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2.1 A TEORIA DE BASIL BERNSTEIN

2.1.3 Pedagogia visível e invisível e os modelos pedagógicos de competência e de

Nesta seção, os conceitos de pedagogia visível e invisível são apresentados e articulados aos modelos pedagógicos de competência e desempenho. Segundo Mainardes (2007a), os modelos de competência e desempenho são decorrentes da reformulação que Bernstein fez entre as pedagogias visível e invisível, reapresentando-as como esses modelos pedagógicos.

Para a compreensão de tal reformulação, é relevante destacar, inicialmente que, de acordo com o mencionado anteriormente, as crianças da classe média e alta, ou são alfabetizadas antes de iniciar o ciclo de alfabetização, ou são alfabetizadas já no 1º ano do Ensino Fundamental. Entre as razões disso, pode-se afirmar que o acesso à Educação Infantil e aos materiais escritos é mais facilitado para as crianças de classe média e alta do que para as crianças da classe trabalhadora. Isto não significa que as crianças da classe trabalhadora não tenham acesso aos materiais escritos ou à Educação Infantil, mas que esse acesso encontra-se limitado, pois se há a classe média, classe alta e a classe trabalhadora, também há estruturas de classe que são diferenciadas. Em entrevista concedida a Espanya e Flecha (1998, p. 86), Bernstein afirma que “se existem as estruturas de classe significa necessariamente que há uma distribuição desigual de possibilidades materiais e simbólicas”. Bernstein (1998) admitiu que, em seu trabalho, tivesse tentado mostrar como a classe social atua diretamente na estrutura familiar e indiretamente no sistema escolar.

Nesse sentido, a pedagogia visível pode favorecer mais a criança da classe média e alta do que a da classe trabalhadora, pois, nesse modelo de pedagogia, de acordo com Domingos et al. (1986), é essencial a aquisição precoce das capacidades de leitura e escrita, uma vez que a classificação e enquadramento são fortes. A título de enfatizar essa afirmação, é importante destacar que o próprio Bernstein (1984, p. 26) declara que “as pedagogias visíveis realizam-se através de classificações e estruturas rígidas”, e retoma essa ideia anos mais tarde (BERNSTEIN, 1996), afirmando que as pedagogias visíveis caracterizam-se por uma hierarquia explícita, regras explícitas de sequenciamento, compassamento forte e critérios explícitos.

A pedagogia visível cria contextos homogêneos de aprendizagem (BERNSTEIN, 1984, 1996). Um exemplo desses contextos seria o fato de que, em uma classe de

alfabetização, todas as crianças realizassem sempre as mesmas atividades, ou seja, não haveria a preocupação em diferenciar as atividades conforme o ritmo de aprendizagem de cada criança. E como “a aprendizagem não se dá num mesmo ritmo para todos os aprendizes e que eles não percorrem exatamente os mesmos caminhos” (LEAL, 2005, p. 89), considera- se que a pedagogia visível não seria a mais apropriada para as crianças da classe trabalhadora. Ao contrário, as pedagogias invisíveis criam contextos diferenciados de aprendizagem, pois pressupõem mais tempo para que ocorra a aprendizagem (BERNSTEIN, 1984), o que requer mais tempo para que as crianças se apropriem dos conhecimentos, mais estrutura material nas escolas, e professores com uma formação capaz de propiciar as condições necessárias para encenarem práticas pedagógicas que possam garantir a apropriação do conhecimento por todos os alunos.

Bernstein (1984) adverte que pareceria que a pedagogia invisível beneficiaria mais as crianças da classe trabalhadora. Porém, como a pedagogia invisível tem a sua origem na nova

classe média dos países capitalistas avançados, isso pode não acontecer. Além disso, é um

tipo de pedagogia cara, porque deriva de uma classe cara: a classe média.

