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O Movimento Negro no Brasil: algumas considerações

No documento IDENTIDADES E MEMÓRIAS: (páginas 39-45)

2.1 BREVE REFLEXÃO SOBRE A HISTÓRIA DO LUGAR

2.1.1 O Movimento Negro no Brasil: algumas considerações

A leitura do texto Desigualdades raciais e lutas antirracista/ Uma História no Brasil16 me despertou para compreender as constantes lutas do povo negro em busca de

15 NAZÁRIA, Lorraine Janis Vieira dos Santos. A lei e os livros: transformações na produção didática de História após a Lei 10.639/03. Dissertação (Mestrado Profissional - PROFHISTORIA). Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:

https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/174845/2/Dissertacao%20Lorraine%20Jamis.pdf. Acesso:

Agos. de 2020

16 Albuquerque, Wlamyra R. de Uma história do negro no Brasil / Wlamyra R. de Albuquerque, Walter Fraga Filho. _Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.

320p.

uma participação ativa na sociedade brasileira ao longo do tempo. Sempre existiram grupos formados por negros na luta contra as desigualdades sociais e raciais, estas, são de extrema importância para compreendermos a história do Brasil contemporâneo.

Muitas dessas organizações têm uma trajetória histórica longa, que remonta o século XIX, no tempo em que uma boa parte da população afro-brasileira ainda lutava para emancipar-se da escravidão. Outros foram criadas em resposta a discriminação e as péssimas condições de vida do negro.

Essa luta em estabelecer uma educação inclusiva e plural, percorreu todo século XX. Inúmeras associações foram fundadas e por meio delas, ativistas negros desenvolveram ações de combate à discriminação racial e formularam diversas propostas de inclusão da população afrodescendentes. Entre essas organizações, destacar-se nos anos de 1930, o papel da Frente Negra Brasileira (FNB), que elegeu como um dos seus compromissos a luta por uma educação que contemplasse a História da África e dos povos negros e combatesse práticas discriminatórias sofridas pelas crianças no ambiente escolar17.

A Frente Negra Brasileira – FNB, fundada em 1931 na Rua da Liberdade em São Paulo, espalhou-se pelo país e tinham como defesa de que a luta do negro deveria partir da educação, como relata o Sr. Francisco Lucrécio, um dos fundadores da FNB:

A Frente Negra sempre achou que a luta do negro deveria partir da educação, então ela se preocupou muito em criar os departamentos esportivo, educacional, social, assistencial, e tinha também o departamento de imprensa e biblioteca. Todos giravam em torno da Frente Negra, inclusive as escolas de alfabetização [...], conseguimos do estado quatro professoras [...]. Depois, mais tarde foi que enveredou para a política 18. (ALBUQUERQUE; FILHO, 2006, p.264).

Para Domingues (2007), o movimento negro se caracteriza em quatro fases a partir do advento da República e percorrem todo o período republicano de 1889 até os anos 2000. a primeira fase durante a Primeira República até o Estado Novo (1889-1937); a segunda fase se estende da Segunda República à ditadura militar (1945-1964); a terceira fase vai do início do processo de redemocratização até a República Nova (1978-2000) e

17 Plano Nacional de implementação das Diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnico raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Brasília: MEC, SECADI, 2013. 104 p.

18 Depoimento retirado do livro “Uma história do negro no Brasil”- Capítulo X Desigualdades raciais e

luta anti-racista, p. 264. Link:https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/uma-historia-do-negro-no-brasil.pdf (acesso em 10- 08- 2020).

por fim, a quarta fase inicia-se nos anos 2000. Esses movimentos desenvolveram diversas estratégias de luta pela inclusão social do negro e superação do racismo na sociedade brasileira.

Para Alburqueque; Filho (2006) apesar de inicialmente a FNB se dedicar, sobretudo às mesmas atividades educacionais, esportivas e sociais e de outras associações negras, logo ela evoluiu para a luta política, pois acreditavam que esse seria o caminho mais eficaz para superar as desigualdades raciais. A partir das instituições surgidas, a educação passa a ter um espaço prioritário de ações e reivindicações na luta do movimento. O intuito era dar voz à população negra e garantir acesso à educação, uma vez que a maioria dos descendentes de africanos escravizados e libertos era analfabeta.

A educação era mais um caminho para a integração social e para o acesso a melhores empregos.

