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Religiosidade Popular na Macambira

No documento IDENTIDADES E MEMÓRIAS: (páginas 103-112)

3.3 CONTEXTUALIZANDO MEMÓRIA E IDENTIDADE

3.3.2 Religiosidade Popular na Macambira

Um dos elementos principais na estrutura social da Macambira é a religião. A maioria dos moradores se dizem católicos, mas há grande número de pessoas que se denominam evangélicos protestantes. A presença do catolicismo popular através das novenas, missas, procissão, a prática das curandeiras e rezadeiras, formam um conjunto diverso de elementos do catolicismo, protestantismo, espiritismo e das crenças afro-ameríndias.

Atualmente os ritos católicos oficiais na comunidade Macambira ocorrem em duas capelas, uma na Macambira II, tendo como padroeira Nossa Senhora das Graças e outra na Macambira III, tendo como padroeira, Santa Luzia. São realizadas duas missas por mês, uma em cada capela, essa é a forma mais acessível para que todos possam participar das programações religiosas. De modo tradicional Santa Luzia é padroeira oficial da comunidade Macambira.

A capela de Nossa Senhora das Graças foi construída através da inciativa individual de um dos moradores descendentes dos troncos velhos, Francisco Pereira de Araújo- mais conhecido como Chirata, que a construiu em devoção e homenagem a santa.

A festa ocorre no mês de novembro e conta com a participação de um público considerável na programação religiosa e social. A parte religiosa é composta de 9 novenas, missas e uma procissão. A parte social conta com a presença de uma festa com banda de forró e um campeonato de futebol. Esses campeonatos são muito comuns nos municípios rurais da Serra de Santana. Na Macambira por exemplo, é um dos principais eventos de sociabilidade da comunidade. Geralmente nos finais de semana, diversos jogos são realizados, embora que o tradicionalismo desses eventos esportivos estarem mais relacionados as festas de padroeiros.

59 Entrevista concedida a autora no ano de 2016, pelo senhor Vilmário, 43 anos.

IMAGEM 11: Capela de Nossa Senhora das Graças- Macambira II

Fonte: (ARQUIVO PESSOAL DA AUTORA, 2020).

A festa de Santa Luzia na Macambira III ocorre no mês de Dezembro, apesar de ser uma festa mais antiga, tem proporções menores em relação a festa de Nossa Senhora das Graças, porém, a programação é semelhante. De acordo com a memória da população, essa festa surgiu de uma promessa realizada por uma ex moradora da serra de Santana que doou a imagem de Santa Luzia para que ela se tornasse a padroeira daquela comunidade, e assim foi feito.

IMAGEM 12- Capela de Santa Luzia- Macambira II.

Fonte: (ACERVO PESSOAL DA AUTORA, 2020)

Sobre as festividades tradicionais na Comunidade Macambira e espaços de sociabilidade as festas de padroeiros o evento mais esperado do ano. O dia do leilão e as festas de forró, as festas juninas, bolão de vaqueja, forró de casamento são os eventos com maior participação popular. Em relação ao lazer semanal mantém a tradição de jogar baralho (Pif paf , Pé duro e sueca) 60, os jogos na Macambira são tão intensos que alguns viram a noite, homens e mulheres se divertem na mesa de jogo. A reunião de amigos ou familiares para assistir novelas apesar de hoje praticamente todas as casas ter televisão também são opções de diversão da comunidade. Durante o final de semana as formas de lazer é visitar a casa de um parente próximo, nesses termos a casa assume o papel de principal espaço de sociabilidade, a participação das celebrações religiosas (católicas e evangélicas), campeonatos de futebol, e a visita a bares pelos os mais jovens.

Apesar da complexidade que envolve toda a história da Macambira, percebemos que os mais velhos se preocupam em repassar valores, crenças, costumes e histórias dos ancestraissão repassados de geração em geração, seja de caráter religioso, familiar ou cultural.

Na Comunidade há também a presença de Igrejas protestantes pentecostais e Batista congregacional. Na Macambira II foi erguido um pequeno templo da Igreja Assembleia de Deus. Os cultos acontecem mensalmente com a presença do pastor que vem de Lagoa Nova, RN.

IMAGEM 13- Prédio da Igreja Evangélica Assembleia de Deus

Fonte: (SILVA, 2012, p.178).

