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População nas políticas públicas: geração-jovens e idosos

No documento RelatorioUNFPAPopePolPub (páginas 61-67)

institucional para esse segmento populacional que chamamos de juventude, cuja faixa etária varia bastante de lugar, a partir de arbítrios culturais e de convenções entre o Estado e a sociedade. Temos políticas públicas para a juventude em vários países. Temos “juventudes” que vão até trinta anos, dezoito, ou que começam aos doze, aos dezoito. Enfim, embora as organizações internacionais usem, e nós usemos também, a definição dos quinze aos vinte e quatro anos, há uma discussão que tem a ver com o momento histórico, com mudanças profundas nas maneiras de estar no mundo, de se inserir na vida produtiva, fragilizando fronteiras nacionais. Há, então, uma questão para se discutir, que é a faixa etária. E é uma questão que pouco tem a ver com a biologia ou ciclo de vida no sentido estrito. Tem muito mais a ver com quem ou que forças estão puxando uma população mais nova para a vida adulta. E quem ou que forças estão empurrando para a vida que não é a adulta, para a juventude ou para a adolescência.

A questão da faixa etária

Quando se fala em políticas públicas para juventude, tem de se parar um minuto na questão da faixa etária, que é uma negociação constante. Não trarei a questão da história de quando nasceu a juventude, nem de como as culturas primitivas, os grupos indígenas, concebem essas passagens. Na verdade, é um arbítrio cultural que cria a juventude. Mas queria chamar a atenção para a questão da faixa etária, cujos limites estão sempre em negociação com a sociedade que produz a juventude. A juventude é sempre um espelho retrovisor da sociedade. Nada que não esteja na sociedade se perceberá na juventude que pertence àquela sociedade.

Assim como na sociedade, existem desigualdades interligadas. Aqui se tem toda uma questão ligada à renda, à classe social, ao gênero e outras produtoras de desigualdade que, para a juventude de hoje, é fundamental. Por exemplo, o local de moradia. Hoje, o local de moradia nas grandes cidades, nos centros e periferias que vão se construindo, criam uma discriminação por endereço, o que faz com que os jovens tenham de inventar endereços para não perder o posto de trabalho, para não ser discriminado pelo seu endereço ou local onde mora, porque esse se tornou mais um elemento de discriminação para essa geração.

Ao mesmo tempo, a juventude reflete todas as desigualdades e diferenças também. Há uma série de coisas que a sociedade vai reconhecendo como desigualdade, como diferença, e isso também é histórico e está na juventude. Assim, falar de juventude é colocar um grande “S” e perceber esse espelho retrovisor da sociedade. Ao mesmo tempo dissemos que a juventude é um espelho agigantador, uma espécie de espelho de aumento. Aqui, começamos a entrar na polêmica. Quando digo que a juventude é um espelho agigantador, não é absolutamente para dizer que ela tem mais vulnerabilidade que os velhos ou que as crianças, porque já vi gráficos que mostram que os jovens não estão na pior situação em relação a crianças ou velhos. Ao se falar num espelho agigantador, por vezes temos de pensar muito menos nos dados estatísticos, embora eles mostrem que as vulnerabilidades dos jovens aparecem em termos de inserção no mercado de trabalho, na violência urbana. Mas a questão da perspectiva geracional é saber que momento da vida é este que faz com que possamos dizer que a juventude, além de ser um espelho retrovisor da sociedade, é um espelho agigantador também. Porque este é o momento da

vida da nossa sociedade, da sociedade ocidental e capitalista, em que o jovem tem de fazer a passagem para a vida adulta, em que o cidadão definirá seu lugar na sociedade futura. É o momento da emancipação. Há aí uma fragilidade específica porque, apesar de todas as diferenças de desigualdade colocadas anteriormente, a juventude brasileira irá partilhar de marcas geracionais, que são as marcas do tempo em que se é jovem. O tempo em que se é jovem, que é um tempo de definição, de formação de identidade, que faz com que a juventude agigante certos problemas da sociedade, que estão sendo colocados.

