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População nas políticas públicas: saúde reprodutiva

No documento RelatorioUNFPAPopePolPub (páginas 155-160)

negados e violados neste País. A mulher na fase da reprodução está no auge da sua vida, portanto, não deve morrer – 96% das mortes nessa idade são evitáveis. Isso é um fato lamentável, principalmente porque temos desenvolvimento e tecnologia suficientes para que a morte materna não ocorra. A morte materna, a vulnerabilidade dos jovens devido às DSTs/AIDS, a gravidez indesejada e o acesso aos métodos anticoncepcionais são três questões entrelaçadas e que, em muitas situações, expressam a negação ao acesso ao direito de quando e como ter filhos. Direitos que deveriam estar assegurados, tal como legisla o artigo 226 da Constituição Federal, como legisla a Lei 9263, formulada em 1997, e lembrando que o Brasil é signatário dos documentos do Cairo e de Beijim. Esses direitos têm sido negados de forma cruel pelos serviços de saúde, pelo Estado, pela sociedade, quando a mulher fica só, sem recursos para vivenciar plenamente a sua sexualidade. Parece que os gestores do sistema de saúde, que estão municipalizados, não entendem que a sexualidade feminina é digna e tem direito a ser respeitada. Essa dificuldade na vida das mulheres

População nas políticas públicas:

saúde reprodutiva

se inicia já na adolescência, quando elas estão expostas ao HIV/AIDS ou a uma gravidez indesejada. As três situações apresentadas hoje estão relacionadas ao aborto, uma questão pendente na sociedade e que urge ser resolvida. O direito ao aborto legal tem sido sistematicamente negado no Brasil. Sem falar do aborto ilegal e clandestino, considerado crime pela legislação, mas disponível para as mulheres ricas e de classe média, transforma as mulheres pobres e pretas em criminosas, em cadáveres. Realmente, como disse a Danuza Leão, “todos somos iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. Diante dessa constatação, sabemos que é necessário fazer o recorte de classe e raça, ao estudar esses temas, pois esses são indicadores da desigualdade social.

As três apresentações não são temas emergentes, são questões antigas e já foram incluídas no Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher em 1983. No entanto, necessitam de solução urgente, pois colocam a sobrevivência de muitas mulheres, no auge de sua vida, em risco. A AIDS é uma importante causa de morte para mulheres brasileiras em idade reprodutiva e está afetando mulheres cada vez mais jovens. As mulheres em idade reprodutiva estão vulneráveis exatamente porque podem se reproduzir e isso é inaceitável. As questões de saúde reprodutiva que serão apresentadas foram legalmente resolvidas, existem conhecimentos e políticas para estes problemas, mas estas não estão implementadas, não são monitoradas e não são avaliadas, poucas são incorporadas ao cotidiano da vida das mulheres. As mulheres em idade reprodutiva são também vulneráveis a todo tipo de violência e esta Mesa é um testemunho da violência a que o Estado e a sociedade submetem a mulher no Brasil.

MORTALIDADE MATERNA DE MULHERES NEGRAS

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Enfermeira da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná

Quero dizer aos demógrafos que não pude fazer Mestrado ou Doutorado em Demografia. Sou uma anônima que lê muitos trabalhos de vocês. Gosto muito desta linha, mas acabei optando pela Saúde Pública. Minha apresentação será bem mais objetiva na questão da mortalidade materna, especificamente. O primeiro conceito, ao trabalhar a questão da mortalidade materna e também infantil no Estado do Paraná com recorte de raça, é o problema da classificação de raça.

De onde surgiu a idéia de trabalhar a questão da mortalidade materna? Porque os estudos mostram ainda no Ministério de 1996, que das doenças geneticamente determinadas pela população negra, três afetam diretamente na mortalidade materna: a anemia falciforme, a hipertensão e a diabete. O movimento negro do Paraná foi convidado a contribuir na elaboração do documento brasileiro, um evento organizado pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra de São Paulo. Neste evento vimos um documento de Durbain, do qual não tínhamos dado nenhum, e então começamos a estudar o que temos no País e, principalmente, o que temos no Paraná, haja vista que, pelo menos naquela época, em nível nacional não tínhamos nenhuma informação de mortalidade materna e raça. De onde partimos? Dos trabalhos dos Estados Unidos, ATRASH, Cíntia Berg e outras que já vêm trabalhando há bastante tempo com recorte de raça. Na minha visão, precisamos trabalhar exatamente como

já foi discutido neste seminário; em cada país, em cada lugar, a minoria étnica é a excluída.

