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CAPÍTULO II. A LÍNGUA: UM FENÓMENO SOCIAL

2.3. O PROFISSIONAL MULTILINGUE

O desenvolvimento de competências linguísticas poderá revelar-se um fator determinante na execução dos processos de produção, compra e venda. O Conselho da Europa tem, inclusivamente, insistido na importância do investimento no ensino de línguas estrangeiras, com vista à promoção da mobilidade da força de trabalho no mercado único. De facto, a teoria económica neoclássica, preconizada por Alfred Marshall no final do século XIX, sugere que a mobilidade dos fatores de produção (trabalho e capital) aumenta a eficiência económica (Hanemann & Scarpino, 2016). Deste modo, a mobilidade da força de trabalho pode reduzir as diferenças nas taxas de desemprego entre regiões e igualar a produtividade marginal do trabalho, melhorando a eficiência alocativa. Todavia, a mobilidade dos trabalhadores na União Europeia continua a ser um fenómeno limitado (Hanemann & Scarpino, 2016; Moeller & Abbott, 2018).

Promover a aprendizagem de línguas estrangeiras é não só importante para facilitar a mobilidade, mas também para a integração de migrantes na sociedade do país recetor. O grande desafio dos países europeus consistirá em encorajar a mobilidade dos cidadãos enquanto, simultaneamente, acomoda as necessidades linguísticas dos recém-chegados de

4 “portanto, ser multilingue é uma vantagem para qualquer indivíduo que procure trabalho neste milénio”

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forma a evitar a exclusão e o surgimento de comunidades separadas (Hanemann & Scarpino, 2016; Moeller & Abbott, 2018).

A questão que se impõe é se a fórmula língua materna mais duas línguas estrangeiras – MT+2 – poderá contribuir para a consecução de dois objetivos socioeconómicos da União Europeia que se revelam aparentemente contraditórios: (i) a promoção da mobilidade interna e (ii) a facilitação da inclusão e coesão sociais. Atendendo a que apenas uma minoria dos cidadãos europeus é proficiente em línguas estrangeiras e que a eficácia dos sistemas educativos nesta área tem ainda de ser melhorada, é de crer que nem a fórmula MT+2, nem a promoção de uma única língua veicular sejam adequadas para, num futuro próximo, cumprir esses objetivos (Moeller & Abbott, 2018).

Ainda que a maioria dos cidadãos europeus, ou, no mínimo, a geração mais jovem, conseguisse falar fluentemente duas línguas estrangeiras, a fórmula MT+2 provavelmente não seria a melhor política linguística para promover, em simultâneo, a mobilidade e a inclusão, a não ser que acompanhada por outras medidas políticas linguísticas. Na verdade, parece impossível antecipar quais as competências linguísticas que se irá necessitar no futuro e não há qualquer garantia de que as que se aprende no ensino obrigatório sejam as necessárias quando de uma mudança para o estrangeiro na vida adulta. Para além disso, um indivíduo poderá ainda deslocar-se várias vezes para diferentes países e por diferentes períodos (Moeller & Abbott, 2018).

Uma possível resposta para este problema seria investir na aprendizagem de uma língua amplamente falada que pudesse servir de língua veicular em diversos países. Na Europa este papel é largamente (mas não exclusivamente) desempenhado pela língua inglesa. Contudo, estudos demonstram que o inglês ainda não atingiu o estatuto de competência básica universal na Europa (Gazzola, 2016; Hanemann & Scarpino, 2016; Moeller & Abbott, 2018). Com efeito, apenas 7% dos cidadãos é falante proficiente de inglês como língua estrangeira. A maioria enquadra-se nos níveis intermédio e elementar. Apesar dos investimentos massivos no ensino de inglês no sistema educativo, o bilinguismo não é expetável num futuro próximo. Em resultado, não existe ainda uma língua comum

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amplamente falada, a um nível bom ou proficiente, pela vasta maioria dos cidadãos europeus.

Considerando que a proficiência na língua oficial de um país aumenta a probabilidade de migrar para esse país, as políticas linguísticas, cujo objetivo se centra na promoção do inglês como única língua veicular na Europa, promoverão a mobilidade em direção aos países de língua inglesa ao invés de para outros estados-membro (Hanemann & Scarpino, 2016). De facto, embora o inglês possa ser útil no acesso a programas do ensino superior em grandes cidades como Milão e Berlim, bem como na eventual construção de carreiras em bancos ou firmas de tecnologias de informação aí sedeadas, é provável que não seja o suficiente para a completa integração em sociedades em que o italiano e o alemão ainda são as línguas dominantes (Moeller & Abbott, 2018). Consequentemente, nem a fórmula MT+2, nem só a língua inglesa representam um meio de resolver a tensão entre mobilidade e inclusão. No entanto, poderão ser complementares a outras políticas linguísticas que deverão ser implementadas como, por exemplo, a aprendizagem de uma língua on demand, isto é, a possibilidade de aprender uma língua antes de se mudar para o estrangeiro e/ou imediatamente após a chegada ao país recetor. Esta hipótese poderá tornar-se mais relevante, de fácil acesso e menos onerosa (Moeller & Abbott, 2018).