O relacionamento entre a família e a escola (sendo esta relação uma preocupação de Bernstein, conforme já mencionado no início deste capítulo) é alterado quando há mudança de uma pedagogia visível para a invisível. Conforme destaca Bernstein (1984), para os pais que pertencem à classe trabalhadora, a pedagogia visível é apreendida mais imediatamente, visto que

As competências básicas que ela está transmitindo sobre ler, escrever e contar, em uma explícita seqüência [sic] ordenada, faz sentido. As falhas das crianças são falhas das crianças, não da escola, uma vez que a escola está aparentemente levando em frente a sua função de modo impessoal. A forma do controle social da escola não interfere com o controle social da família. A professora da escola primária não terá necessariamente um alto “status” pelo fato das competências que ela transmite serem, em princípio, passíveis também de ser transmitidas pela mãe. Neste sentido, há uma continuidade simbólica (ou ainda uma extensão) entre o lar da classe trabalhadora e a escola (BERNSTEIN, 1984, p. 34, grifos do autor).

Na pedagogia invisível há, possivelmente, uma descontinuidade do lar, porque a classificação e o enquadramento são fracos e, com isso, segundo Domingos et al. (1986), existem possibilidades maiores de tornar os alunos psicologicamente mais ativos na aula. Até o processo de avaliação de ambas as pedagogias contribuem para que ocorram mudanças na relação entre a família e a escola. Bernstein (1984) apresenta que, na pedagogia visível, o sistema de avaliação possui critérios claros e um processo de mensuração, no qual a criança recebe uma nota de acordo com o seu rendimento escolar. Por isso, pode-se afirmar que, para

os pais da classe trabalhadora, a nota tem alto valor simbólico, o que não ocorre na pedagogia invisível, em que a nota é substituída por pareceres50.

Fica claro, pois, que “a mudança de pedagogia invisível para a visível é, em uma frase, uma mudança no código; uma mudança nos princípios de relação e avaliação, quer estes sejam princípios de conhecimento, de relacionamento social, de práticas, de propriedade, de identidade” (BERNSTEIN, 1984, p. 36).

A mudança de uma pedagogia para outra (seja da invisível para a visível ou vice- versa) implica, também, a mudança de modelos pedagógicos (competência e desempenho). A pedagogia visível, por exemplo, enfatiza o desempenho, pois, conforme explicitado por Domingos et al. (1986), onde a pedagogia é visível, a hierarquia é explícita, o espaço e o tempo são regulados por princípios explícitos. Isto significa que as barreiras entre os espaços, os tempos, os atos e as comunicações são fortes. É o poder realizado pela hierarquia explícita que mantém as fortes barreiras e a separação das coisas. A criança adquire a classificação à medida que aprende estas regras, e a menor infração da classificação torna-se imediatamente visível, pois assinala que algo está fora do seu lugar. Conforme as autoras, nesse caso, a tarefa a ser realizada é levar a criança a aceitar essas regras, e não necessariamente compreende-las, o que pode ser alcançado pela explicitação das regras de proibição e prescrição, e pelas possíveis punições que possam ocorrer, caso a criança não as cumpra.

Na pedagogia visível, conforme mencionado por Bernstein (1996), o ato de aquisição do conhecimento é solitário, privatizado e competitivo. Como é essencial que a criança aprenda e ler e escrever o mais cedo possível - o que não acontece com frequência em classes de alfabetização que atendem as crianças da classe trabalhadora, que pode ser comprovado na tabela 11, através dos índices de crianças que ainda não estão alfabetizadas aos oito anos de idade - o fracasso da criança na aquisição do sistema de escrita alfabética é algo difícil de ser recuperado nesta pedagogia.