Dessa forma, se pegarmos a razão de mortalidade materna na Austrália, quem são as excluídas? As aborígines. Na França, pelos últimos acontecimentos que temos visto na mídia, é qualquer pessoa não francesa. E assim por diante. Veremos a seguir o que conseguimos construir no Brasil. O primeiro trabalho nacional conhecido é da Cristina Tanaka e Mitsuiki, que fizeram o estudo sobre a magnitude da mortalidade materna em cidades brasileiras, especificamente em três Estados – Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Pará. Neste primeiro estudo, ainda era muito incipiente nas declarações de óbito e nas declarações de nascido vivo a identificação da raça, portanto, não foi calculado o coeficiente ou razão. O único dado que obtiveram é que, percentualmente, o óbito das mulheres negras era maior. Por conta disso, (Tanaka foi minha orientadora no Mestrado) trabalhamos a questão da mortalidade materna nas mulheres negras no Estado do Paraná, que tem Comitê de Mortalidade Materna desde 1989 e, desde 1993, coletamos raça, o quesito cor conforme adotado hoje pelo IBGE. O que encontramos neste estudo? Primeiro, a população negra no Estado do Paraná não passa de 23%. Amarela não chega a 1%, isso no Censo de 1991. O que encontramos na morte materna? Que o risco das mulheres pretas era sete vezes mais do que as amarelas, cinco vezes mais que as brancas. Na mortalidade materna, quem morre? As excluídas totalmente, as menos escolarizadas, as de menor renda, mas quando fazemos o recorte de raça, vemos nas três colunas centrais que as mais pobres realmente são as negras – isso já é uma repetição em vários outros estudos.

Quando vemos na escolaridade, é também a mesma coisa, as negras e, entre as negras, as pardas e as pretas, também têm menor escolaridade. Outro dado interessante: de acordo com o Censo, as mulheres pretas no Estado do Paraná eram 2,2%, mas no grupo de mortes maternas elas foram 8%. A razão de morte foi maior tanto para as pretas quanto para as amarelas, vejam a diferença, razão das amarelas é de 356 por cem mil nascidos vivos; as pretas, 318; as brancas, 48 e pardas, 37. A questão das mulheres amarelas é muito interessante: elas têm condição de renda e de escolaridade muito superior à das mulheres negras, mas tiveram a razão e o risco de mortalidade igual ou maior.

Nos últimos anosvêm surgindo vários estudos com recorte de raça na saúde reprodutiva. Inez Perpétuo, de Minas Gerais, trabalhou com os dados da PNAD e foi interessante o resultado. Tudo para as mulheres negras é pior, mas o diferencial significante é por classe social. Outro trabalho que existe é do Fiocruz, de Maria do Carmo Leal e Silvana Granado. Casualmente, na pesquisa que estava avaliando o atendimento nas maternidades, acabaram constatando que as mulheres negras eram discriminadas na hora da assistência. Este exemplo que trouxemos, até na hora da anestesia, da analgesia do parto, é feito mais para as brancas do que para as negras. Então, apesar de termos vários problemas com a classificação de raça, saímos de trabalhos totalmente quantitativos para trabalhos mais qualitativos. Aqui é uma série de outro trabalho que fizemos no ano passado para o DFID com o Ministério da Saúde sobre diferenciais raciais na mortalidade materna no Brasil. A legenda, “nascidos vivos” – SMS, MS – tem como fonte os dadosda Secretaria Municipal de Saúde ou a base de dados do Ministério. Considero interessante, a

despeito da confiabilidade ou não dos dados, calcular a razão com as duas fontes de dados. O que observamos está bem visível. Independente da fonte, no geral, as mulheres pretas sempre terão uma razão maior. Voltando ao slide, na questão das minorias. A cor cinza é da base de dados da Bahia, observem que as mulheres brancas na Bahia têm uma razão maior do que as pretas, quase atingindo o mesmo número que as pretas. O risco de uma mulher branca na Bahia é de 2,6%, o risco parecido com o da mulher preta de 3,7%. Então, trabalhamos com quatro bases de dados. Mas se tínhamos a base do Paraná porque pegamos a base da Bahia? Porque quando, em outro estudo, trabalhamos somente o dado do Paraná, fomos bastante questionados por alguns pesquisadores, porque a população negra do Paraná não chega a 2,3%. Então, trouxemos a Bahia que, em algumas cidades chega a 70% a 80% de população negra, para podermos comparar. O que constatamos é que ser mulher branca, pobre e com baixa renda na Bahia, tem o mesmo risco que qualquer mulher negra em outro lugar. Por outro lado, a população negra é maior nas regiões Norte e Nordeste, portanto, tem de encaminhar os recursos para lá. Em nossas oficinas com o pessoal do DFIDeu sempre afirmava que a questão do racismo institucionalizado neste País é tão complexa que, apesar de no Paraná sermos apenas 2,3% da população, o maior risco de morte ainda é no Estado do Paraná. As mulheres negras morrem mais no Paraná porque são em número menor do que no Norte e Nordeste que é todo mundo igual. A questão é mesmo da exclusão de qualquer diferente, esse é o nosso problema.

