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O PARLAMENTO BRASILEIRO E A MIGRAÇÃO INTERNACIONAL

No documento RelatorioUNFPAPopePolPub (páginas 99-104)

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aNtazziNi Deputado Federal – PSOL/SP

A migração não é um fenômeno novo. Talvez a novidade das migrações seja a facilidade e o acesso à comunicação, informações e tecnologias. Sou descendente de imigrantes italianos. Minha família chegou ao Brasil na expectativa de ganhar terras do governo brasileiro para produzir. Depois, foram descobrir que era trabalho escravo no interior de São Paulo, e fugiram de Franca para a cidade de Guarulhos. Como havia muita dificuldade de comunicação, as pessoas vinham e acabavam ficando, pois não tinham recursos para retornarem a seus países de origem. Portanto, é bem provável que esses episódios que aconteceram com várias outras famílias, não só no Brasil, mas em todas as partes do mundo, não tenham tido tanto relevo e relevância no debate. Hoje é diferente, pois temos facilidade tecnológica de comunicação e de deslocamento. Esse fenômeno é antigo e nunca foi tratado da forma como deveria.

Primeiro, porque as migrações têm um papel fundamental no enriquecimento das culturas. Outro aspecto a relevar é que o debate sobre migrações ou do migrante legal ou ilegal é totalmente ultrapassado, uma vez que a própria declaração dos direitos da Onu prevê o direito humano das pessoas se locomoverem. Então, não há que se falar de migração legal ou ilegal. Podemos discutir migração documentada ou não documentada, regular ou irregular, em face das disposições que os países tenham na perspectiva das restrições. É óbvio que esse fenômeno tem se agravado, em vista de posições políticas e econômicas. Os fenômenos que acentuam as migrações são as guerras, catástrofes naturais – inundações, furacões – e também as políticas econômicas. O modelo econômico desenhado para os países é de exclusão social. Portanto, são os países com uma situação mais efetiva economicamente e que sofrem muito mais a ação de serem receptores. Estados Unidos, França, Japão e Inglaterra são países que vão receber muito mais imigrantes, uma vez que a situação econômica é bem melhor. Por outro lado, as imigrações também trazem problemas para os próprios países.

Por exemplo, tivemos, este mês, em Dublin, na Irlanda, um seminário sobre migrações internacionais. Os países africanos reclamavam, com justeza e razão, que o Estado faz um alto investimento na preparação de profissionais técnicos. Esses investimentos, que saem dos recursos do povo africano para pagar e manter a universidade pública, formar médicos, engenheiros e outros profissionais, são perdidos, pois os países ricos, em busca de mão-de-obra qualificada, levam-nos embora por um salário muito mais atrativo. Isso nós também sofremos. A proposta me traz uma certa preocupação, pois apresentamos muitos atrativos a setores qualificados, independentemente dos prejuízos que levamos a outros países. Porque os mesmos problemas que sofremos de não conseguir mantê-los em nosso país, em função da baixa remuneração, também mantemos esse processo em relação a outros. Ou seja, tentamos tirar profissionais de países em situação econômica inferior à nossa, sendo atrativos. Temos de pensar essa questão de forma mais ampla e global. O modelo econômico que garante que alguns países fiquem cada

vez mais ricos e outros fiquem cada vez mais mergulhados na extrema pobreza, é um fator que não pode deixar de ser levado em consideração em hipótese alguma. Temos de nos debruçar e fazer um estudo sobre como solucionar essa problemática. Ou esse círculo vicioso irá perdurar.

Por outro lado, queria falar um pouco do papel do Parlamento. Não falarei do Parlamento como um todo porque é uma casa plural. Não há perspectivas de um enfoque das migrações vinculadas aos direitos humanos, há o enfoque vinculado às questões meramente econômicas, e há um enfoque do migrante na perspectiva da segurança nacional. Lamentavelmente, ainda temos no Parlamento um conjunto de visões. Falo com a visão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, comissão na qual atuo, mas não posso fazer o mesmo em relação à Comissão de Relação de Relações Exteriores. Lá dentro temos essa divisão muito clara. Há setores, inclusive, que radicalizam no aspecto da segurança nacional, colocando-a em primeiro lugar, para depois fazer a discussão sobre a questão dos direitos humanos.

