• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 EXPLORANDO O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO DISCURSO DO

4.1 AS RAZÕES QUE LEVARAM À CRIAÇÃO DO PNAIC

4.1.1 O movimento Todos pela Educação e a meta 2

A análise da produção do discurso do PNAIC envolve, primeiramente, a discussão sobre o movimento Todos pela Educação. Martins (2009) reitera o que já havia afirmado em 2007, na sua tese de doutorado (MARTINS, 2007), e em 2008, em um trabalho apresentado na 31ª Reunião Anual da Anped (MARTINS, 2008), de que o Todos pela Educação surgiu58 em um momento em que havia um intenso movimento das forças do capital para produzir uma nova educação política, “com o objetivo de difundir referências simbólicas e materiais para consolidar um padrão de sociabilidade afinado com as necessidades do capitalismo contemporâneo” (MARTINS, 2009, p. 22). Para Shiroma, Garcia e Campos (2011), a finalidade do movimento foi criar uma nova consciência e uma nova sensibilidade social, no que diz respeito ao direito à educação e à responsabilidade social. Com esse pensamento, diversas iniciativas foram criadas, surgindo, também, segundo Martins (2009), uma direita

para o social, composta por um amplo grupo de empresários que passam a atuar por meio de

intervenções em questões sociais59. Uma dessas intervenções foi o movimento Todos pela

Educação, criado em 2005 e lançado em setembro de 2006 por um grupo de empresários

(chamados de intelectuais orgânicos do capital por Martins, 2008), que verificaram que a baixa qualidade da Educação Básica trazia problemas para a capacidade competitiva do país, e consideraram que precisavam mudar isso (MARTINS, 2009).

Desse modo, o discurso principal utilizado para criar e colocar o projeto em ação foi a preocupação com a qualidade da Educação Básica. Essa preocupação envolvia principalmente a classe trabalhadora, a fim de diminuir as históricas desigualdades sociais, em um esforço conjunto de todos na defesa de uma escola pública de qualidade. Esse esforço é o

58 Para maiores detalhes de como surgiu o movimento Todos pela Educação, ver Martins (2008, 2009), Shiroma,

Garcia e Campos (2011), Martins (2013) e Hattge (2014).

59 Martins (2009, p. 22) explica que, “na perspectiva da classe empresarial, os índices dramáticos da

escolarização das massas nos países periféricos indicavam a necessidades de alterações na formação humana tanto no aspecto técnico quanto no ético-político, para assegurar a consolidação do capitalismo em sua nova fase. Ampliar o acesso à educação escolar para a preparação de homens e mulheres para o novo século, ainda que sob parâmetros restritos, se configurou como uma exigência a ser enfrentada pelas forças do capital”. O autor cita que podem ser tomados como referências do esforço para reorientar a educação das massas os seguintes eventos: Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990) e a Cúpula Mundial de Educação (Dakar, Senegal, 2000). Estes eventos tiveram repercussões no Brasil entre os anos de 1995 e 2002, e foi nesse contexto que surgiu o organismo Todos pela Educação (TPE).

que Martins (2009) analisa como parceria ou corresponsabilidade que, na perspectiva do autor, reforça as estratégias de dominação presentes, ainda, no Brasil, pelo fato de explicitar que, em nome da educação, é necessário um novo pacto social em favor das proposições empresariais.

Os apontamentos realizados até agora revelam a necessidade de questionar o seguinte: o que levaria o movimento TPE, que é composto por um grupo de empresários influentes no país e que representam os interesses do capital, a criar uma agenda empresarial com compromissos e metas para serem assumidos e cumpridos por toda a sociedade brasileira, com o discurso de que o objetivo é melhorar a qualidade da Educação Básica, especialmente para a classe mais desfavorecida (classe trabalhadora)? E ainda, como uma agenda que possui os princípios de interesses de uma classe (a burguesa) pode melhorar a qualidade da educação para outra classe (classe trabalhadora)? A intenção do movimento TPE, através do discurso político presente em seus documentos, denominado por Shiroma, Garcia e Campos (2011), de liturgia da palavra, é conseguir a conversão das almas, ou seja, conquistar, por meio de um pacto social em prol da educação, uma mudança no perfil do cidadão, que deve ser participar mais e ser exigente quanto à educação como um direito de todos. Para Hattge (2014), o primeiro motivo que levou a organização do movimento Todos

