo. Também ocorreu imigração da região nordestina para a amazônica, atraída pela produção da borracha que, no final do século XIX e início do século XX, transformou-se na matéria-prima de procura em mais rápida expansão no mercado mundial.

Assim, conforme mostra a Figura 25, na segunda metade do século XIX, a economia brasileira estava dividida em três sistemas económicos principais: 1) um constituído pela economia do açúcar e do algodão e pela vasta zona de economia de subsistência a ela ligada (se estendendo do Maranhão até Sergipe); 2) outro formado pela economia de subsistência do Sul do país (Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso); e, 3) a economia

5 A economia, a população e a distribuição espacial das atividades produtivas no Brasil

cafeeira (presente nos Estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo). Além dos três sistemas económicos mencionados, não se pode deixar de ressaltar a existência de duas regiões de grande importância económica: a Bahia (produção do cacau, que se iniciou na segunda metade do século XIX no sul do Estado, e do fumo) e a Amazônia (apresentou grande crescimento nas exportações, especialmente com a produção da borracha).

Neste processo, pode-se afirmar que três fatos foram altamente relevantes para a economia brasileira nos últimos 25 anos do século XIX: 1º) o aumento da importância relativa do trabalho assalariado; 2º) a gestação do mercado interno; e, 3º) o controle de três quartos da oferta mundial do café pelo Brasil (ALCOFORADO, 2003, pg. 127-129).

O governo imperial (1822- 1889) mostrou sua incapacidade de dotar o país de um sistema monetário adequado e levou a crescentes divergências entre as regiões, que foram acentuadas nos últimos anos do século XIX. As necessidades de ação administrativa no campo dos serviços públicos, da educação e da saúde, da formação profissional, da organização bancária, etc., se mostravam cada vez maiores. Assim, em 15 de novembro de 1889 ocorreu a proclamação da República.

O Brasil se caracteriza no início do século XX com a Amazônia, vivendo ainda a fase áurea da extração da borracha, o Nordeste encontrando-se em crise desde o século XVII com o açúcar e o algodão, seus principais produtos de exportação marginalizados no mercado internacional, e o extremo Sul centrando sua atividade económica na produção e no beneficiamento da erva-mate no Paraná e em Santa Catarina e na produção do charque e no beneficiamento do couro no Rio Grande do Sul para o suprimento do mercado interno. Minas Gerais produzia café, além de exportar gado vivo e laticínios para os Estados vizinhos. Por sua vez, Rio de Janeiro e São Paulo eram os principais produtores de café do país (ALCOFORADO 2003, p. 129).

Figura 25 - Sistema económico do café e suas interações, Século XIX

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O século XX começou com o setor cafeeiro em crise devido à superprodução. Diversas medidas intervencionistas foram tomadas de forma a reverter a crise: valorização do café pelo Governo central, compra dos excedentes para evitar a queda de preços no mercado internacional, imposto sobre exportação de café, políticas de defesa, dentre outras. Todas essas medidas foram exitosas até setembro de 1929, data do início da grande depressão internacional (eclosão da crise da Bolsa de Nova York). Pode-se dizer que,

o modelo agrário-exportador que prevaleceu no Brasil do período colonial até 1930 tinha como principais interessados na sua manutenção a classe de latifundiários e os setores agroexportadores. Este modelo se esgotou em consequência da crise económica mundial, que afetou profundamente as exportações do Brasil para o mercado internacional a partir do crack da Bolsa de Nova Iorque em 1929, da emergência de uma burguesia industrial comprometida com a modernização do país e o desenvolvimento nacional e da crise política resultante da eleição fraudulenta para a sucessão do então presidente Washington Luís que redundou na Revolução de 30 e na ascensão ao poder de Getúlio Vargas. (ALCOFORADO, 2000, p. 101)

Furtado (1999) acrescenta que:

Em 1932, com a Revolução Constitucionalista de São Paulo, o governo federal pareceu desarmado e decidiu ajudar os agricultores paulistas, comprando todo o café para queimar. Foi a maior fogueira do mundo: durante dez anos 80 milhões de sacas de café foram incineradas. Mas foi essa destruição que criou o fluxo de renda, que é que se chama de demanda efetiva. E esse fluxo de demanda sustentou a economia, que começou a andar sozinha. E andou sozinha foi porque utilizou a capacidade ociosa existente. (FURTADO, 1999, p.74)

Todos esses fatores criaram uma condição nova na economia brasileira: nos anos de depressão, os preços relativos das mercadorias importadas aumentavam, reduzindo a demanda de importações. Com isso, a demanda por produtos do mercado interno crescia, fazendo deste mercado o que apresentava melhores condições de investimento quando comparado ao setor exportador. Desse modo,

no período 1929/33 se altera o caráter principal do antigo padrão de acumulação (o “modelo primário-exportador” ou “de desenvolvimento para fora”). Ou seja: a dominância que as exportações exerciam sobre a determinação do nível e do ritmo da atividade económica do país passaria a segundo plano. (CANO, 1998, p. 172)

O mercado interno passou a produzir os produtos antes importados e, com isso, a indústria tornou-se o setor que recebia maior atenção, resultando em um movimento de investimentos e culminando em um “deslocamento do centro dinâmico” da economia brasileira. A partir desta década o setor industrial passou a receber muitos investimentos e apresentou grande crescimento.

Quando se analisa a distribuição espacial do incipiente setor industrial existente percebe-se uma grande concentração na região onde hoje se encontram os Estados do Rio de

5 A economia, a população e a distribuição espacial das atividades produtivas no Brasil

Janeiro e São Paulo, em especial o primeiro Estado, conforme se pode verificar pela Figura 26 com dados do emprego industrial de 1907, a data mais antiga disponível para esse tipo de informação. Da mesma forma, as demais regiões que concentravam pessoal ocupado no setor industrial eram aquelas onde se localizavam os principais sistemas económicos, em especial, da cana-de-açúcar no Nordeste, a pecuária do Sul, e de extração mineral e vegetal, no Sudeste/Centro-Oeste e Norte, respetivamente.

Figura 26 - Distribuição do pessoal ocupado no setor industrial do Brasil, por municípios - 1907

Fonte: Elaboração do autor a partir de IPEADATA (2014)

Outra informação interessante é a mudança na distribuição espacial da população num lapso de tempo de 30 anos (entre 1890 e 1920), conforme mostra a Figura 27.

154 Figura 27 - Distribuição da população total, por municípios do Brasil - 1890/1920

População em 1890 População em 1920

5 A economia, a população e a distribuição espacial das atividades produtivas no Brasil

Conforme mostra a Figura 27, no período de 1890 a 1920, houve a consolidação da concentração da população no eixo centro-sul do país, com destaque para os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. É possível perceber que enquanto em 1890 somente o município do Rio de Janeiro registrava população acima de 500 mil habitantes, em 1920 o município de São Paulo já de destacava nesta categoria, assim como um vasto conjunto de municípios que aumentaram a sua população, principalmente no eixo litorâneo. Nota-se, ainda, um amplo território com poucos municípios, principalmente do oeste do Estado de Santa Catarina, passando pelo Centro-Oeste até o Norte do país, mostrando grandes disparidades regionais no quesito distribuição espacial da população.

Para Cano (2008), as diferenças regionais no Brasil se deram também pela não total integração da economia nacional até 1930 e por resultados de seus distintos históricos regionais: trajetórias económicas, herança culturais, demográficas e económicas específicas.

5.2 DE 1930 A 1970: A INTEGRAÇÃO DO MERCADO INTERNO À ECONOMIA