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RELATO QUALITATIVO P auLa m iraNda r ibEiro

No documento RelatorioUNFPAPopePolPub (páginas 57-61)

Professora associada do Departamento de Demografia e pesquisadora do Cedeplar, UFMG

A Sessão “População nas Políticas Públicas: raça” foi coordenada por Wania Sant’Anna (Universidade Estácio de Sá e CNPD) e teve como expositores Mário Theodoro (Senado Federal) e Diva Moreira (PNUD). Wania Sant´Anna abriu a sessão apontando para o fato da CNPD ter, desde o início, criado espaço para se discutir as questões raciais dentro do debate de população e desenvolvimento, sem que houvesse resistência temática ou política ao tema. Além disso, Sant´Anna apontou para a interseção das dimensões de gênero e raça e para a incorporação de demandas dos movimentos sociais a elas associados.

Mário Theodoro, o primeiro palestrante, discorreu sobre desigualdade racial no mercado de trabalho, com ênfase no setor informal. Ele começou sua fala com números sobre o tamanho da PEA brasileira (comparável à população da Alemanha) e a alta proporção de desempregados – cerca de 10% da PEA, ou 8,5 milhões de pessoas. Theodoro apontou para três importantes tendências do mercado de trabalho brasileiro – baixo rendimento do trabalho, alto desemprego e alta informalidade – e informou que iria se concentrar na última. A informalidade, segundo ele, tem três requisitos básicos: alta desigualdade, ausência do Estado em termos de marcos regulatórios e capacidade de articulação das atividades informais. O autor apresentou dados de uma pesquisa própria, conduzida no GDF, com trabalhadores de três atividades informais: emprego doméstico, comércio de rua e autônomos na construção civil. Os números indicaram que 2/3 dos trabalhadores eram negros e apenas 1/3 era branco. O autor concluiu que o setor informal é negro e, sendo

assim, não é possível tratar da informalidade sem tocar na questão racial. Por fim, Theodoro calculou os custos do racismo. Uma simulação em três áreas básicas – habitação, acesso à água e ao esgoto e educação – sugere que a redução da distância entre brancos e negros custaria algo em torno de 67,2 bilhões de reais. O fato do governo destinar apenas cerca de 15 milhões de reais por ano para a promoção da igualdade racial é insuficiente diante desse quadro.

A segunda palestrante, Diva Moreira, começa sua fala recuperando o conceito de reparação. A República brasileira é, segundo a autora, fundada num projeto de nação excludente e, para que a dívida social em relação à população negra seja de fato resgatada, é preciso pensar em políticas universalistas e políticas de ação afirmativa. Moreira defende a combinação de ambas as abordagens de políticas públicas e questiona se políticas ditas universalistas, tais como a educação, no fundo não o são porque os resultados para brancos e negros, medidos através de desempenho, por exemplo, não são os mesmos. Um segundo ponto da fala de Moreira remete às transversalidades que precisam ser examinadas em conjunto com a questão racial. Entre elas estão o gênero – uma vez que a mulher negra sofre duplamente, por ser negra e, em geral, mais pobre –, a questão regional – já que algumas regiões são claramente mais negras e mais pobres que outras – e o viés geracional – com ênfase nas crianças negras e na juventude negra, ambas reconhecidas como grupos mais vulneráveis. Finalmente, a palestrante aborda as políticas de ação afirmativa e a necessidade de que ela seja de curto prazo. Ao final, a autora conclui com um apelo para que as políticas de cotas consigam articular o combate ao racismo com o combate à pobreza.

Em suma, os dois palestrantes trouxeram contribuições importantes para o debate sobre políticas públicas à luz de um recorte racial. Moreira fez uma discussão mais ampla sobre políticas públicas de uma maneira geral, encaixando nela a questão racial, ao passo que Theodoro tomou o mercado de trabalho enquanto locus onde a desigualdade racial se manifesta.