O estudo da mortalidade materna em si já tem várias limitações, tanto, que existem os comitês de morte materna para podermos ter dados mais fiéis. Neste estudo, como só tínhamos e podíamos trabalhar com estas quatro bases de dados, encontramos, por exemplo, no “nascidos vivos” os dados para podermos calcular o coeficiente de mortalidade materna. A cidade de São Paulo chega a quase 46% de informação ignorada quanto a raça. Então, o dado fica extremamente complicado e com várias limitações. De qualquer forma, conseguimos ver, nesta base de dados, que um percentual grande, de 44% dos óbitos de mulheres negras são tardios. O que significa isso? Se já nos assustaram aqueles gráficos mostrando a situação das mulheres negras e das pretas em particular, imagine que os óbitos tardios não estão ali. A maioria é solteira – já existem vários estudos mostrando quea razão de mortalidade materna foi maior em São Paulo, mas tem de se dar um desconto por conta do maior número de ignorados, de nascidos vivos. O risco para as mulheres negras, voltando à Bahia foi de 3,7%; no Paraná, 8,2%. Temos a questão genética incrustada, não há como modificar isso. Então, obviamente, os óbitos por eclâmpsia são maiores nas mulheres negras, assim como os óbitos por hipertensão arterial. Estes resultados são referendados de alguma forma pelo trabalho do Luiz Eduardo Batista, do Estado de São Paulo. Seu estudo mostrou que a morte materna entre as mulheres pretas supera as brancas em cinco ou seis vezes, são os mesmos resultados nossos. CHOR e LIMA em 2005 fizeram um trabalho nas capitais e também encontraram sete vezes maior o risco de óbitos para mulheres negras. O pessoal da Secretaria de Saúde de Estado do Rio de Janeiro, infelizmente, não conseguiu pegar o relatório de 2004, mas já está trabalhando desde 1995 com recorte de raça, é um trabalho muito bem feito. Em 1999, eles constataram que os óbitos das mulheres negras eram 1,8% maior. Em 2000, aumentou para 2,3%. Para 2004, além

de calcular a razão, eles também estão fazendo o recorte para todas as variáveis de morte materna. É um grande avanço, melhor que o nosso do Estado do Paraná, é uma fonte para ser consultada. Um trabalho bem recente que concluímos para a Rede Feminista de Saúde é sobre o aborto, o “Dossiê Aborto – Mortes preveníveis e evitáveis”. Claro que fizemos o recorte de raça e o que encontramos: a razão de morte materna para as brancas é de 5,59% , para as pardas de 9,8% e 36% para as pretas.

Temos optado por trabalhar, no caso da mortalidade materna, da seguinte forma: brancas e não brancas ou população branca e negra, mas sempre trabalhar desta forma como está aí – branca, preta, parda e indígena. Porque, pelo menos, na maioria de bases de dados que trabalhamos, que é do Paraná, há um problema seríssimo de classificação. A população parda, na maioria das vezes, tem um nível muito melhor até do que disseram para os próprios brancos, o número de pardos é extremamente elevado. Uma outra questão: o número de óbitos de aborto espontâneo ou mola, para as mulheres pretas foi exatamente metade. Então, temos realmente o problema do aborto inseguro, do aborto provocado inseguro, mas também temos de pensar – e foi isso que detectamos –, independente de a mulher ter provocado ou não, quando chega ao Serviço Médico, não é atendida, é tratada como criminosa e acaba morrendo. E, destas que morreram, pelo menos metade ou muito próximo a isso, não provocou aborto. A maioria delas é solteira e de baixa escolaridade. O que observamos ao final: não há outra forma de reduzir a mortalidade materna, seja por aborto, seja por qualquer causa, a não ser a mudança da condição de vida das mulheres. Temos, desde março de 2004, um pacto nacional de redução de morte materna neste País. Não vemos outra forma de conseguir reduzir, a não ser que, realmente, o pacto seja efetivado. Outra questão importante é tornar a mortalidade materna visível. Quanto mais pudermos falar que não é possível no século vinte e um a mulher ter que morrer na gravidez. Este tema tem de estar na mídia, em todos os eventos, mesmo que isto custe muito.