60 Ver (SILVA, 2012, p 185).

Na Macambira III ocorre cultos semanais presidido pelo representante da Igreja evangélica do Nazareno. Não há um templo construído, as celebrações ocorrem na residência de uma das moradoras denominada de “Dona Tica” sob a responsabilidade do seu filho Lailson. Durante esse período pandêmico, os cultos estão sendo realizados na sede da Igreja do Nazareno do Buraco de Lagoa, comunidade vizinha a Macambira. Outra igreja protestante vem sendo construída na Macambira III, a Igreja Batista congregacional. Antes da construção do seu templo os fiéis se reuniam na sede da associação quilombola da Macambira.

De acordo com as informações, a nova congregação conta com um número considerável de fiéis, tem como pastor e professor conhecido popularmente por Pio Antas e suas celebrações ocorrem aos domingos pela manhã. Ao entrevistar a presidente da Associação quilombola da Macambira ela nos relatou que a cerimônia do seu casamento foi realizada por essa igreja. “A gente se batizou e o casamento da gente foi numa igreja que tinha aqui na associação que era de Natal e congregacional” (EDNALVA61, 2020).

O número de fiéis das igrejas protestantes ainda é inferior aos da igreja católica, porém, cada dia essas igrejas recém chegada a comunidade vem ganhando adeptos. Uma das questões culturais muito forte na Macambira, está relacionada a participação social das benzedeiras da comunidade. Nesse processo de escrita buscamos identificar algumas benzedeiras que merecem destaque. Quem são essas benzedeiras? Existem várias formas usadas para definir as mulheres que rezam sendo a mais comum o significado de Rezadeira como sendo mulher que realiza cura através de benzimentos, como pode remeter à prática da reza. Câmara Cascudo, por exemplo, assim as define no Dicionário do Folclore Brasileiro “Mulher, geralmente idosa, quem tem ‘poderes de cura’ por meio de benzimento”. (CASCUDO, 2001, p. 587).

Para Mendes e Cavas (2018) benzedeira (os) são cuidadores dos males físicos e espirituais dos moradores das comunidades quilombolas e são convocados para cuidarem de doenças que, no geral, se encontram fora do escopo de tratamento pela medicina dogmatizada. Cuidam da identificação das moléstias ao tratamento com rezas, chás, banhos e unguentos preparados com as ervas colhidas especificamente, para cada caso, nos quintais de suas casas, utilizam-se de seus saberes tradicionais repassados pela oralidade através de gerações. Ainda afirmam:

Às práticas tradicionais empregadas pelas benzedeiras e benzedeiros quilombolas, na promoção da cura e proteção, alia-se uma religiosidade

61 Entrevista concedida a autora em julho de 2020, Senhora Ednalva- 42 anos.

sincrética pelas influências culturais das matrizes africanas, católicas e indígenas, produto dos contextos históricos específicos que marcam o povo brasileiro. O sincretismo religioso atribuído às mulheres e aos homens benzedeiros quilombolas, não se dá na mesma medida para todas e todos, mas as primeiras observações do campo revelaram que maioria delas e deles se declara pertencente à religião católica, embora suas práticas, as imagens dos santos canonizados ou não, além das representações de outras divindades mantidas em seus âmbitos domésticos, demonstrem a convivência pacífica entre elementos de proveniências religiosas diversas. (MENDES; CAVAS, 2018, p.4).

De acordo com a memória do povo da Macambira existem muitas benzedeiras na comunidade. Três delas são citadas por Silva (2012): Dona Aparecida, Dona Maria das Neves Felipe e Aurita Das Neves. O ato de benzer é composto por uma sequência de movimentos em um tempo médio de 10 minutos. Os sujeitos benzidos são geralmente crianças que pega algum tipo de mau olhado, quebrante ou vento caído. O ofício das benzedeiras é algo bem visto na comunidade e não é tão incomum de vez em quando ver alguém sendo benzido”. Entrevistada pela TV Senado no programa Caminhos do RN, Dona Maria das Neves de 72 anos, afirma que viveu a vida inteira na Macambira e na força da fé intercede junto aos céus para curar os males do corpo e da alma e que dali não quer sair nunca: “Aqui é meu lugar e se Deus quiser e nossa senhora eu quero findar meus dias de vida aqui”.

Dentre as benzedeiras a que mais nos chamou a atenção durante a pesquisa foi

“Dona Fátima de Seu Oliveira”, como é popularmente conhecida. Muito procurada na comunidade pelo o dom de benzer e ajudar no processo de cura dos que precisam, Dona Fátima desenvolveu a prática de cura para dores de cabeça ocasionada pelo excesso de sol. “Tirar o sol da cabeça” o nome da reza. Para a realização desse ritual de cura, a preferência é que se realize antes do sol se pôr. A pessoa a ser curada deve sentar-se de costas virada em direção ao sol e a rezadeira coloca uma toalha dobrada em quatro partes sobre o local dolorido da cabeça e uma garrafa transparente cheia de água com o gargalo sobre a toalha. À medida que o ritual vai acontecendo, a benzedeira vai realizando movimentos leves e tocando no fundo da garrafa. A imagem a seguir representa o ritual da cura do sol na cabeça.