Como demógrafa, gostaria de contribuir para o debate sobre políticas públicas e relações raciais trazendo alguns indicadores que apontam para as enormes diferenças entre brancos e negros neste País – negros entendidos como aqueles auto-declarados pretos e pardos, a partir das categorias utilizadas no quesito cor das pesquisas do IBGE. Estas desigualdades são reveladas nos indicadores apresentados no Atlas Racial Brasileiro.2

No caso da educação, os diferenciais entre negros e brancos se reduziram pouco entre 1980 e 2000, quando medidos em termos de escolaridade da população de

2 Elaborado a partir de uma parceria entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o ARB apresenta indicadores construídos a partir dos dados dos Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000; das PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) realizadas a partir de 1982; da Pesquisa sobre Saúde Familiar no Nordeste do Brasil (PSFNe), de 1991, e da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), de 1996. Os indicadores estão divididos em sete blocos temáticos: demografia, saúde – condições e acesso a serviços, saúde reprodutiva, família e domicílio, educação, trabalho e renda, e cobertura trabalhista e previdenciária. Para maiores detalhes, vide Miranda-Ribeiro, P. e Oliveira, A.M.H.C. Atlas Racial Brasileiro: conteúdo, usos e limitações. In: Maria Stela Grossi Porto; Thomas Patrick Dwyer. (org.). Sociologia e Realidade : Pesquisa Social no século XXI. Brasília: Editora UnB, 2006, v. 1, p. 305-317.

15 anos e mais. Em 1980, a diferença de anos médios de estudo entre brancos e negros era de 2,11 anos em favor dos brancos, passando para 2,09 em 1991 e 1,93 em 2000 – uma redução de cerca de 9%. Apesar disso, o número médio de anos de estudo da população nesta faixa etária aumentou 70%, passando de 4,3 para 7,3 anos entre 1982 e 2003, ano em que os brancos tinham, em média, 8 anos de estudo, contra 6,3 dos negros.

Um outro indicador importante na área de educação é a taxa de eficiência, que dá a porcentagem de matrículas que estão na faixa etária adequada. Em 1982, entre os brancos, a porcentagem de matrículas na faixa etária adequada era 89% maior que a dos negros. Em 2003, a diferença caiu consideravelmente, mas ainda assim a taxa de eficiência dos brancos ainda era 48% maior que a dos negros. No caso do ensino médio, onde apenas 35,5% das matrículas estavam na faixa etária adequada em 2003, a taxa de eficiência dos brancos, nesse mesmo ano, era 73,7% maior que a dos negros – ainda muito alta mas, ainda assim, uma redução significativa, levando-se em consideração que, em 1982, o hiato entre brancos e negros era de 117,7%.

Com relação ao analfabetismo, apesar da queda significativa na taxa entre 1980 e 2000, a distância entre brancos e negros continuava expressiva em 2000. Enquanto, em 1980, a taxa de analfabetismo das mulheres negras de 15 a 19 anos era o triplo da taxa das mulheres brancas do mesmo grupo etário, em 2000 a taxa de analfabetismo das negras ainda era 2,5 vezes a das brancas. No caso dos homens de 15 a 19 anos, em 1980, havia 3,6 vezes mais negros analfabetos do que brancos; vinte anos depois, ainda havia 2,7 vezes mais negros do que brancos nessa condição. Portanto, Moreira parece ter razão ao afirmar que, apesar das políticas universalistas, a educação no Brasil ainda produz resultados desiguais para negros e brancos. Os dados aqui apresentados também reforçam o ponto de vista de Sant’Anna quanto à interseção entre gênero e raça.

Um dado que reforça o ponto de Theodoro a respeito da sobrerepresentação das negras entre as empregadas domésticas é a sobre-representação das brancas entre as mulheres economicamente ativas com nível superior. Segundo o Atlas, as brancas de nível superior na PEA passaram de 7,5% em 1980 para 11,4% em 2000, ao passo que as cifras para as negras foram, respectivamente, 1,3 e 3,1%. Portanto, apesar da melhoria para ambos os grupos e da maior melhoria relativa entre as negras, a diferença entre negras e brancas continua muito grande.

Com relação à pobreza, a proporção de negros abaixo da linha de pobreza no total da população negra no Brasil vem mantendo uma tendência constante desde 1995 — em torno de 50%. Enquanto isso, a proporção da população branca abaixo da linha de pobreza é exatamente a metade, ou seja, 25%. Não se verificou nenhum avanço na diminuição dos diferenciais entre negros e brancos pobres desde o início da década de 1980, quando começa a série estatística contida no Atlas. O mesmo acontece com a proporção de negros abaixo da linha de indigência no total da população negra no Brasil, que também vem mantendo a mesma tendência desde 1995 – em torno de 25%, muito superior à proporção de brancos, que é de cerca de 10%.