Falando em nome do Parlamento, gostaria de mencionar que sou coordenador do grupo de trabalho de migrações do Parlamento Latino-americano, e na Copa – Confederação dos Parlamentares da América –, presido a Comissão de Direitos Humanos.

Em maio deste ano, fizemos um encontro em Foz do Iguaçu e o tema foi especificamente Migrações, Tratados Comerciais e Integração. No Parlamento Latino- americano, em outubro deste ano, também fizemos esse debate sobre a questão das migrações na Costa Rica. Na Irlanda, no Parlamento de Ação Global, que é uma confederação de parlamentares de todo o mundo, debatemos a imigração, migrações e integração. Essa preocupação já vem de anos, porque sabíamos que, em breve, iria acontecer o que estamos vendo na França. É óbvio que se pode reprimir por um certo tempo, mas, em determinado momento, essa população vai se manifestar, levando a conflitos extremos. Embora, na França, exista uma política de previdência, um conceito de Estado, isso não impediu aquela explosão, uma vez que a questão não passa única e exclusivamente pelo aspecto econômico. Tem a ver também com o aspecto cultural, a questão étnica, a xenofobia, o racismo. E o Estado não está sabendo trabalhar nessa perspectiva. A nossa ação, como parlamentares do mundo, tem sido fazer pressão junto a nossos parlamentos e a essas organizações; junto à OEA, no continente americano; à própria Onu, para que tenhamos convenções e tratados mais avançados nessa área.

Uma rápida ilustração do que deliberamos em Dublin, com a representação de 114 países: para nós, os estados têm que elaborar políticas públicas mais efetivas, tanto nacionais quanto regionais, a fim de que ocorra uma harmoniosa integração das comunidades de migrantes; implementar políticas para a redução da pobreza e do desemprego; além de reconhecer que os conflitos econômicos são propulsores dos fluxos migratórios em todos os países. Esse reconhecimento é fundamental para nós. Não podemos dizer que a questão migratória é uma questão de pessoas, mas está diretamente associada à política econômica implementada hoje – principalmente pelos países ricos. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional ainda obrigam os países financiados ao contingenciamento de despesa que impede investimentos. Quando não se tem investimentos, reduz-se a possibilidade de emprego, ampliando

a recessão. Com isso, é óbvio que os trabalhadores têm de procurar um outro local para garantir sua sobrevivência com um mínimo de dignidade. Isso é lamentável. Não deveria ser a mínima, mas a total dignidade. Não podemos, em hipótese alguma, fechar os olhos para essa questão econômica. O direito de livre circulação está garantido na convenção dos direitos humanos da Onu, assim como na convenção dos direitos econômicos e sociais. Vou ler o artigo: “Todo homem tem direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar”. É isso que prevê a resolução e, portanto, não há que se falar em legalidade ou migrante legal ou ilegal.

Quanto à ratificação, efetivação e implementação dos instrumentos internacionais: muitos países ratificam, entretanto, não implementam. Nosso país, às vezes, implementa parcialmente, às vezes, nem implementa, com a própria repressão ao tráfico de pessoas. O protocolo adicional da Convenção de Palermo e a realização de campanhas pela ratificação da convenção da Onu sobre os direitos e a proteção dos trabalhadores migrantes e seus familiares, que é de 1990, e entrou em vigência em 2003, mostra que, lamentavelmente, nosso país não assinou e, portanto, não ratificou. Então, um país que está se propondo a fazer uma lei mais avançada sobre as migrações não firmou o tratado, portanto, não o ratifica. Aí, temos um problema nos setores que atuam na área de direitos humanos com o governo brasileiro, que tem uma visão, sob o nosso ponto de vista, equivocada, em não ter firmado e, tampouco, ratificado esse tratado.

Quanto à implementação de políticas internas de reparação de danos sofridos para vítimas do tráfico internacional ou de exploração sexual internacional, independentemente da condição: é obrigação de qualquer Estado garantir o direito humano dessas pessoas, seja seu ingresso no país regular ou não. Em se tratando de tráfico, não são. O reconhecimento de que existem conexões entre o crescimento da contaminação pelo vírus HIV - Aids pelos fluxos migratórios e a urgente necessidade de se dar a esse tema mais atenção em todos os países, garantindo o direito à saúde e ações contra a xenofobia.