Além da Frente Negra Brasileira, outras entidades floresceram com o propósito de promover a integração do negro à sociedade mais abrangente, dentre as quais destacam-se o Clube Negro de Cultura Social (1932) e a Frente Negra Socialista (1932), em São Paulo; a Sociedade Flor do Abacate, no Rio de Janeiro, a Legião Negra (1934), em Uberlândia/MG, e a Sociedade Henrique Dias (1937), em Salvador19. O Teatro Experimental do Negro (TEN) e o Movimento Negro Unificado (MNU) também foram instituições de grande importância na luta do povo negro. O TEN foi criado por iniciativa de Abdias do Nascimento, em 1944 e consistia em resgatar a cultura negra não apenas como manifestação folclórica, mas evidenciar a capacidade e o talento de pessoas negras para a arte. Embora tais movimentos tenham atingido parcelas pequenas da população negra brasileira, e quase sempre tenham restringido sua esfera de atuação ao eixo Rio-São Paulo, constituem evidências da mobilização e denúncia das práticas racistas, assim como da tentativa de constituição de uma certa “identidade negra” no Brasil (SANTOS, 2010).

Mesmo diante das dificuldades que tais movimentos enfrentaram, sobretudo até meados do século XX, não se pode desconhecer o importante papel que tiveram e o quanto a educação ocupou lugar central em suas denúncias. Assim como afirma SANTOS, (2010):

Boa parte dos movimentos de luta e afirmação da identidade negra que surgiram nas primeiras décadas do século XX seriam, entretanto,

19DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, n. 23, p. 200-122, 2007. Link: https://www.scielo.br/pdf/tem/v12n23/v12n23a07.pdf (acesso) 11-08-2020).

silenciados, em meio às práticas autoritárias e de repressão aos movimentos sociais, instauradas a partir do golpe de 1964, que colocou os militares no poder, em nosso país. O tipo de ideologia nacionalista que se difundiu no período da Ditadura Militar brasileira (1964- 1984) (SANTOS, 2010, p.65.)

O Movimento Negro Unificado (MNU) criado em 1978, faz parte de uma das fases mais produtivas para a educação. Domingues (2007) considera- o, um marco na história do protesto negro do país, por conseguir unificar as lutas de todos os grupos e organizações anti-racistas do Brasil. Esse foi o momento em que Movimento Negro Unificado passou a intervir diretamente na educação fazendo revisão nos conteúdos preconceituosos existentes nos livros didáticos; na capacitação de professores para desenvolver uma pedagogia interétnica; na reavaliação do papel do negro na história do Brasil; erigiu-se a bandeira da inclusão do ensino da história da África nos currículos escolares, assim como a reivindicação pela emergência de uma literatura “negra” em detrimento à literatura de base eurocêntrica.

Ainda durante a Nova República vimos à atuação da “imprensa negra”, periódicos como revistas e jornais, lutaram para que, no dia 13 de maio, data comemorativa da Abolição da Escravatura, fosse instituído o Dia Nacional da Denúncia contra o racismo, bem como o Dia Nacional da Consciência Negra, no dia 20 de novembro. Contudo, apesar de ambas as datas seres comemoradas, apenas a segunda foi instituída por lei. “As conquistas que o ativismo negro alcançou, desde pelo menos a década de 1920, vêm demonstrando como aqui não existe laivo de Democracia racial enquanto persistir tamanha desigualdade social, econômica e racial” (SCHWARCZ, 2019, p.36).

A inserção da História da África e do negro no currículo escolar fez parte das demandas de lutas do Movimento Negro Social ao longo da década de 1980. Essa conquista permitiu que pesquisadores da área da Educação ampliassem o debate sobre a importância de um currículo escolar que pensasse sobre a diversidade étnico-racial da sociedade brasileira durante as décadas posteriores. Em meio a essas conquistas, nasce a Constituição Federal de 1988, que trouxe a educação sob perspectiva política e de interesse público, inserindo assim, a educação como um direito social, como está previsto no seu art.6º20.

20Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

A carta Magna ainda traz dois artigos de grande valor para que a educação realmente seja prioridade na sociedade brasileira. O art.205º que estabelece a educação como direito de todos e dever do Estado e da família21, assim como o art. 214º que versa sobre o plano nacional de educação e à articulação do desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis22. Após a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil busca efetivar a condição de um Estado democrático de direito com ênfase na cidadania e na dignidade da pessoa humana, contudo, ainda possui uma realidade marcada por posturas subjetivas e objetivas de preconceito, racismo e discriminação aos afrodescendentes, que, historicamente, enfrentam dificuldades para o acesso e a permanência nas escolas23.

Podemos dizer que após décadas posteriores aos anos 80 e com a aprovação da nova constituição que a mídia, sociedade, governo da União e as instituições escolares se voltaram, de fato, para as questões afro-brasileiras e passaram a discuti-las de modo mais profundo. Embora as inúmeras dificuldades, o Movimento Negro vai se utilizar da legitimidade constitucional e não vai se eximir de continuar lutando em defesa da causa negra como há quase um século, como bem descreve Nascimento:

Passaram a exigir do Estado políticas de democratização da educação, de melhoria social (...) O movimento social negro não atuou de forma diferente. Na constituinte conseguiu aprovar artigos que abriram espaços para a elaboração da lei 7.716, chamada Lei Caó24, em 1989, e para medidas de ação afirmativa que, atualmente começam a ser implantadas. (NASCIMENTO, 2007, p. 66).

