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3 INTERPRETAÇÃO MUSICAL

3.1 O papel do intérprete

Durante o processo de interpretação musical, no seu ápice, quando o músico / instrumentista leva ao palco o seu trabalho e estudo de uma determinada obra, ele exerce o papel de principal responsável pelo seu resultado final, pois, mesmo o compositor buscando indicar na partitura os seus objetivos em relação à obra, pode não ser capaz de transmitir todas as suas intenções. Os compositores, cada dia mais, buscam por meio da notação musical demonstrar o que desejam em suas obras, procurando indicar todas às nuances musicais desejadas através das representações gráficas. Nem sempre estas representações são suficientes para o entendimento total da música, podendo haver modificações feitas pelo intérprete na busca por uma melhor execução. Concordando com Winter e Silveira (2006, p. 64):

Embora a partitura contenha elementos essenciais a partir dos quais o intérprete vai iniciar seu trabalho interpretativo, esta não tem a capacidade de fornecer a totalidade de informações que estão presentes em uma execução musical. Ao intérprete é reservado o papel de ‘complementar’ as informações fornecidas pelo compositor com elementos vinculados às práticas interpretativas.

Mesmo o compositor sendo o responsável pela criação da obra, o intérprete poderá realizar alterações na sua execução, e isto se faz necessário muitas vezes devido à peculiaridade e características de cada instrumento. Estas alterações estão relacionadas, por exemplo, as articulações, andamentos, ligaduras e questões estilísticas inerentes ao gênero a ser interpretado. As referidas questões estilísticas, em muitos casos, não podem ser determinadas através da grafia musical, fato este que denota suas limitações, impedindo o compositor de transmitir todas as ideias numa partitura. Winter e Silveira (2006, p. 63-64) comentam que:

Ao se considerar a vontade expressa do compositor para a obra - materializada através da partitura musical - nota-se que, em relação ao intérprete, na maioria das vezes, não é facultada a modificação da obra em termos de planos ou idéias [sic] geradoras, na escolha de materiais ou de elementos presentes na superfície musical (como [...] melodias, ritmos e harmonias). Apesar disso, no processo interpretativo, o compositor deverá estar consciente da inevitabilidade da intervenção do intérprete no resultado final da sua obra, o que se deve, entre outros fatores, às limitações da grafia musical.

Desta forma, o compositor pode buscar oferecer o melhor roteiro para a preparação de uma obra musical, pois, mesmo sabendo que a partitura não é capaz de informar todas as ideias do autor, a mesma é capaz de direcionar o músico a alcançar o melhor resultado em relação à sua preparação. Através das indicações na partitura, o intérprete poderá ter um direcionamento de como lidar com determinada obra. Kuehn (2012, p. 10, grifo do autor) diz que:

Considerando-se a partitura musical uma espécie de ‘roteiro’ ou ‘mapa’ para se chegar, por assim dizer, ao ‘tesouro’ ou à ‘verdade’ da obra, a interpretação corresponde à tarefa de trazer à luz não apenas o que está escrito, mas também (ou principalmente) o que está entre as indicações grafadas na partitura.

Concordando com Kuehn (2012), o intérprete deve buscar transmitir não só as ideias do autor notadas na partitura, como também, questões que não estão grafadas. Isto se torna um grande desafio para o músico, pois, como dito anteriormente, nem sempre os compositores grafam todas as informações a respeito das obras. Mesmo aqueles que escrevem muitas informações na partitura não são capazes de transmitir todas as suas ideias. Kuehn (2012, p. 16, grifos do autor) a respeito da interpretação diz que:

‘Interpretação’ designa, em música, a leitura singular de uma composição com base em seu registro que, representado por um conjunto de sinais gráficos, forma a ‘imagem do som’. O intérprete decodifica os sinais gráficos, transformando-os de maneira mais fiel em parâmetros sonoros. Desse modo, ‘interpretar’ está diretamente ligado à compreensão dos elementos que estruturam uma obra, como: altura, melodia, ritmo, harmonia, tonalidade e tempo musical. Outros elementos caracterizam a música como linguagem. Entre eles, estão a articulação, a pontuação, a forma e o sentido. Também o fraseado e a coesão ou coerência fazem parte desta categoria. Tudo isso demanda, de um lado, uma postura introvertida, voltada para a análise e a reflexão teórica (em sentido aristotélico de contemplação mais do que de ação), ao passo que, de outro lado, demanda a prática instrumental (ou seja, a prática interpretativa propriamente dita).