IMAGEM 14- Benzedeira da Macambira no ritual de cura para tirar o sol da cabeça

Fonte: (ARQUIVO PESSOAL DE MARINALDO VICENTE, 2017)

Durante a pesquisa também percebemos que muito dos rituais e crendices da comunidade quilombola estão ligadas diretamente as manifestações religiosas de matriz africana. Crenças, rituais de cura, linguagem, entre outras traços culturais são silenciados.

A forma pela qual os “negros da Macambira” reage a não querer falar muitas vezes dos seus costumes e forma de viver herdado da cultura africana é resquício de um país de cultura escravocrata, que negou o papel do negro na sociedade e que ainda persiste em inferiorizá-los. Tal denominação é exemplar do modo como tem sido as relações étnicas entre negros e não negros desde o período colonial, com o regime escravocrata dominante nas regiões brasileiras, bem como na região Seridó no RN, até meados do século XIX com as transformações na lógica de administração dos estoques de mão-de-obra com o crescente aparecimento de homens livres em sua maioria ex-escravizados62.

As manifestações religiosas que dizem respeito ao culto às divindades africanas são os exemplos mais concretos desse silêncio, que passa a ser símbolo de negação

62 PEREIRA, Edmundo Marcelo Mendes. Comunidade Macambira: de “Negros da Macambira” à Associação Quilombola. Pág: 05. Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 3, nº 1, p. 123 – 260.

jan./jun. 2011.

cultural em grande massa. Sobre a presença dos rituais religiosos afro-brasileiros e a negação desses na comunidade quilombola da Macambira, Edmundo (2011), afirma que há entre seus cultos, manifestações religiosas que contemplam divindades africanas de forma muito discreta, resumindo-se a práticas individuais e a presença da Jurema. Para ele, no início da pesquisa que resultou no relatório antropológico da Comunidade, o tema velado, era visto com muita descrição e crítica, mas com o passar do tempo ele foi conseguindo tornar a discussão mais aberta ao ponto de observar uma lista de poucos mais de 15 pessoas que praticam ou que eram conhecedoras da prática mágico religiosa63.

Além da presença discreta do culto afro brasileiro à Jurema na Macambira, há na comunidade, pessoas que administra terreiros, embora não esteja em prática atualmente, mas que nota-se a presença do culto as divindades de matriz africana. Sobre a presença de um terreiro na Macambira Silva (2012) escreve:

Até pouco tempo, próximo ao cabeça da Macambira, seu Pedro era o responsável por um terreiro. Este senhor era descrito como uma pessoa de fora e reservada. Segundo moradores vinham pessoas de fora da comunidade para consultar com ele, morando numa pequena casa, que funcionava como centro localizado na Macambira III. Não havendo hoje um terreiro há uma senhora de forma discreta (e não oficial) tem alguma relação com tais práticas, seu nome é Irene “dos Silvinos”.

Alguns comentam que ela tem um pequeno quarto, na sua casa onde há uma mesa com várias imagens e ela recebe os espíritos guia (SILVA, 2012, p. 181).

Ainda tentando entender sobre o universo místico, sincrético e silenciado das manifestações religiosas de matriz africana na Macambira através do ofício dos curandeiros, realizamos uma visita a Irene Firmino, moradora da Comunidade. Durante a visita a sua residência ela nos confirmou que não tinha licença ainda para trabalhar como curandeira ou montar nenhuma espécie de terreiro, pois ainda estava em desenvolvimento espiritual, mas que uma vez por ano realizava uma visita a sua mãe de santo em Natal.

Na medida que fomos dialogando, Irene nos apresentou um apêndice da sua casa onde ela realiza suas orações e prática sua fé. No seu espaço sagrada estava duas mesas composta por inúmeros elementos do catolicismo, santos católicos, entidades de umbanda, orixás do candomblé, entre outras representações da cultura religiosa popular brasileira.

63 Ibidem, p. 107.

IMAGEM 15- Mesa sincrética- espaço de cura de Irene Firmino

Fonte: (ARQUIVO PESSOAL DA AUTORA, 2016)

Para compreender o que significa cada elemento presente na mesa apresentada por Irene, enterrogamos o professor de História André Nascimento, 34 anos, mestre em antropologia com pesquisa na área de religiosidade afrobrasileira, para nos esclarecer o significado de alguns elementos presentes da mesa, através do seguinte questionamento:

Os copos com água são chamados de "príncipes" ou “princesas”, "cidades" ou

"vidências", essas nomenclaturas variam de terreiro para terreiro?

