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O PAPEL DA CULTURA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

CAPÍTULO III. A DIVERSIDADE CULTURAL: UMA TEIA DE INDRA

3.2. O PAPEL DA CULTURA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A crescente competição e interdependência no mundo da economia e a necessidade urgente para encontrar soluções eficazes para os reptos globais, bem como a interconetividade facilitada pela Internet e pelas redes sociais coloca desafios e, em simultâneo, fornece oportunidades aos cidadãos, organizações e empresas (British Council [BC], 2013). De facto, poderemos compreender o fenómeno da globalização como um processo em que as fronteiras nacionais da economia se esbatem de modo a proporcionar um mais fácil acesso a fatores de produção e bens disponibilizados pelos mercados, resultando numa crescente integração económica entre todos os países, apenas possibilitada pelo estabelecimento de relações comerciais. O comércio internacional surge após a Segunda Grande Guerra quando um grupo de organismos, incluindo o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, tenta impor uma nova ordem económica internacional, despoletando o seu crescimento. Durante as décadas de 1950 e 1960 tanto o comércio mundial como os fluxos de investimento estrangeiro aumentam exponencialmente, destacando-se, nesta fase, o papel fundamental das multinacionais americanas. No início da década de 1970 assistimos à entrada das empresas europeias que, não tendo a dimensão, características, recursos ou experiência das suas congéneres americanas, se lançam, de forma competitiva, no mercado global. A década de 1980 presencia o despertar dos dragões asiáticos e o concomitante aumento da rivalidade comercial em todo o globo. Em consequência, na década seguinte as empresas surgem já com o objetivo de iniciar o processo de internacionalização com a maior brevidade possível. Assim, a entrada no novo milénio implica a definição de uma nova ordem económica mundial em que as relações comerciais entre diferentes países são, desde logo, um imperativo categórico e em que PME, Organizações Não Governamentais (ONG) e até mesmo empresas virtuais têm a oportunidade de participar, de forma competitiva, no mercado global (Souto et al., 2015).

A preocupação com os fatores económicos relativos às negociações internacionais é de tal forma central que o papel da cultura é, em regra, entendido como um elemento marginal. Compreende-se, portanto, que o choque cultural contribua, não raras vezes, para

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o fracasso das negociações: “business messages may be ineffective because of lack of cultural sensitivity”6 (Juyuan, 2017, p. 16). Conforme mencionado anteriormente, a aprendizagem da cultura processa-se num contexto particular e reflete-se em situações específicas, como é o caso das negociações internacionais. Logo, será importante analisarmos cuidadosamente os componentes da cultura que poderão influenciar as relações negociais com base em Souto et al., 2015:

1. Valores e atitudes – os primeiros são crenças acerca do que é considerado

moralmente correto e incorreto e as segundas constituem preconceitos culturais que nos conduzem a agir ou pensar de determinado modo. Ambos os conceitos têm larga influência sobre as negociações internacionais, dado que a sua manifestação é representativa de toda uma sociedade. Por exemplo, uma sociedade poderá ser classificada como mais ou menos sexista consoante o tratamento mais ou menos equitativo atribuído a homens e mulheres, ou seja, poder-se-á delegar cargos de responsabilidade em empresas quer a uns, quer a outros, bem como ter definidas leis contra a discriminação sexual;

2. Costumes – constituem práticas estabelecidas ao longo do tempo, resultando em

comportamentos entendidos como apropriados dentro de uma comunidade. Estes terão um forte impacto nas nossas ações e, consequentemente, na imagem que oferecemos ao parceiro estrangeiro;

3. Estética – refere-se ao que consideramos atrativo, bonito ou de bom gosto – artes,

música, folclore, dança, literatura – e que, sendo alvo de estudo, permite compreender os comportamentos, as atitudes e até os valores de uma sociedade;

4. Educação – representa o processo de aprendizagem através do qual o indivíduo

adquire conhecimento e se desenvolve fisicamente, intelectualmente e moralmente. As baixas taxas de iliteracia estão associadas a uma sociedade mais produtiva tanto da perspetiva económica, como da perspetiva tecnológica e

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investigativa. Estes são fatores cruciais no estabelecimento de relações internacionais;

5. Materiais – diz respeito a todos os produtos manufaturados em determinada

sociedade. Contudo, não se reporta somente a objetos físicos, mas a todo o seu referencial, modo como foram criados, as necessidades que colmataram, bem como o motivo pelo qual foram concebidos;

6. Organização social – concerne a estrutura que define as relações entre os membros

de uma comunidade, sendo estas essenciais no campo das negociações, dado que permitem compreender a personalidade do interlocutor e as suas referências de mercado;

7. Língua – elemento sobre o qual nos debruçámos no capítulo anterior, representa o

principal meio de comunicação numa sociedade. Embora este conceito possa, mais facilmente, remeter-nos para o universo das palavras e da comunicação verbal, importa que não esqueçamos que, de igual modo, se reflete nos gestos e linguagem corporal. No campo das relações internacionais a conjugação de comunicação verbal e não verbal é imprescindível.

A capacidade para nos envolvermos, com sucesso, com outros países, organizações e indivíduos depende, em larga medida, do domínio de cada um destes elementos da cultura e da eficiência da sua aplicação no estabelecimento da comunicação intercultural (Souto et al., 2015), ou seja, da discussão de ideias e tarefas entre indivíduos de origens culturais distintas, utilizando uma língua estrangeira (BC, 2013; Jingzi et al., 2016; Juyuan, 2017; Zheng, 2015). Importa frisar que a eficácia da comunicação intercultural compreende igualmente a execução sequencial e complementar de quatro passos (Zheng, 2015):

1. Autoanálise – a capacidade de autocrítica é crucial para a correta compreensão do

Outro;

2. Aceitação – compreender e aceitar o que nos diferencia constitui um importante

passo no sentido de aprender o que motiva o Outro e de que modo as suas perspetivas e prioridades culturais enformam o seu comportamento, atitudes e valores;

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3. Desafio – se entendermos as nossas próprias categorias culturais como flexíveis e

incompletas mais facilmente desenvolveremos maior sensibilidade e abertura ao comportamento do Outro;

4. Aplicação – o objetivo final será colocar em prática toda a aprendizagem efetuada,

bem como as competências desenvolvidas de forma a comunicar com o Outro prolificamente.

A abertura ao Outro pressupõe, portanto, o desenvolvimento de sensibilidade individual transcultural potenciada por um processo de escuta ativa em que se ouve para compreender e não para julgar (Washington et al., 2012; Zheng, 2015). A premência no desenvolvimento de uma comunicação intercultural eficaz, baseada na capacidade de ouvir para melhor entender, é já sentida no meio empresarial, procurando-se um colaborador tecnicamente proficiente e culturalmente astuto (BC, 2013; Jingzi et al., 2016; Juyuan, 2017; Souto et al., 2015; Washington et al., 2012; Zheng, 2015).