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CAPÍTULO 4 EXPLORANDO O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO DISCURSO DO

4.1 AS RAZÕES QUE LEVARAM À CRIAÇÃO DO PNAIC

4.1.3 O Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC): inspiração para o PNAIC

Uma das origens do termo e concepção idade certa, proposta pelo TPE, está no Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), criado pelo Governo do Estado do Ceará, em 2007. O trabalho de explicitação da problemática do analfabetismo escolar no Estado do Ceará iniciou em 2004, quando a Assembleia Legislativa criou o Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar. Foram desenvolvidas pesquisas e o desenvolvimento de um relatório, que revelou a seguinte situação: a) apenas 15% de uma amostra de cerca de 8.000 alunos leram e compreenderam um pequeno texto de maneira adequada; b) 42% das crianças produziram um pequeno texto que, em muitos casos, eram compostos por apenas duas linhas e nenhum deles foi considerado ortográfico pelos avaliadores; c) a maioria das universidades não possuía estrutura curricular adequada para formar o professor alfabetizador; e d) grande parte dos professores não possuía metodologia para alfabetizar61. Diante dos resultados e das demandas advindas do PDE e do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, o Governo do Ceará criou oficialmente, em dezembro de 2007, o PAIC, através da Lei n.º 14.026 (CEARÁ, 2007). A lei afirma que, em regime de colaboração, o Estado e os

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municípios deverão criar as condições para que todas as crianças de sete anos adquiram as competências de leitura e escrita. Para promover o cumprimento desse objetivo, o PAIC dividiu-se em cinco eixos de atuação: a) gestão municipal da educação; b) alfabetização; c) Educação Infantil; d) literatura infantil e formação de leitores; e e) avaliação externa62.

Fonseca (2013) considera o PAIC uma iniciativa de sucesso, pois conseguiu reverter o quadro de baixos níveis de alfabetização, que era identificado entre as crianças cearenses. Em 2007, apenas 26% dos municípios apresentavam médias de desempenho consideradas suficientes ou desejáveis para os alunos concluintes do 2º ano do Ensino Fundamental. Em 2010, o percentual desses dois níveis alcançou 99%. A autora aponta que, entre 2007 e 2011, três resultados são significativos:

i) o percentual de crianças não alfabetizadas passou de 33% para 7%; e, ii) o percentual de crianças agrupadas no estágio recomendado de alfabetização subiu de 30% para 55%; iii) 179 municípios (97,3%) já estão com perfil de proficiência desejável (CEARÁ, 2012a; GOMES, 2013; GUSMÃO; RIBEIRO, 2011 apud FONSECA, 2013, p. 53).

Marques, Ribeiro e Ciasca (2008) já haviam apontado alguns aspectos positivos do PAIC, tais como o grande compromisso e envolvimento dos municípios cearenses na implantação de sistemas municipais de avaliação, tornando o PAIC pioneiro no processo de avaliação municipal. Os autores ainda afirmam que nenhuma proposta de avaliação realizada até 2008 chegava ao nível de detalhamento, rapidez na divulgação de resultados e envolvimento dos responsáveis pela elaboração e aplicação, tal como o PAIC proporcionava.

Gomes (2013, p. 12) também encara o PAIC como uma iniciativa exitosa pelo fato de que, além de melhorar os índices, “a alfabetização de crianças foi assumida como prioridade pelo governo estadual e transformada em política pública”.

Silva (2013) realizou sua pesquisa no município de Acopiara/CE, e concluiu que é o município que deve estabelecer suas políticas de formação continuada, por meio da criação de leis próprias e ação conjunta da Secretaria Municipal com a Secretaria Estadual para tornar o PAIC uma política de Estado. E assim,

A formação continuada do PAIC proposta aos municípios assume um caráter formalizado, estruturado pela Secretaria de Educação do Estado para execução nos municípios que dispõem de uma equipe local para assumir as ações de formação, a partir da formação de multiplicadores sob responsabilidade do Programa, com uma metodologia distinta para cada ano de atuação dos docentes (SILVA, 2013, p. 57).

Em síntese, a colocação do PAIC em ação, primeiro no município de Sobral/CE, e

depois no Estado do Ceará (ambos na gestão do Prefeito e depois Governador Cid Gomes), confirma que ideias criadas no campo de produção do discurso oficial não são simplesmente reproduzidas ou encenadas no contexto da prática, mas interpretadas e traduzidas para o contexto meso e micro, em um processo contínuo de recontextualização.

No caso do PAIC, a recontextualização do discurso oficial, advindos do movimento Todos pela Educação e do MEC, aconteceu na definição de metas para o Programa, que estipulou a idade certa para alfabetização como sete anos de idade, e não oito anos, como prevê o TPE e o MEC. A organização local do PAIC também foi uma recontextualização do discurso oficial, pois houve a criação de uma Coordenadoria de Cooperação com os Municípios (COPEM), especialmente para o desenvolvimento do Programa. Em 2007 foi celebrado um protocolo de intenções do PAIC, entre o Estado do Ceará e os municípios cearenses. O Estado do Ceará, através do PAIC, criou seu próprio Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece-Alfa), que é utilizado para avaliar as competências adquiridas pelos alunos ao final do 2º ano do Ensino Fundamental63. O Estado criou incentivos fiscais para os municípios que participassem do PAIC alcançassem as metas propostas, e prêmios para as escolas que apresentassem os melhores resultados de alfabetização. A formação continuada ofertada as professores alfabetizadores foi ampliada para os professores de 4º e 5º anos, por meio do PAIC +5, lançado em 2011. O PAIC criou e adotou materiais didáticos e pedagógicos para a formação de professores e para os alunos, os quais foram denominados de materiais estruturados.