Acordos bilaterais e multilaterais

Outro item proposto pelo grupo brasileiro, e que conseguimos aprovar nesse encontro, é que todo e qualquer tratado comercial, seja bilateral ou multilateral, nós parlamentares – defendemos a diplomacia parlamentar e isso tem crescido no mundo todo – temos de ter uma participação ativa, não apenas no sentido de ter a liberdade de trânsito de mercadorias, mas também de pessoas, assegurando nesses acordos os mesmos direitos a todos.

Lamentavelmente, os tratados comerciais não levam em conta o ser humano e sim o capital e mercadorias, que é o que interessa a esse setor nos países mais ricos. Ou seja, as questões econômico-financeiras. O respeito ao ser humano não tem sido levado em consideração. Então, temos feito ações e estimulado organizações nos parlamentos para que tratem desse tema. Essas deliberações, obviamente, voltam para os parlamentos e esses grupos passam a fazer pressão nestas casas parlamentares para que haja uma visão diferenciada no tratamento das migrações. No Brasil, por meio da Comissão de Direitos Humanos, já adiantamos um pouco: fizemos um grupo de trabalho na comissão e toda uma discussão acerca deste Anteprojeto, dando, inclusive, sugestões. Quando se tornar um projeto de lei, esse

debate vai se ampliar ainda mais, até porque, como já disse, temos várias visões sobre as migrações. E temos de estar preparados para fazer o enfrentamento com setores mais retrógrados e conservadores nessa questão. Por isso, a Comissão de Direitos Humanos faz questão de sempre fazer suas ações em parceria com as entidades da sociedade civil. Deixei, aqui, hoje, uma cartilha sobre políticas públicas para migrações internacionais, fruto do trabalho desse grupo que discute as migrações com a Comissão de Recursos Humanos.

Além desse aspecto de já termos feito um grupo de trabalho, e apresentado um conjunto de propostas ao Ministério da Justiça, as comissões de inquérito do Parlamento têm sido um instrumento importantíssimo no sentido de se fazer o diagnóstico e o aprimoramento da legislação. Por exemplo, estamos com uma CPMI dos brasileiros que vivem no exterior, principalmente na fronteira com os Estados Unidos, sob a presidência do senador Crivella. Tivemos a CPI que investigou o tráfico de crianças, especialmente no aspecto da adoção, do extermínio e da exploração de turismo sexual infantil. Todas elas apresentam, ao final, um rol de proposições que tentamos transformar em projetos de lei e aprimorar a legislação. Além disso, fazemos acompanhamentos locais e internacionais, com preocupação na falta de políticas públicas, e de manter esse diálogo constante com o Ministério da Justiça, de Relações Exteriores e do Trabalho.

Crítica ao Itamaraty e à situação dos brasileiros no exterior

Queria citar um dado que, para nós, é extremamente relevante em relação a brasileiros que vivem no exterior. Já apresentamos uma visão de que não deveria ser um novo estatuto do estrangeiro, pois isso ainda traz um ranço da ditadura militar, mas que fosse o estatuto dos migrantes e que possibilitasse nele contemplar também os brasileiros que vivem no exterior. Em 2001 ou 2002, fizemos um seminário em Portugal com a Procuradoria-Geral da República sobre a situação das migrações, e trouxemos de lá um elenco imenso de pleitos e reivindicações que tentamos fazer com que avancem. Mas está muito difícil, pois até hoje não conseguimos emplacar nenhum. E a grande reclamação dos brasileiros que vivem no exterior é a falta de estrutura dos nossos consulados. Isso quer dizer que precisamos aparelhar os nossos consulados, não só no aspecto humano e de infra-estrutura, mas também numa concepção diferenciada. O Brasil preparou os nossos membros do Ministério das Relações Exteriores, do Itamarati, muito mais na perspectiva do Brasil de imigrantes do que de emigrantes. Portanto, o Instituto Rio Branco tem de pensar na perspectiva de contemplar uma cadeira que trabalhe a formação dos futuros embaixadores, ministros, cônsules para atender ao brasileiro que vive no exterior. Ainda hoje, o brasileiro que vive no exterior tem medo de ir às nossas embaixadas, porque acha que elas podem delatá-los. Há uma cultura do medo. Quero confessar publicamente, inclusive já o fiz de outras vezes, que o atendimento deixa muito a desejar, inclusive a nós parlamentares. Acho que temos de melhorar. Não culpo nem digo que isso é feito de forma proposital, mas é falta de pessoal, de infra-estrutura e de formação nessa área.