Marcos geracionais

Há três marcos geracionais em que poderíamos pensar, e até que ponto esses marcos perpassam todas as diferenças, todas as desigualdades que formam um certo caleidoscópio de vulnerabilidades dos jovens. Que marcos geracionais seriam estes? O primeiro, chamo de medo de sobrar, uma forma de dizer tudo o que já foi dito na mesa anterior: que reflexo tem sobre o segmento populacional o fato de se ser jovem num momento de grandes transformações no mundo do trabalho? Que efeitos têm ser jovem no momento em que se sepultam profissões, criam-se novas, há uma tecnologia que faz com que as carreiras se modifiquem rapidamente, e as exigências a essas carreiras também, em que não há certeza de como planejar o futuro? Essa marca geracional é que faz com que os jovens que vivem no mundo de hoje sejam mais vulneráveis, por exemplo, que os jovens que viveram em outras gerações. Dizer que não tinha exploração há cinqüenta anos atrás – claro que sim –, mas os filhos dos operários num país que se industrializava podiam acreditar que iriam participar da cultura operária; os filhos dos camponeses lutavam pela terra e sabiam que um caminho poderia ser pagar o gambão do patrão, conseguir um pedaço de terra, trabalhar nessa terra, mas ainda que não houvesse a mobilidade social que a democracia deveria trazer, tinha ali uma pequena possibilidade de ascensão social dentro dos padrões de reprodução do sistema. E uma maneira de negociar com o futuro – se eu estudei tanto, meu filho irá estudar um pouco mais –, tinha-se uma maneira de negociar com o futuro.

A grande questão desta geração é, embora saibamos que os jovens negros e pobres, moradores da periferia, e também as mulheres são os mais vulneráveis, colocarmos no caleidoscópio a questão da orientação sexual, a deficiência e outras questões. E vai ficando mais complicado, pois não existe a possibilidade de falar de um jovem abstrato. Apesar disso, todos os jovens nascidos de 15 a 29 anos dependem do tempo que colocarmos. Eles partilham hoje do medo de sobrar. Claro que a classe média terá outro sentimento, estará mais protegida, se for branco terá outras condições, mas podemos dizer que há um sentimento que perpassa uma geração, que é um sentimento muito diferente de gerações anteriores, o de ser jovem no tempo de hoje. Este é o primeiro.

A segunda questão é ter medo de morrer de maneira precoce e violenta. Também repito que a violência está na história da juventude, violência no sentido de correr risco, buscar adrenalina, da aventura, mas toda a idéia da juventude estar ligada à questão da experimentação, está ligada também à idéia do ciclo de vida, ou seja, a morte está longe e posso experimentar, tenho força. Claro que não é dessa maneira racionalizada que estou falando, mas a idéia de que o jovem tem a vida toda pela

frente, de que a juventude é o momento de se aproveitar a vida. Isso foi construído por nós, socialmente. O jovem de hoje, de novo repetirei, embora existam os mais vulneráveis e os menos vulneráveis, sem ter absolutamente a pretensão de igualar, de obscurecer diferenças e desigualdades sociais, pode-se dizer que, hoje, têm algum tipo de medo de morrer de maneira precoce e violenta. As pesquisas tem mostrado. Por quê? Porque nenhum dos autores clássicos, nem Karl Marx, nem Max Weber, nem Émile Durkheim pode prever essa conexão que marca o mundo de hoje entre a indústria bélica e a do narcotráfico. Este casamento é mundial, é uma rede em que somos apenas um nó, que está incluída, inclusive, em toda a questão do sistema financeiro, que vai desde a questão da macroeconomia até a questão do território local. É uma questão de uma geração. Ser jovem neste tempo é diferente de ser criança ou velho neste tempo, porque há uma incidência especial sobre a juventude.

Primeiro, sabemos que, por conta de restrições no mercado de trabalho etc., são os jovens que se envolvem em ocupações remuneradas e muito remuneradas no narcotráfico. Também há os jovens que são consumidores. Estão concernidos nessa questão tanto os jovens que se ocupam disso quanto os que consomem, assim como aqueles que não consomem e não se ocupam, porque, na verdade, essa conexão entre indústria bélica e narcotráfico desenhou a nova geografia das cidades. Não há um jovem que possa sair à noite para o lazer, que faz parte dessa fase da vida, da moratória social prometida, sem pensar no que poderia acontecer com uma bala perdida, uma blitz, um bando de traficantes. Os dados têm mostrado que não é somente nas grandes cidades, não é só no Rio de Janeiro, mas está chegando à zona rural, às cidades médias. É uma marca geracional, tanto assim que toda literatura reflete sua época, e hoje em dia até as novelas têm obrigação de colocar esse personagem, fora os noticiários, em que o traficante em conflito com a lei está na ordem do dia, tratado geralmente muito mal, colocando o jovem como suspeito. Mas, de qualquer forma, está na ordem do dia.