Ainda a respeito da interpretação, Lima, Apro e Carvalho (2006, p. 12) ressaltam que:

[...] temos na interpretação a idéia [sic] de mediação, a tradução, a expressão de um pensamento. Portanto, a interpretação musical pressupõe por parte do executante a escolha das possibilidades musicais contidas nos limites formais do texto e a avaliação dessas possibilidades. De certa forma, a mensagem musical lançada no texto não tem viabilidade própria, se não for traduzida pelo sujeito interpretante.

Desta forma, o intérprete se torna responsável tanto pela transmissão das ideias utilizadas pelo compositor em uma partitura quanto pela escolha das possibilidades interpretativas no momento da execução. Sabendo que, através destas possibilidades, o intérprete será capaz de transmitir também suas próprias características. Mesmo que diferentes músicos se baseiem em semelhantes parâmetros interpretativos ao executar uma mesma obra, sempre irá haver diferenças no resultado final. Portanto, estas escolhas interpretativas, muitas vezes, são geradas a partir de questões pessoais, mesmo que fundamentadas em parâmetros interpretativos. Lima, Apro e Carvalho (2006, p. 14) destacam que:

Sob uma perspectiva eminentemente sensorial, se levarmos em conta a estreita relação da execução artística com a sensibilidade do executante, poderemos pensar a performance como um conjunto de escolhas, em qualquer nível de consciência, concebidas e efetivadas por um artista, grupo de artistas e, eventualmente, por observadores, que podem modificar o aspecto da obra de arte. Assim, a escolha de um andamento, de uma dinâmica ou articulação, repercute diretamente na maneira como vai soar aquela obra. Muitas vezes, os padrões assumidos por um executante em diferentes obras aproximam-se do conjunto de constantes técnicas e estéticas que reincidem nos diversos trabalhos daquele artista, permitindo a identificação de um estilo interpretativo específico. É comum na atualidade, detectarmos a figura de um intérprete pelos padrões interpretativos que lhe são típicos.

Ainda a respeito do processo criativo do intérprete, Fonseca (2003, p. 114-115, grifo do autor) destaca que:

[...] a verdadeira interpretação define-se tanto pela parte da criatividade pessoal e de recursos expressivos que o intérprete insere na obra, quanto pela fidelidade literal ao texto (notação, traços estilísticos e suas convenções). É, contudo, de um equilíbrio mais ou menos bem sucedido entre estes dois aspectos que depende o valor e a força de uma interpretação. ‘A interpretação é uma síntese entre o mundo do compositor e do intérprete’ (ARRAU, 1985 apud FONSECA, 2003).

O intérprete deverá estar atento ao lidar com as escolhas interpretativas da obra, buscando respeitar as características e ideias do compositor de forma consciente, estando atento aos limites da criatividade no momento da execução. Muitas vezes, o conhecimento a respeito de uma obra pode se dar através da intuição, como também pelo conhecimento prévio das características de uma determinada música, porém, quando o músico lida com uma obra de estilo desconhecido, se torna mais difícil o entendimento da mesma. Ainda a respeito do papel do intérprete, Winter e Silveira (2006, p. 66) acrescentam:

Observa-se, portanto, que o intérprete apresenta um papel fundamental na transmissão dos elementos contidos na obra para o receptor (ouvinte), possuindo a capacidade de acrescentar ou mesmo modificar substancialmente a mensagem contida na partitura. Para o ouvinte, essa subjetividade advinda do processo interpretativo proporciona, a cada execução da mesma obra, sua recriação como se fosse uma nova.

Com isso, é possível perceber que no processo interpretativo a construção da performance se dá através dos materiais disponíveis na partitura, como também por meio das intenções do intérprete. Estas intenções ocorrem tanto no período de preparação da interpretação quanto na performance, a partir do momento em que o intérprete busca transmitir os elementos contidos em uma obra musical.