pela Educação foi o discurso de que a educação é a principal responsável pelo

desenvolvimento de um país, pois “sem educação formal, sem desenvolvimento do capital humano dos sujeitos, não há como o país avançar em termos de desenvolvimento. Entende-se que é necessário que a educação conduza o país rumo a seus objetivos, sejam eles econômicos, sociais, políticos” (HATTGE, 2014, p. 74).

O segundo fator apontado pela autora foi a ideia de uma crise política que demandaria uma mobilização social maior para enfrentá-la. E, por fim, a incompetência dos gestores da escola que, na opinião dos fundadores do movimento TPE, não tinham preparo técnico para a gestão. Para melhorar tudo isso, o movimento propôs 5 metas para a educação pública brasileira, a saber: a) meta 1 - toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; b) meta

2 - toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; c) Meta 3 - Todo aluno com

aprendizado adequado à sua série; d) Meta 4 - todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos; e e) Meta 5 - Investimento em educação ampliado e bem gerido (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2006, grifo nosso).

É importante lembrar que de todos os segmentos da sociedade chamados para participar do esforço coletivo para atingir as metas do TPE, aqueles que mais são destacados pelo movimento, são os pais e os professores. Deste modo, compreende-se que, no campo de

produção do discurso pedagógico oficial do movimento TPE (contexto primário), ele foi e ainda está sendo produzido fora do campo do sistema educacional, o que é perfeitamente possível de acontecer, segundo Bernstein (1996), e que poderá refletir diretamente no quê e no como do discurso pedagógico no campo de recontextualização pedagógica (CRP), que será reproduzido e/ou recontextualizado por sujeitos que não participaram da produção do discurso original.

Nos relatórios do TPE, percebe-se a preocupação com a disposição de uma avaliação externa e de larga escala, que seja eficaz na aferição de resultados sobre o que as crianças estão aprendendo nos primeiros anos da Educação Básica. Desse modo, outras questões, como a valorização do professor alfabetizador, assim como a sua formação, e ainda a infraestrutura necessária para desenvolver sua prática pedagógica, não são mencionadas, como se a avaliação externa fosse a solução mais eficiente para atingir a meta 2, que é alfabetizar todas as crianças até os oito anos. E a falta desse mecanismo de avaliação é descrita até mesmo como um empecilho para atingir a meta, que era de 80% até 2010 (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2010). Somente a partir de 2010 o TPE começou a discutir sobre outras demandas, adotando 5 bandeiras para o alcance das 5 metas que foram apresentadas em 2011, em comemoração aos cinco anos do movimento. Essas bandeiras são: formação e carreira do professor; definição das expectativas de aprendizagem; uso relevante das avaliações externas na gestão educacional; aperfeiçoamento da gestão e da governança da Educação; ampliação da exposição dos alunos à aprendizagem (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2012).

Consideramos que o PNAIC foi organizado a partir de diferentes forças e influências. Duas destas influências foram a noção de pacto exposta nos materiais do movimento TPE e proposição da meta 2. A noção de pacto resultou no esforço conjunto de Governo Federal, Estados, Municípios, Distrito, Universidades, Secretarias de Educação e sociedade em prol de um mesmo objetivo: criar e executar estratégias para alfabetizar todas as crianças até os oito anos de idade. Sobre a proposta da meta 2, é possível afirmar que a ideia inicial, de que a criança precisa ser alfabetizada até os oito anos de idade, partiu da meta, que foi elaborada pelo movimento Todos pela Educação, que caracteriza os oito anos como idade correta (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2008, 2009) ou idade adequada (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2010). No item 4.2 apresentamos uma análise mais aprofundada da noção de idade certa.