Por último, o terceiro ponto seria a questão de sentir-se desconectado num mundo conectado. Significa que eles têm medo de sobrar, medo de morrer precoce ou violentamente, por arma de fogo ou acidentes de trânsito, de cometer suicídio. O que significam esses dois sentimentos, já que, ao mesmo tempo, os jovens nunca tiveram tantos meios para se comunicarem entre si? Existe uma exclusão digital, mas a cultura da internet está nas ONGs, nas associações de moradores, nos cursinhos de formação profissional, enfim, em vários lugares. Embora muitos jovens não tenham acesso à internet, sua linguagem está presente na sua forma de pensar o mundo. O maior exemplo é o hip hop, toda a rede internacional e as expressões locais desse movimento, e outras redes ambientalistas também. Ao mesmo tempo, é uma conexão que tem grandes potenciais para essa geração, mas também desconectado no sentido de que esses sentimentos, apesar de toda tecnologia, permanecem muito fortemente nos jovens de hoje.

Isso é o que chamamos de perspectiva geracional. Vejo pessoas militarem na perspectiva de gênero há bastante tempo e eu queria trazer a idéia de militar numa perspectiva geracional, de novo uma idéia para somar, não é absolutamente para dizer que esta é a perspectiva mais importante, seja em termos de relações raciais, seja em perspectivas de gênero, enfim, de todas as outras conquistas. Ou seja, que

consigamos olhar a sociedade por meio de um feixe de relações sociais e possamos contribuir para a modificação, sabendo que ali é apenas um feixe que se juntará a outros feixes de relação social.

Perspectiva geracional

O que seria uma perspectiva geracional? Ela implica em duas coisas importantes: por um lado, num diálogo intergeracional, porque não há uma perspectiva geracional que não dependa de uma escuta profunda entre gerações, seja em termos dos jovens conseguirem pegar os fios da história e das conquistas que fizeram com que a categoria juventude se tornasse uma categoria política. É importante que os jovens percebam que isso não caiu do céu e dialoguem com a geração anterior, com seus professores, com seus agentes educacionais, seus pais. É muito importante que os adultos abram os ouvidos para falar com a juventude de hoje. Que deixem de comparar minorias ativas do passado, em que não há dados para dizer quem eram os jovens no passado. Não se tinha pesquisa, não se tinha survey da mesma forma que se tem hoje. Comparam-se minorias ativas do passado, que foram muito importantes, que ajudaram a construir o espaço público, mas que eram minorias, com a maioria do presente, com que fazemos nosso survey. Mas de qualquer forma, é uma comparação que está prejudicada por um olhar geracional que tende a desqualificar a juventude de hoje. As relações intergeracionais são muito importantes, mas também as relações intrageracionais; na perspectiva geracional tem de ser uma soma das duas coisas. Por quê? Por tudo que falei aqui hoje, alguém pode ser jovem, sofrer aqueles três impactos dos macrogeracionais, e não conhecerá o outro como parceiro; pelo contrário, irá discriminá-lo também. Temos um diálogo intergeracional, que é muito importante que seja construído a partir de valores, para que os jovens se sintam melhor no mundo de hoje e encontrem suas saídas. Espero que a perspectiva geracional, hoje, tenha a ver com outras vitórias que já tivemos em sociedade. Que ela venha para somar e contribuir. É muito difícil, no entanto, já que falar em juventude – como disse Pierre Bourdieu, é falar que todo mundo é o velho ou o jovem de alguém, então o subjetivo vem rápido – temos muitas receitas, muitas críticas e muitas coisas para dizer. É uma perspectiva que terá de ser construída na discussão, no debate, e ganhar corações e mentes.