Assim, Schwarcz, reflete sobre as conquistas adquiridas através da nova Constituição:

(...) com o marco da carta Magna de 1988, que consolida a Nova República, multiplicaram-se as formas de ativismo negro. Resultados

21Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

22Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho;V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

23BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. 2004.

24A Lei Caó, a norma é originária do PL 52/88, de autoria do ex-deputado Federal Carlos Alberto Caó de Oliveira, ex-parlamentar, militante do movimento negro e jornalista, tendo participado, inclusive, da Assembleia Constituinte que redigiu a CF/88. A lei 7.716/89 sancionada pelo ex-presidente da República José Sarney, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. O dispositivo tornou a prática de racismo crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.

importantes foram o reconhecimento dos saberes e da erudição dessas populações, explicitamente no artigo 215 da Constituição Cidadã, e a definição das manifestações culturais afro-brasileiros como um

“patrimônio cultural” no artigo 216. Além do mais, o artigo 68 das Disposições Transitórias aprovou as terras de “remanescentes das comunidades dos quilombos”, o que validou o direito de grupos que permaneceram em pequenas roças e propriedades agrícolas vivendo do plantio coletivo desde o término da escravidão. Por último, o artigo 5º (inciso XLII) finalmente incluiu no corpo da lei a existência da discriminação no Brasil, tornando a prática do racismo um crime inafiançável e imprescritível, sujeito a prisão (SCHWARCZ, 2019, p.37).

A partir desse novo olhar com que a Constituição Cidadã passou a enxergar a educação, em 20 de dezembro de 1996 foi sancionada pela Presidência da República a principal lei de Educação do país, Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB), sob o nº 9.394/96. Essa lei surge da necessidade de adequar a educação a um modelo condizente com a realidade do país. No ano de 1997, foi criado os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997), cujo propósito era afirmar-se como uma referência para o Ensino Fundamental e Médio de todo país, garantindo a todos os estudantes brasileiros o direito aos conhecimentos necessários para o exercício da cidadania plena.

É notório que constituição cidadã de 1988, trouxe melhorias significativas para o campo educacional brasileiro, tal característica proporcionou à educação, importantes avanços, porém esses avanços ainda estão descritos no papel longe de fazer parte do cotidiano da sociedade.

Como resultado desse rico processo de lutas históricas vivenciado pelo povo negro, no ano de 2003 foi criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). No mesmo ano, foram estabelecidas cotas raciais para ingresso nas Universidades públicas e a lei nº 10.639 de 20 de janeiro de 2003 que estipulou a obrigatoriedade de inclusão nos currículos escolares de temáticas da História da África e da Cultura afro-brasileira. A partir dela, o conteúdo programático inclui o estudo da História da África e dos africanos, as mobilizações e reivindicações da população negra no Brasil, a cultura negra brasileira e a reflexão sobre a participação de africanos e afrodescendentes nas áreas social, econômica e política na História do Brasil.

No ano de 2010, foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucionais as cotas raciais na Universidade de Brasília juntamente com a lei nº 12711 que determinou que pelo menos 50% das vagas

das instituições federais seriam voltadas para as cotas raciais. Sobre essas conquistas que ganharam forma e lugar, Schwarcz afirma:

(...) Trata-se de políticas compensatórias e transitórias que procuram desigualar para depois igualar. Buscam reparar injustiças históricas de grande impacto na educação e na inclusão das populações que foram alijadas de uma formação escolar formal, durante longo tempo.

Almejam, igualmente, incluir mais diversidade nas instituições brasileiras e produzir formas de convívio e de conhecimento mais dinâmica porque plurais (SCHWARCZ, 2019, p.37).

Meu objetivo aqui, não foi retomar ou listar todas as ações do movimento negro em prol da educação, nem analisar as leis que legitimaram cada conquista histórica desse povo, mas destacar um pouco do percurso das lutas históricas do movimento negro na participação ativa na sociedade brasileira, na luta por uma educação democrática e inclusiva. Portanto, a participação desse movimento e suas reivindicações foram sem dúvida, uns dos principais responsáveis pelas medidas contra a discriminação racial e ações afirmativas que culminaram com a promulgação de leis e Diretrizes que pensam o negro com outro olhar.

No documento IDENTIDADES E MEMÓRIAS: (páginas 39-45)