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Mapa 23 Mapa de Santa Catarina segundo o Índice de Desenvolvimento Municipal

2 DO GLOBAL AO LOCAL: A TRANSIÇÃO PARA NOVOS ESTILOS DE

2.3 NOVOS MODELOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA NOVOS

2.3.4 O município como lócus do desenvolvimento no Brasil: as mudanças na

As referências sobre desenvolvimento local não definem um recorte territorial padrão. Podemos falar em local como município, micro/mesorregião, bairro ou outras figuras territoriais existentes em outros países. No Brasil, é comum o enfoque do desenvolvimento local se referir a municípios. Ao instaurar um novo pacto federativo, na Constituição de 1988, conferimos aos municípios autonomia fiscal e administrativa em relação às demais esferas governamentais, além de uma série de novas competências relacionadas à execução de políticas sociais. Esse processo conferiu à municipalidade maior relevância na organização política do Estado e elevou as possibilidades reais de ação local para o desenvolvimento.

As novas regras constitucionais, que se aliaram ao aumento de repasses aos municípios estimularam a proliferação de novas municipalidades durante toda década de 1990, de modo que quase um quarto (25%) dos municípios brasileiros foram criados pós- 88. (IBGE, 2011).

Esse movimento de revalorização política da instância local que, no caso do Brasil, refere-se às municipalidades, está em curso em grande parte dos países em desenvolvimento no quadro das reformas macroestruturais. Paradoxalmente, até mesmo as correntes que defendem a diminuição do Estado vêm revalorizando o papel do governo local como aquele capaz de dar respostas ao novo cenário econômico e social. (SANTOS JUNIOR, 2000).

Para Peters (2003), grande parte da história dos governos tem sido a história das tentativas de controlar a sociedade a partir do centro. No caso brasileiro, os planos de desenvolvimento e grande parte das políticas sociais têm sido decisões do governo central.

No entanto, a Constituição Federal de 1988 promoveu uma importante mudança no país ao reafirmar uma tendência de municipalização que já vinha da década de 1980 via

aumento de transferências federais pelos fundos de participação. (ABRÚCIO e FRAZESE, 2011).

Levy (2004) enfatiza que muitos dos papeis que hoje o município desempenha são inéditos na história brasileira. Desde a fundação da República, embora conhecendo maior autonomia que os governos locais em outras partes82, o município nunca foi instrumento ativo de democratização e, só parcialmente, era responsável pela provisão e regulação de serviços. “Historicamente, o que se viu, foi um movimento de sístoles e diástoles, ou seja, de centralização e descentralização entre União e estados. [...] Mas, entre o velho e o novo buscou-se construir uma sociedade política mais ativa”, pelo menos, em âmbito local, uma maior pluralidade de interesses e atores passaram a poder participar do político. (LEVY, 2004).

“Entre a resistência de alguns autores em abandonar as antigas posições e assumir novas” (LEVY, 2004) uma outra configuração política foi se reorganizando e as áreas que mais sofreram modificações foram saúde, educação e finanças públicas (ABRÚCIO e COSTA, 1998; LEVY, 2004) ) tanto com a Constituição quanto com legislações regulamentadoras posteriores. Apesar do ápice da descentralização fiscal ter sido atingido na Constituição Federal de 1988, a municipalização de políticas públicas foi se consolidando apenas ao longo dos anos 1990, assumindo variados ritmos, dependendo da área. (ABRÚCIO e COSTA, 1998).

No âmbito da saúde, criou-se o Sistema Único de Saúde (SUS) que foi progressivamente tentando estabelecer uma rede de serviços de saúde públicos e privados, descentralizada, regionalizada e hierarquizada (ABRÚCIO e COSTA, 1998). Na nova configuração nacional, a gestão da saúde foi para mais perto da população ao ser descentralizada parte para estados e parte para os municípios. Ao Ministério da Saúde ficaram questões mais estratégicas, de regulamentação e normatização.

Na Educação buscamos definir com mais clareza as responsabilidades de cada ente federado. Embora essa definição ainda tenha pontos nebulosos e ainda esteja por se estabelecer por completo, o quadro era bem mais difuso antes de 1988 e, sobretudo, antes da criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FUNDEB) em 1997, quando União, estados e municípios atuavam em praticamente todos os níveis de ensino, criando confusão substantiva no que tocava à responsabilização dos entes.