O terceiro ponto que foi e está sendo muito importante para as mulheres negras, é a manutenção do quesito cor em toda a documentação oficial. Tenho visto vários trabalhos específicos sobre auto-classificação de raças. Mesmo que leve vinte ou trinta anos com esses mesmos itens que temos na classificação de raça/cor, esses cinco quesitos, temos de continuar a usá-los, até que nós, depois de tantos anos, que nascemos achando que éramos todos brancos e iguais, como ela bem finalizou no início dessa Mesa, vamos ter de aprender que não somos iguais. Que temos amarelo, branco, pardo e indígena. Acredito que tenhamos de manter. Mais do que isso, voltando à mortalidade materna especificamente, que é o quarto item, qual é o problema que mais nos aflige na mortalidade materna de negras? Saiu o decreto da raça em 1996 e só o decreto. Foi posto o quesito raça/cor em cinco itens (branca, preta, parda, indígena e ignorado)em todas as DOs e DNs, que é a nossa fonte de dados básicos para trabalhar a mortalidade materna. Mas perguntem quais profissionais de saúde foram treinados, primeiro para saber o que são esses cinco itens e que tem encaixado em cada item; segundo, não é ele quem classifica. Deve- se perguntar para a pessoa. Outro ponto: do que morrem as mulheres? As mulheres do Brasil, de toda a América Latina quase, morrem de DHEG - doença hipertensiva específica da gravidez e de hemorragia. Como ocorre a DHEG? Em mulher que não

fez um pré-natal ou, se o fez – os dados mostram que a grande maioria, acima de 90 a 95% fez e tinha lá uma pressão alta que alguém da enfermagem verificou, mas não sabia verificar. Ou ainda, peguema carteira de pré-natal da mulher que foi internada, convulsionando de eclampsia, consultou ontem na unidade e a PA estava 120 por 80. Ou ainda: fez o pré-natal direitinho, mas mesmo assim acabou internada, por que? Foi internada e o doutor que atendeu no plantão não sulfatou essa paciente. Em muitos estados, sabemos que os médicos são contrários à sulfatação. Essa mulher vai direto para a cesárea. Ou morre já na cesárea ou morre, depois, de infecção. Então, só se morre por eclampsia por causa disso. Problema no pré-natal, de uma equipe de enfermagem que não sabe verificar PA. Problema na internação hospitalar de médico que não sabe sulfatar pacientes.

O segundo maior problema são as hemorragias. Falta do pessoal da enfermagem em acompanhar o pós-parto. Quando se vê, a mulher já está esvaída, morreu numa poça de sangue. Enfim, digo isso neste último item porque, pelo menos nos estudos que temos acompanhado há uns quinze anos no Estado do Paraná, metade dos óbitos é por erro ou negligência dos profissionais. Sei que vocês fazem este evento para trabalhar a questão de políticas públicas. Não adianta só construir UTIs. Temos de treinar os profissionais. Se não formos trabalhar com o MEC na avaliação desse quilômetro e meio de escolas de Enfermagem e Medicina que foram abertas, o pessoal sai da escola sem saber o mínimo do mínimo, que é atender uma gravidez complicada ou de alto risco. A Seppir, criada no governo Lula, conseguiu realizar o primeiro seminário de promoção de saúde da população negra. Tivemos duas Marchas Zumbi. Enfim, existe uma vasta documentação do que se precisa para a população negra. No caso da mortalidade materna, acho que é preciso mais do que está escrito. Precisa-se, realmente, treinar os profissionais. Mas, só treinando os profissionais, sem melhorar a vida das mulheres, também não vamos a lugar nenhum. Por isso, esse meu último slide é no sentido de pedir que tudo o que já foi escrito em relação à saúde e à educação – vocês têm muito mais trabalho nessa área do que eu, com o recorte racial – vai-se ver que os chefes de família são as mulheres. Pode ter certeza que a grande maioria são as negras, as mães solteiras são as negras e daí por diante. Agradeço muito pela oportunidade.

PESQUISA SOBRE PLANEJAMENTO FAMILIAR

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