A importância do desenvolvimento das competências linguísticas dos migrantes tem sido objeto de amplo debate na Europa, destacando-se a proficiência na língua local como condição para a integração social e económica. Embora a evidência empírica tenda a confirmar esta perspetiva, a integração não depende unicamente da proficiência linguística. O seu impacto é positivo na empregabilidade, bem como no salário auferido pelo migrante (Hanemann & Scarpino, 2016). Contudo, a capacidade para trabalhar com indivíduos provenientes de uma vasta variedade de culturas, ou seja, a compreensão intercultural é uma competência cada vez mais procurada pelas empresas que entendem a importância de atender não só ao conteúdo de uma mensagem, mas também ao contexto específico em que esta é enunciada. Colaborar, negociar significados, mediar mal-entendidos constituem competências cruciais num mundo diverso e multilingue em que cosmovisões, costumes culturas e tradições entram frequentemente em rota de colisão (Moeller & Abbott, 2018).

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Torna-se, assim, essencial que se aborde de forma mais pormenorizada a aprendizagem e o uso da língua em contexto laboral (Worp et al., 2017). Neste sentido, importa considerar três dimensões interrelacionáveis (Figura 3):

1. O profissional multilingue – representa o indivíduo que se destaca pelas suas

competências linguísticas e culturais, bem como pelas suas atitudes linguísticas;

2. O repertório linguístico – centra-se nas práticas linguísticas (todas as diferentes

línguas utilizadas pelos profissionais na empresa e forma como as utilizam) e nas experiências de aprendizagem de línguas;

Nota. Transcrita de “From bilingualism to multilingualism in the workplace: The case of the Basque Autonomous Community” de K. Worp et al., 2017, Language Policy, 16 (4), p. 413 (https://doi.org/10.1007/s10993-016-9412-4).

Nota. Transcrita de “From bilingualism to multilingualism in the workplace: The case of the Basque Autonomous Community” de K. Worp et al., 2017, Language Policy, 16 (4), p. 413 (https://doi.org/10.1007/s10993-016-9412-4).

Nota. Transcrita de “From bilingualism to multilingualism in the workplace: The case of the Basque Autonomous Community” de K. Worp et al., 2017, Language Policy, 16 (4), p. 413 (https://doi.org/10.1007/s10993-016-9412-4).

Nota. Transcrita de “From bilingualism to multilingualism in the workplace: The case of the Basque Autonomous Community” de K. Worp et al., 2017, Language Policy, 16 (4), p. 413

Figura 3

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3. O contexto social alargado – implica as circunstâncias externas que influenciam as

práticas linguísticas e que estão diretamente relacionadas com quatro estruturas sociais: economia, cultura, ensino de línguas e políticas linguísticas.

Este modelo (Figura 3) foi aplicado num estudo efetuado na comunidade autónoma basca, após a implementação de uma forte política de internacionalização das PME face à recente crise económica. Tratando-se de uma zona em que se fala basco e espanhol – ainda que esta seja a língua socialmente dominante – e o inglês tenha já sido introduzido como terceira língua em todos níveis de ensino, constata-se que os empregados têm uma atitude positiva relativamente ao multilinguismo em geral, bem como aos falantes multilingues, em particular. Não obstante, Worp et al. (2017) consideram que a forma de lidar com as diferenças culturais se aprende com a prática, dado que apenas uma minoria tem acesso a aulas ou seminários que abordam este tópico e estes não são, por norma, organizados pelas empresas em que trabalham. No que diz respeito a tarefas linguísticas complexas, como redigir um contrato ou uma oferta de negócio numa língua estrangeira, as empresas optam por terceirizar este trabalho. É também frequente que determinadas competências linguísticas dos colaboradores sejam desconhecidas à administração, uma vez que não existe registo das mesmas numa base de dados.

O profissional multilingue, enquanto indivíduo, bem como o seu repertório linguístico devem, portanto, ser considerados tendo em conta o contexto social mais alargado. Assim, os dados recolhidos demonstram que a crise económica tem consequências relevantes para a internacionalização, recursos financeiros e desemprego, o que, por sua vez, tem efeitos sobre o multilinguismo nas empresas (Worp et al., 2017).

De facto, uma das consequências da crise económica é precisamente a crescente necessidade de competências linguísticas no local de trabalho (Hanemann & Scarpino, 2016; Moeller & Abbott, 2018; Worp et al., 2017). Com o mercado local saturado, a exportação de produtos e serviços representa uma opção viável. Todavia, estes planos são geralmente definidos sem o desenvolvimento de uma política linguística de suporte. A ideia de que a escolha de um mercado que partilha uma língua comum implica a inexistência de

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barreiras linguísticas está incorreta, na medida em que as barreiras culturais poderão ser consideráveis (Worp et al., 2017).

A crise económica torna também mais evidentes as restrições financeiras das empresas. Por conseguinte, a priorização das despesas dificilmente contemplará um investimento na política linguística (Moeller & Abbott, 2018). Por outro lado, o hábito de agir a curto prazo pode influenciar diretamente as práticas linguísticas, já que as empresas só procuram soluções para fins específicos quando confrontadas, por exemplo, com uma barreira linguística. Atendendo a que a aprendizagem de uma língua constitui um processo moroso, a lógica de obtenção de resultados a curto prazo não se adequa (Worp et al., 2017).

Além disso, o sistema educativo não parece preparar convenientemente os alunos para a utilização da língua estrangeira no seu futuro local de trabalho (Hanemann & Scarpino, 2016; Moeller & Abbott, 2018). Acredita-se que a língua é considerada apenas sob a perspetiva académica, sendo ensinada com o único objetivo de que os aprendentes sejam capazes de passar nos exames, dando-se pouca importância à sua utilização para fins comunicativos (Worp et al., 2017).

Acrescente-se ainda que a promoção da internacionalização das empresas é realizada por departamentos governamentais que produzem guias informativos e organizam workshops ou conferências sobre esta temática. No entanto, a componente linguística, bem como a sua dimensão intercultural não são abordadas (Worp et al., 2017).