82Segundo Abrucio e Frazese (2011), apenas Índia e Bélgica possuem pactos federativos cujos municípios

Com as novas normas os municípios ficaram com a responsabilidade sobre o ensino fundamental e pré-escolar, os estados, com o ensino médio e a União com o terceiro grau e outras atividades educativas de promoção e universalização da educação como o SEJA (Sistema de Ensino de Jovens e Adultos). Ainda assim, há muito que fazer em relação à adequada repartição das receitas e competências educacionais. Em Santa Catarina, por exemplo, o governo do Estado vem liderando um movimento de incentivo para que os municípios assumam definitivamente o ensino fundamental (sobre o qual estados e municípios têm competências comuns) e o estado possa se dedicar à promoção do ensino médio83.

No campo das Finanças Públicas, tivemos avanços em algumas áreas, mas continuamos com problemas em outras. O ajuste fiscal dos estados e municípios promovido pelo governo federal desde a década de 1990, que culminou com a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000, foi um dos grandes avanços das últimas décadas no campo. Além disso, diversas medidas foram empreendidas no sentido de estimular os municípios a aperfeiçoar seus sistemas tributários e, com isso, iniciar ou ampliar sua capacidade de recolhimento de receitas próprias, minimizando, em alguma medida, a dependência flagrante dos pequenos municípios em relação aos estados e União. Para termos uma ideia, 80% dos municípios brasileiros não arrecadam receitas próprias (CAMARGO, 2006), tendo seu orçamento constituído basicamente por transferências dos outros entes.

A área das Finanças Públicas também tem sido alvo de uma série de lutas e negociações entre os entes federados. Podemos dizer que a principal delas está na divisão do montante tributário, ainda fortemente concentrado na União, reforçando nossas características de Estado centralista. Entre as principais pautas da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), da Federação Catarinense de Municípios e de toda rede de movimentos municipalistas está o aumento das competências ou repasses tributários aos municípios, que atualmente ficam com pouco mais de 16% do bolo orçamentário, enquanto os estados se apropriam de cerca de 25% e a União; mais de 58%. (RECEITA FEDERAL, STN, 2011). Como podemos observar no Gráfico 2 e no Quadro 4, abaixo, a tendência nas duas últimas décadas, contrariando o compromisso municipalista assumido pela

83 Vale destacar que este tem sido um tema altamente polêmico no âmbito das relações entre Governo do

Estado de Santa Catarina e municípios. Nem todos os municípios estão aderindo ao processo, já que, do ponto de vista financeiro, apesar do aumento proporcional de repasse, a pactuação não é vantajosa para todos. Nesses casos, adesão significaria aumento da crise fiscal dos municípios. Assim, Governo do estado e municipalidades continuam em negociação.

Assembleia Constituinte em 1988, foram de concentração de receitas na União e redução da porção dos municípios.

Gráfico 2 - Repartição do Bolo Tributário entres as esferas

Fonte: elaborado com base em Receita Federal, Secretaria do Tesouro Nacional, (2012).

Quadro 4 - Repartição do Bolo Tributário entres as esferas federativas

1991 1998 2003 2008

União 51,10% 56,15% 57,80% 58,22%

Estados 29,80% 25,05% 24,85% 24,89%

Municípios 19,10% 16,71% 15,39% 16,17%

Região Norte/Nordeste 0% 2,08% 1,95% 0,68%

Fonte: Receita Federal, Secretaria do Tesouro Nacional, autora (2011).

Embora esse aumento do montante da União também se explique pelo bom exercício da competência orçamentária (em geral melhor executada que a dos municípios, que nem sempre taxam devidamente os seus munícipes por conta, em geral, dos prejuízos eleitorais) e haja na União, segundo Ziulkoski (2000), a prática de isentar a população de tributos que serão compartidos com os outros entes federados, como o IPI84 na crise de 2008, a divisão orçamentária brasileira, do ponto de vista do desenvolvimento local e do municipalismo ainda tem um caminho longo a palmilhar.

O movimento municipalista e catarinense propõe uma reforma tributária que aproxime os municípios brasileiros do que representa a esfera local em países com elevada

84 Imposto sobre Produtos Industrializados.

51,10% 56,15% 57,80% 58,22% 19,10% 16,71% 15,39% 16,17% 0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00% 1991 1998 2003 2008 União Estados Municípios Região Norte/Nordeste

cultura democrática como é caso, sobretudo, dos países escandinavos, que delegam ao poder local altíssimos percentuais da arrecadação (fala-se em 70% do bolo tributário). No que se refere à divisão do bolo orçamentário, a pauta municipalista no Brasil propõe uma reforma tributária que acate uma distribuição de 30% do orçamento para os municípios, 30% para os estados e 40% para a União (FECAM, 2003), conforme demonstrado no Quadro 5.