Mas em que consiste o modelo de desempenho? Conforme Bernstein (2003), no modelo de desempenho, o discurso pedagógico provém da especialização dos sujeitos, das habilidades e dos procedimentos que estão nitidamente marcados com respeito à forma e função. Como as classificações são fortes, os adquirentes têm menos controle sobre a seleção dos conteúdos, sequência (o que vem antes e o que vem depois) e ritmo (tempo para a aprendizagem). No modelo de desempenho, “o espaço e as práticas pedagógicas específicas são nitidamente marcadas e explicitamente reguladas” (BERNSTEIN, 2003, p. 82), e “coloca

50

Tal afirmação encontra-se baseada nas observações e entrevistas realizadas em escolas da rede municipal do município de Ponta Grossa, que se encontram detalhadas no Capítulo 5.

a ênfase na produção do adquirente, um texto específico que o adquirente deve elaborar, e nas habilidades especializadas e necessárias para a produção desse texto ou produto específico” (BERNSTEIN, 2003, p. 81).

Ao contrário do desempenho, Domingos et al. (1986) afirmam que, quando a pedagogia é invisível, a hierarquia é implícita (o que não significa que ela não exista, só que a forma da sua realização é diferente), assim como o espaço e o tempo também são implícitos, ou seja, estão fracamente classificados. Esta estrutura social não cria, nos seus arranjos simbólicos, barreiras fortes que comportem mensagens críticas de controle social.

Nesse caso, a pedagogia invisível enfatiza a competência que, segundo Bernstein (2003), é um conceito que pode ser encontrado em diversas áreas, pois tem raízes epistemológicas diferentes. Um questionamento realizado por Bernstein é como um conceito que surgiu no campo intelectual, cujos autores tinham pouca ou nenhuma relação com a educação, passou a desempenhar um papel tão central na educação?

Conforme mencionado no parágrafo anterior, o conceito de competência surgiu em diferentes campos das ciências sociais. Bernstein (2003) apresenta que, na década de 1960 e início da década de 1970, esse conceito pode ser encontrado nas seguintes áreas: Linguística, Psicologia, Antropologia Social, Sociologia e Sociolinguística. Para mostrar como o conceito de competência recontextualizada criou uma prática pedagogia específica, Bernstein criou dois modelos comparativos de prática e contexto pedagógicos. Esses dois modelos são o de competência e de desempenho, que estão sendo discutidos nesta seção e que foram comparados por Bernstein. Essa comparação encontra-se apresentada no quadro 3.

Quadro 3 - Conhecimento recontextualizado

Modelos de competência Modelos de desempenho

1. Categorias Espaço Tempo Discurso

Fracamente classificado Fortemente classificado

2. Orientação da avaliação Presenças Ausências

3. Controle Implícito Explícito

4. Texto pedagógico Adquirente Desempenho

5. Autonomia Elevada Baixa/elavada

6. Economia Custo elevado Baixo custo

Fonte: Bernstein (2003, p. 81).

As categorias expressas no quadro 3, quando fracamente classificadas, significam que o discurso e a organização do espaço e do tempo emergem e se adequam aos projetos, temas e diversidade de experiências dos adquirentes. Neste caso, os adquirentes são mais livres para expressarem suas opiniões. A avaliação que envolve os conhecimentos adquiridos

neste processo, no qual o adquirente tem mais controle sobre aquilo que está aprendendo, valoriza o que o aluno faz. Com isso, o transmissor (professor) tem autonomia elevada para realizar o ensino, e o adquirente para aprender. Tudo isto tem um custo mais elevado, pois exige, do espaço escolar, muito mais do que quadro, carteiras e giz. Quando as categorias estão fortemente classificadas, os adquirentes têm menos controle sobre o que estão fazendo. Neste caso, a ênfase é naquilo que o adquirente ainda não realizou ou se apropriou.

As relações de poder e controle encontram-se presentes na prática pedagógica (seja essa constituída por uma pedagogia visível ou invisível), e Bernstein (1996) propõe que a lógica essencial de qualquer relação pedagógica consiste da relação entre três regras, que serão apresentadas na sequência: regras hierárquicas, regras de sequenciamento e regras criteriais.