Além desse aspecto, há a questão de que temos de ter uma legislação clara para favorecer e facilitar o ingresso dos recursos que os brasileiros mandam do exterior para cá. No ano de 2004, foram US$ 6 bilhões. Isso não é pouca coisa. São recursos que superam investimentos de empresas e de agências.

Antes de concluir, queria reafirmar a perspectiva de que temos de avançar e muito nessa área. Temos de pensar não só numa perspectiva – desculpe-me o termo – provinciana, ou seja, o que é melhor para o Brasil, mas temos que pensar o que é melhor para a América Latina, para o mundo, no aspecto das migrações. Apresentei um projeto para garantir o direito de voto a todos os imigrantes que estão aqui. Uma forma de inclusão no exercício da cidadania do voto. Apresentei outro projeto propondo criar quatro circunscrições eleitorais: uma na América do Norte, uma na América Latina, uma na Europa e outra que contemple África, Ásia e Oceania, garantindo aos brasileiros o direito de eleger um representante de cada circunscrição na Câmara dos Deputados. Vou encerrar dizendo o por quê. Essa questão de brasileiro no exterior, para se fazer uma alusão, é como os presos. Preso não vota. Está na cadeia sendo maltratado, sem os direitos humanos, porque ninguém se importa, nem a classe política. Preso provisório já tem o direito de voto, mas o Estado brasileiro não garante, diz que não tem condições. No dia que lhes dermos o direito ao voto, tenho certeza que eles mudarão as condições de desumanidade com que são tratados. No mesmo sentido, no dia em que derem direito aos brasileiros que estão no exterior de ter um representante no Congresso Nacional, defendendo os interesses desse setor que passa hoje de quatro milhões de pessoas, e que mandam para o Brasil mais de US$ 6 bilhões por ano, por certo, também vamos mudar a forma como tratamos os brasileiros que moram no exterior. Eu queria finalizar, reafirmando que a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados tem procurado fomentar esse debate dentro da própria Casa e tem assumido compromisso não só local, mas internacional, no sentido de que tenhamos uma migração numa perspectiva da cidadania universal. Este é o nosso objetivo, é o compromisso que a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara tem, porque acreditamos que é possível romper todas as barreiras, preconceitos, xenofobias, discriminações e, para isso, é óbvio que há de se ter um amplo empenho do conjunto da comunidade internacional. Muito obrigado.

Síntese

Expressou a visão do Parlamento Brasileiro em relação às questões da migração internacional no Brasil, fazendo a ressalva de que as visões no Congresso Nacional são múltiplas e não consensuais. De maneira geral, defende que o foco da atenção das políticas de migração seja nos direitos humanos dos migrantes: combate ao tráfico de seres humanos, exploração do turismo sexual internacional, garantia de direitos trabalhistas dos emigrantes e imigrantes internacionais, e ação mais concreta com relação à situação dos brasileiros no exterior.

Também defende a necessidade de uma perspectiva mais global e relacional dos agentes públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário) na questão das migrações internacionais contemporâneas, e defende amplamente a configuração geopolítica global, por meio da elaboração de tratados internacionais forçosamente bilaterais e multilaterais, que atendam às demandas de cada país e preservem os direitos humanos em todos os níveis (local, nacional e internacional).

Afirma que não há porque se concentrar na legalidade ou não do deslocamento, visto que ele já é garantido pela declaração dos direitos universais da Onu. Critica as ações do Itamaraty e dos serviços consulares no exterior.

Defende uma mudança conceitual na percepção e tratamento dos emigrantes internacionais, em especial sobre a situação de irregularidade, e também o não aproveitamento das remessas internacionais para o desenvolvimento das comunidades de origem. Apresentou propostas de ação do Estado junto às organizações da sociedade civil para proteção dos direitos humanos e fez severa crítica à incongruência política brasileira ao não ratificar alguns tratados internacionais sobre a livre circulação de pessoas.

DIRETRIZES DO CONSELHO NACIONAL DE IMIGRAÇÃO

No documento RelatorioUNFPAPopePolPub (páginas 99-104)