São um dos principais símbolos do catimbó-jurema. As taças e os copos podem representar a cidade encantada de onde os mestres vem.

Geralmente se coloca copos para os mestres e taças para as mestras. Nas imagens apresentadas há mais elementos referentes ao catimbó-jurema, no entanto, estes mesmos símbolos também podem ser encontrados nas casas de umbanda e candomblé, dado o processo de hibridação entre esses cultos. Aqui no Nordeste, o contato entre as três vertentes religiosas, possibilitou a formação de um sistema religioso muito interessante onde se misturam o culto aos orixás, mestres, encantados e outros espíritos: cangaceiros, padres, pretos e pretas-velhas, santos católicos e exus. Essa imagem represente o peji (o altar). Essas pedras (provavelmente) serão colocadas dentro de alguns alguidares, quando estiverem lá dentro serão chamadas de otar, é onde se assenta a força das entidades. Vê-se ainda bebidas alcóolicas – que nas religiões afro-luso-indígenas, cumprem uma função ritualística consumida pelas entidades no momento da incorporação ou transe mediúnico. Os quadros, as fitas e demais arranjos compõem o espaço religioso, são

elementos importantíssimos para a eficácia da atividade religiosa. (André Nascimento, 2016).64

Numa entrevista indireta com Vilmário, ex presidente da associação quilombola, ele afirma que a maioria das pessoas da comunidade se diz praticante do catolicismo, outras frequentam igrejas evangélicas, mas muitos desenvolvem alguma crença que estão voltadas para os rituais religiosos de matriz africana, algumas das curandeiras recebem espíritos e praticam rituais considerados típicos de religião de matriz africana. Mas em meio ao preconceito e negação da qual a nossa história tem tratado essas manifestações religiosas, os negros da Macambira não falam abertamente de tais rituais com medo da opressão sofrida da própria comunidade local, denominando-os pejorativamente de Macumbeiros, bruxos ou outros adjetivos negativos.

Para Canvas e Mendes (2018), o hibridismo religioso está presente em forma de cultura popular, misturando especificamente o catolicismo popular com religiões afro-brasileiras e indígenas. Essa forma popular de se relacionar com o sagrado é considerada uma das mais tradicionais manifestações existentes no Brasil e, desde o período colonial, tem, como característica central, o culto aos santos. Assim, a devoção das benzedeiras e curandeiras quilombolas configurada no complexo imagético de seus altares domésticos, compõe-se dos santos católicos, entidades da umbanda e orixás do candomblé, ladeados por fotografias de parentes mortos e outros objetos, conformando o cosmo religioso de onde provém a força para exercerem o ofício de benzimento e promoverem a intermediação entre os planos divino e material para ajudar a quem os procura.

64Entrevista realizada no ano de 2016.

4 NO CHÃO DA ESCOLA MUNICIPAL SÃO LUIZ: DIAGNÓSTICO, PERFIL SOCIAL E EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA

Para lecionar em comunidades diversas, precisamos mudar não só nossos paradigmas, mas também o modo como pensamos, escrevemos, falamos. A voz engajada não pode ser fixa e absoluta. Deve estar sempre mudando, sempre em diálogo com um mundo fora dela (HOOKS, 2017, p.22).

O Presente capítulo apresentará a história da Escola Municipal São Luiz como resultado da ação política da comunidade, sua caracterização, corpo docente e legislação de funcionamento, assim como uma análise do Projeto Político Pedagógico. Discutiremos a relação da escola com a comunidade, sobre como as práticas pedagógicas estão sendo desenvolvidas pelos professores da comunidade e se atendem às recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola.

Para essa discussão, realizamos entrevistas através do google meet, google formulários, WhatsApp e no processo final, após a aplicação da vacina do Covid – 19, realizamos entrevistas e visitas presenciais a comunidade. Entrevistamos professores, ex-professores, coordenador pedagógico e pessoas da comunidade que atuam como pais, amigos ou que já foram alunos da referida escola. Através dos questionamentos voltados para os profissionais da Escola Municipal São Luiz, refletimos as dificuldades e desafios encontradas no fazer pedagógico diante do que estabelece a educação escolar quilombola e como a comunidade escolar vem trabalhando na elaboração de um novo Projeto Político Pedagógico que dialogue com sua própria história.

4.1 PROCESSO HISTÓRICO DA ESCOLA MUNICIPAL SÃO LUIZ NA

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