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2. CAPÍTULO II – O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO NEOLIBERALISMO

2.2. D ESENVOLVIMENTOS NACIONAIS DO PENSAMENTO COLETIVO NEOLIBERAL

2.2.2. O neoliberalismo inglês frente ao predomínio Keynesiano

A história do pensamento neoliberal em geral, e do neoliberalismo inglês em particular, não pode ser bem compreendida sem o contraste contextual da crise do liberalismo clássico. Como vimos anteriormente, o neoliberalismo se apresentou, ao lado do “novo liberalismo” ou liberalismo social, como uma resposta possível para as insuficiências e equívocos políticos do liberalismo clássico. Em larga medida, o desenvolvimento histórico do capitalismo e do Estado

liberal inglês foi a experiência política interpretada criticamente por Stuart Mill e pelos teóricos que se tornaram referência do liberalismo social na virada do século XIX para o século XX e ao longo deste.

E foi também com referência a uma interpretação dessa experiência política e contra a resposta do “novo liberalismo” que, por sua vez, Hayek procurou apoiar sua concepção de ordem social como evolução de uma ordem espontânea e formulou seu pensamento político entre os caminhos que levariam à servidão e aquele que levaria à liberdade66. Hayek e o seu

The Road to Serfdom (1944) foram essenciais para o desenvolvimento do neoliberalismo inglês (TRIBE, 2009), pois ali ele apresentou a tese de que a decadência das doutrinas do liberalismo clássico estaria relacionada ao abandono do próprio pensamento político inglês – identificando estritamente esse pensamento ao liberalismo – e à importação da filosofia social germânica. Isto é, haveria uma tradição inglesa centralizada no valor da liberdade e o liberalismo social, ao importar concepções coletivistas da filosofia social germânica, estaria se afastando daquela tradição. Nesse sentido, o pensamento político neoliberal de Hayek apresentava-se como um esforço de justificar a necessidade da tradição política e social inglesa (e escocesa) para uma sociedade livre no século XX.

Mas o alerta da “importação” estaria, como afirma Keith Tribe (2009), equivocado, pois consideraria a tradição inglesa como homogênea e o próprio movimento de revisão crítica do liberalismo clássico iniciada com Stuart Mill como uma externalidade. Além disso, seria pouco convincente, uma vez que as novas questões trazidas por essa revisão crítica não eram apenas de cunho social, mas também democrático. Ora, no próprio pensamento germânico se encontravam críticas duríssimas a esse liberalismo justamente relacionado ao problema da democracia, como era o caso da crítica de Carl Schimitt (TRIBE, 2009).

Mas o contexto dessa argumentação informaria ainda mais sobre o desenvolvimento histórico do neoliberalismo inglês. The Road to Serfdom foi publicado quando Hayek lecionava na London School of Economics – LSE a convite de Lionel Robbins, então seu coordenador. E foi esse o período que, por contingência da guerra, a LSE estava sediada em Cambridge. Essa circunstância não foi menor para a elaboração da tese de Hayek, pois, em primeiro lugar, era contra o prolongamento da planificação da economia de guerra para os tempos de paz que ele desejava se insurgir e, em segundo lugar, era aos fundamentos político-econômicos da planificação que ele se opunha e que encontrava exatamente em Cambridge a sua maior vocalização, com John Maynard Keynes.

66 O pensamento político e social de Hayek ainda será discutido em maior profundidade no terceiro capítulo. Neste

Esse confronto com o keynesianismo seria uma marca geral do neoliberalismo, mas a particularidade do neoliberalismo inglês neste momento do seu desenvolvimento foi a de ter também um certo encontro inesperado com aquele. Aqui, a história decisiva é a dos economistas da LSE e, principalmente, Robbins (TRIBE, 2009) que, além de coordenador da LSE, professor e doutrinador liberal desde 1929, foi o líder do grupo de economistas que organizou a economia de guerra. Robbins era também um parceiro próximo de Hayek e teve papel central na fundação e primeiros anos da SMP, tendo sido quem escreveu a proposta final do manifesto aprovado67.

Isto é, o quadro político da economia planificada de guerra, construído por uma equipe de economistas liderada por um destacado neoliberal, foi o que serviu para as gestões keynesianas no pós-Segunda Guerra (TRIBE, 2009).

Alguns críticos neoliberais indicavam o papel preponderante do Estado na economia de guerra como a causa dos problemas sociais e políticos após a guerra, reforçando uma vinculação contraditória entre o esforço feito pela equipe de Robbins e sua crítica ao keynesianismo (ibidem). Robbins, no entanto, argumentava em um sentido coerente com o pensamento de Hayek e com a perspectiva sobre o tipo de intervenção estatal necessário adotada em círculos liberais. Isto é, argumentava que a ordem de mercado não seria ineficaz, mas que o seu funcionamento seria determinado por uma certa configuração política da demanda. Nesse sentido, há uma diferença fundamental entre a economia de guerra e de tempos de paz: naquela, existia um objetivo definido que exigia uma planificação da demanda; nessa, a gama de objetivos individuais deveria ser indefinida para que a liberdade individual seja preservada. Portanto, não teria porque prosseguir com o tipo de intervenção planificadora dos tempos de guerra nos tempos de paz, como pretendiam os keynesianos (ibidem).

O engajamento dos intelectuais neoliberais com a gestão governamental, no entanto, fez com que o desenvolvimento do neoliberalismo inglês encontrasse outros espaços fora da esfera acadêmica (ibidem). Enquanto os acadêmicos foram a maior parte dos membros ingleses presentes na fundação da SMP, a partir dos anos 1950 a maioria dos participantes foram figuras ligadas a grupos de pressão e think tanks, como o Institute of Economic Affairs (IEA), criado em 1955 (ibidem). Ao longo das décadas seguintes, o IEA cumpriria um importante papel na formação de uma opinião pública contrária ao arranjo político do Welfare State inglês e reivindicando os argumentos de Hayek a favor da liberdade de mercado.