Outros dois indicadores demográficos também vão ao encontro do argumento das enormes desigualdades raciais no Brasil. A esperança de vida ao nascer, ou o

número médio de anos que um indivíduo espera viver, é bastante desigual entre negros e brancos. Em 1950, os brancos esperavam viver, em média, 7,5 anos a mais do que os negros. Meio século depois, apesar de ambos os grupos terem aumentado sua esperança de vida, a diferença entre eles não foi muito alterada: caiu de 7,5 anos para 5,3 anos. Entre 1980 e 2000, os homens brancos ganharam cerca de 9,5 anos na esperança de vida, ao passo que, entre os homens negros, esse ganho foi de apenas 6,3 anos.

A mortalidade infantil, que mede a mortalidade no primeiro ano de vida, também revela grandes diferenças entre negros e brancos. Em 2000, a taxa de mortalidade infantil das crianças filhas de mulheres negras ainda era cerca de 66% maior que a das crianças filhas de mulheres brancas, apesar da maior queda relativa da mortalidade das crianças filhas de mães negras vis-à-vis as filhas de mães brancas observada entre 1980 e 2000.

Um indicador de infra-estrutura pode jogar alguma luz no debate sobre políticas universalistas versus políticas focalizadas – debate complexo e que não será tratado especificamente aqui. Em 1980, apenas 68,2% dos domicílios brasileiros tinham energia elétrica. Em 2000, a cobertura atingia 94,6% dos domicílios, valor próximo à universalização. Levando-se em consideração apenas os domicílios 5% mais ricos, também é possível afirmar que a cobertura de energia elétrica era universal em 2000. No entanto, o mesmo não ocorre nos domicílios 20% mais pobres, nos quais a situação dos negros era pior – 22,1% dos domicílios com responsável negro não tinham energia elétrica em 2000, contra 14,3% dos domicílios cujo responsável era branco. Apesar das diferenças entre brancos e negros pobres, os avanços entre 1980 e 2000 também foram expressivos. A cobertura de energia elétrica nos domicílios pobres com responsável negro era, em 2000, 2,5 vezes a cobertura de 1980. Entre os domicílios com responsável branco, a cobertura em 2000 era 1,7 vezes a de 1980. Portanto, entre 1980 e 2000, houve avanços extremamente significativos no sentido de reduzir a diferença entre brancos e negros pobres no que tange à cobertura de energia elétrica.

Os indicadores apresentados aqui apontam, de forma inequívoca, que ainda há uma enorme distância entre brancos e negros, apesar dos avanços ocorridos entre 1980 e 2000. Em boa parte dos indicadores, brancos e negros ganharam igualmente, de forma que a distância entre os dois grupos permaneceu praticamente constante. Em outros indicadores, a velocidade da redução da distância entre os dois grupos foi tal que seriam necessários muitos anos para que os grupos se igualassem. As evidências empíricas sugerem, portanto, que políticas de caráter universal pouco têm funcionado no sentido de reduzir, num período de tempo razoável, a diferença entre negros e brancos no Brasil.

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Professora do Departamento de Serviço Social da UnB, coordenadora do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos e técnica da área de Direitos Humanos, Justiça e Cidadania do IPEA

Gostaria de lembrar que a questão das gerações é um tema que ganhou visibilidade nos anos mais recentes. Diria que é uma característica associada à pós-modernidade, por estar muito articulada ao campo dos direitos difusos, como no caso do direito ao futuro. A questão geracional é muito comprometida com esse tema. A reflexão sobre a questão das gerações, que envolve as crianças, os jovens, os adultos e os velhos, vem ganhando espaço nas políticas públicas, nas pesquisas e também nos princípios inovadores de um processo civilizatório, comprometido com o futuro que desejamos com respeito à natureza, à solidariedade entre as diferentes gerações, de uma maneira que a sociedade possa se beneficiar da rebeldia crítica e transformadora dos jovens e da sabedoria paciente e pedagógica dos velhos.

POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE, BALANÇO E

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