Embora uma análise positiva do PAIC tenha sido apresentada (MARQUES, RIBEIRO, CIASCA, 2008; FONSECA, 2013; GOMES, 2013), consideramos que o Programa apresenta várias características de uma concepção gerencialista de educação, criticadas por Camini (2010) e Mainardes (2012), e estão relacionadas aos princípios de eficiência, eficácia e efetividade, apresentados por Shiroma, Garcia e Campos (2011). Uma das características é o foco no aumento do Ideb das escolas e municípios, que é relevante, mas que deve considerar outros aspectos já comentados na presente tese. Outra característica é a ênfase no processo de eficiência da gestão focado nos resultados da aprendizagem dos alunos, no gerenciamento dos sistemas de ensino e na premiação das escolas que alcançaram as metas propostas pelo PAIC. Esse processo culmina no estabelecimento de indicadores de eficiência de gestão de sistema e de gestão escolar. Aos gerentes do PAIC (grifo nosso) são atribuídas as funções de coordenar, acompanhar e gerir as ações do Programa, tanto regionalmente (gerentes regionais)

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Para mais informações sobre o sistema de avaliação do PAIC, assim como os padrões de desempenho utilizados e premiação das escolas, acessar <http://www.paic.seduc.ce.gov.br/>.

como no município (gerentes municipais). A valorização do magistério nos municípios cearenses encontra-se atrelada ao processo de avaliação e resultados das escolas, ou seja, aos princípios de mérito e desempenho.

Acreditamos que os resultados alcançados pelos municípios cearenses quanto aos processos de aquisição da leitura e da escrita, que se encontram expostos no site oficial do PAIC foram, também, parte das inspirações para que o PNAIC fosse elaborado e lançado oficialmente pelo MEC em 2012, como uma proposta nacional de alfabetização na idade

certa. Uma evidência empírica é que, no dia do lançamento do PNAIC, estava presente, entre

os convidados, o criador do PAIC, ex-ministro da educação Cid Gomes, que foi prefeito de Sobral e governador do Ceará. O então Ministro Mercadante ressaltou que o trabalho de Cid Gomes no município de Sobral havia resultado em um Ideb maior do que a meta proposta para o ano de 2021. O então Governador do Ceará foi convidado, no lançamento do PNAIC, para falar sobre o PAIC. Ele ressaltou que sem a alfabetização das crianças não há futuro, por isso, reconheceu o esforço do Governo Federal em propor um investimento tão relevante e importante na área que é primordial para a educação, a alfabetização.

A apropriação da noção de idade certa também foi uma das influências do PAIC sobre o PNAIC. Outro fator apropriado pelo PNAIC, do PAIC, foi a questão da organização dos sujeitos para executarem as ações e metas, propostas na forma de eixos de atuação. O PNAIC, assim como o PAIC, realizou a distribuição de materiais específicos para formação de professores, bem como materiais didáticos e pedagógicos para as classes de alfabetização. No entanto, o PNAIC diferenciou-se do PAIC, pois se utilizou de materiais já disponíveis na escola, como os livros didáticos distribuídos pelo PNLD e os livros de literatura infantil do PNBE.

No discurso de lançamento do PNAIC, a questão da premiação das melhores escolas e melhores professores alfabetizadores foi citada, pelo então ministro Mercadante, mas não foi executada, por influências advindas das universidades públicas, que são contrárias aos processos de valorização por mérito e desempenho. No Ceará, tais processos são utilizados, inclusive na premiação de até 150 escolas públicas do segundo ano, e até 150 escolas públicas do quinto ano do Ensino Fundamental, por meio do Prêmio Escola Nota Dez64. As 150 escolas que obtiverem menor índice também recebem apoio financeiro para reverter os

64 Segundo o que consta no site do PAIC (www.paic.seduc.ce.gov.br/), o Prêmio Escola Nota Dez funciona

como: a) política indutora para as escolas melhorarem seus resultados; b) política apoiadora às escolas com menores resultados; c) está subsidiado em um modelo de aprendizagem institucional focado na disseminação de boas práticas de gestão e pedagógica; d) Fortalecer a melhoria da qualidade na aprendizagem dos alunos do 2º e 5º anos do Ensino Fundamental da rede pública.

resultados negativos.

Percebemos que os dados estatísticos, incluindo os níveis baixos de desempenho obtidos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, são utilizados como justificativa para a elaboração de programas e políticas voltadas para a alfabetização. Por isso, na próxima seção, discutimos sobre os dados apresentados como justificativa para atuação do PNAIC em território nacional.