A Política Nacional de Juventude

Nesse contexto, para terminar, considero muito providencial o que aconteceu em fevereiro deste ano [2005], que foi a Política Nacional de Juventude. A questão da juventude é tão importante que poucas coisas conseguiram tornar-se lei. Há uma pauta obstruída, conseguiu-se, inclusive, apoio suprapartidário de uma maneira muito interessante. Hoje, tudo o que irei falar já é lei, passou-se por todos os níveis de relatoria, de aprovação, de sanção, que é o seguinte: há uma Secretaria Nacional da Juventude, que é muito pequena e não tem status de ministério. Foi pensado dessa forma dentro da nossa idéia de que a questão da juventude tem de ser transversal. A idéia foi de ficar próximo à Secretaria-Geral e à Presidência da República, a fim de poder convocar ao diálogo, esse diálogo que tentei começar aqui, hoje.

É uma secretaria que está ligada à Secretaria-Geral e a sua missão é articular a política pública para a juventude no Brasil, é fazer com que os ministérios deixem

de estar um de costas para o outro fazendo programas. E para estarem juntos e poderem potencializar respostas para as questões que coloquei há pouco. Ao mesmo tempo, temos um Conselho Nacional de Juventude, que é muito difícil de se reunir. É um Conselho que tem um terço governamental, em que estão 16 ministérios que têm programa para a juventude, e três elementos do poder público que achamos importante trazer. É até um Conselho meio híbrido, diferente, não tem outro igual, porque do lado do poder governamental tem ministérios e depois municipalistas, o que é importante para chegarmos à base. Temos os parlamentares da Comissão Especial de Políticas para a Juventude da Câmara Federal e os gestores de políticas públicas em nível estadual. É poder público – não podia estar do lado da sociedade civil porque não ia dar certo –, mas é um poder público com muita diferença, achamos que seria muito importante trazer essas contribuições também. Temos vinte, somando os ministérios, a Secretaria-Geral e os três. E da sociedade civil, de novo na perspectiva intergeracional, tínhamos de ter adultos e jovens para poder cumprir essa noção que estamos trazendo. Temos, primeiro, o que é clássico das organizações juvenis: o movimento estudantil. Foi o primeiro segmento que assumiu esse lugar. Colocamos UNE, UBES e a Associação Nacional de Pós-Graduandos.

Depois, na questão do trabalho, existem duas centrais sindicais para a juventude, a CUT e igrejas, de cultura, escoteiros de um lado e movimento hip hop de outro. É preciso reconhecer essas duas pontas, todas as diversidades, como o Movimento Quilombola, organizações que lidam com a questão racial, organizações que lidam com o homossexualismo, com os jovens deficientes, com tudo que é politicamente correto. O Conselho está sendo uma experiência muito rica e muito interessante por essa diversidade, em que os jovens estão fazendo o diálogo intergeracional que não faziam. Tem sido uma coisa magnífica ver jovens que fora dali tem preconceitos um com o outro e estão ali na comissão pensando juntos. O exemplo dos escoteiros é ótimo. Havia gente que tinha resistência aos escoteiros por tudo que sabemos; o Conselheiro Escoteiro é uma pessoa totalmente engajada, que faz todas as tarefas, é surpreendente. Ou seja, o Conselho também é para causar surpresas para os mais velhos e para os mais jovens. Estas são organizações juvenis.

Há organizações que trabalham com os jovens. Consideramos que, na década de 1990, muitas delas tiveram um papel importante, principalmente de se chegar aos jovens em situação de risco. É claro que, hoje, procuramos não usar “jovem em situação de risco”, aqui, e “movimento estudantil”, ali, mas procuramos perceber a juventude como um todo. A idéia foi trazer a Educativa, enfim, todas essas organizações para o Conselho. Por último, há os especialistas, em número bem pequeno. Também mudamos a idéia de especialista, colocando, entre outros, o Marcelo Yuca, porque achamos que ele é um especialista em política para a juventude. Alguém que desde sempre, antes do acidente que sofreu com oito tiros no Rio de Janeiro, já se preocupava em dizer qual a paz que queria. O Marcelo entrou no conselho como especialista, uma forma de transgredir um pouco certas coisas. Por último, temos um programa que se chama Pró-Jovem, em que estamos testando um novo paradigma para um projeto social para jovens de 18 a 24 anos que estão fora da escola e do mercado de trabalho. Agradeço.

MECANISMOS DE PROTEÇÃO SOCIAL PARA A

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