Quadro 5 - Proposta Municipalista para a Repartição Tributária

Ente Federado de receitas Partilha atual Partilha de receitas proposta

União 58,22% 40%

Estados 24,89% 30%

Municípios 16,17% 30%

Norte/Nordeste 0,68% -

Fonte: Receita Federal, Secretaria do Tesouro Nacional, FECAM, (2012).

Segundo Fecam (2003), há uma crise financeira sendo enfrentada pelos municípios e o entendimento do movimento municipalista a esse respeito é de que grande parte deve-se à má repartição das receitas face ao aumento de competências nas últimas décadas, que dificultam, sobretudo, a capacidade de investimentos do poder municipal.

Sem negligenciar o papel proativo que cabe ao município em relação à execução efetiva de suas competências tributárias e à promoção do desenvolvimento econômico local, é importante frisar que a forma de repartição dos tributos exerce enorme impacto sobre as políticas públicas (ABRÚCIO e FRANZESE, 2011) e, até mesmo, sobre o projeto de desenvolvimento do país. Recursos concentrados significam, de forma geral, decisões e poder concentrados. E, levando em conta a existência de 5.565 municípios em território nacional, a concentração dos recursos também significa um custo de oportunidade, já que se está negligenciando o potencial de capilaridade das prefeituras brasileiras em fazer chegar os recursos e as políticas ao conjunto da população.

Além das mudanças cabais ocorridas em áreas como educação, saúde e finanças, diversos outros campos passaram a ter competências compartilhadas entre as esferas de poder. Uma análise das experiências municipais inovadoras de todo Brasil, semifinalistas do Programa Gestão Pública e Cidadania (da Fundação Getúlio Vargas), realizada por Pinho e Santana (2002) mostra a diversidade de novas áreas em que os municípios passaram a atuar e a abrangência que tomou a execução de políticas públicas pela

administração municipal. “Assuntos que antes eram tratados apenas em nível nacional, ou mesmo estadual, tornaram-se parte integrante da agenda de muitos municípios brasileiros” (ABRÚCIO e COSTA, 1998). Os principais setores de intervenção apontados pelo estudo foram: meio ambiente, saúde, educação, alimentação e abastecimento, habitação e urbanização, crianças e adolescentes, emprego e renda e projetos agrícolas. Segundo Abrúcio e Franzese (2011) a tendência é de que essa partilha continue se aprofundando. A criação de instituições como o Ministério das Cidades e o Estatuto das Cidades são acontecimentos que convergem nessa direção.

Também como lembram Abrúcio e Franzese (2011), é importante sublinhar que a década de 1990 também foi marcada por outras ações federais além do compartilhamento de recursos e competências, uma série de esforços foi empreendida no sentido de melhorar a coordenação federativa, sobretudo nos campos da Saúde e Educação. Como lembra Arretche (2009), para países como o Brasil, marcados por intensas desigualdades regionais e por dimensões territoriais continentais, uma coordenação central forte e organizada é essencial para que a descentralização não reforce as desigualdades. O processo de coordenação se deu basicamente por meio da “vinculação do repasse de recursos financeiros à prestação mais controlada de serviços pelas esferas de governo subnacionais, seja pela fixação de metas, seja pela adoção de padrões nacionais de políticas públicas”. (ABRÚCIO e FRANZESE, 2011).

Apesar dos avanços, o atual quadro de descentralização e consequente aumento de serviços e de desequilíbrio financeiro coloca ao município desafios complexos. Conforme Dowbor (2001, p.373), os municípios passam a se encontrar na linha de frente de uma situação explosiva que exige intervenções ágeis em áreas que extrapolam as tradicionais rotinas de cosmética urbana, já que se tratam de amplos projetos de políticas sociais, infraestrutura e programas de emprego, envolvendo, inclusive, estratégias locais de dinamização econômica.

Com novas atribuições, responsabilidades e papeis e em um contexto de crise, os governos municipais estão enfrentando problemas para os quais não só não estavam preparados como não tinham tradição de atuação. (PINHO e SANTANA, 1998). Isso se reflete, de maneira geral, na baixa capacidade institucional dos municípios, sobretudo os pequenos. Assim, além da problemática financeira, uma outra, talvez maior, que é a dificuldade de “gerir”, delineiam um quadro de profundos desafios ao desenvolvimento de base local. Mas, junto com eles, criam-se grandes possibilidades de inovação e construção de novos caminhos para o enfrentamento dos problemas territoriais.

2.3.5 O município como lócus do desenvolvimento no Brasil: os desafios da gestão