• Nenhum resultado encontrado

O poder político das nomenclaturas

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 56-60)

1. OS CURSOS DE LETRAS PORTUGUÊS/ITALIANO NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

2.1 Políticas linguísticas

2.1.4 O poder político das nomenclaturas

Durante muito tempo, em muitos lugares, pensava-se que para uma nação crescer, permanecer em uma unidade e ter um orgulho patriótico, a sua língua deveria ser uma só. Portanto, uma nação teria uma cultura e uma língua.

A língua de uma nação deveria ser unida, obrigatoriamente única, uma língua digna e também fazer parte da alta classe socioeconômica, ser o seu vernáculo, língua materna usada principalmente em contexto de comunicação espontânea. Para tal, os falares das camadas economicamente mais baixas da sociedade eram tratados como dialeto e não estariam à altura de serem chamadas de língua. Esta noção de unidade através de uma única língua é um pensamento retrógrado e sem fundamentos, de acordo com Rajagopalan (2005). Segundo o autor, temos exemplos de países como o Canadá, Bélgica e Suíça, que possuem mais de uma língua oficial e mesmo assim sua soberania nacional e cultura não estão ameaçadas.

Antes de entrar mais profundamente nas questões políticas das nomenclaturas serão observados neste ponto os significados de cada nomenclatura utilizada no presente estudo. Para tal, fora

utilizado o dicionário Michaelis online

(<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues /index.php > acesso em 23/09/2014), o dicionário Dicio (<http://www.dicio.com.br/> acesso em 23/09/2014) e também serão observados verbetes extraídos do glossario do livro Sociolinguística - uma introdução crítica de Louis-Jean Calvet (2002)

Primeiramente, serão explicitados os significados relacionados à língua, extraídos do dicionário Michaelis online.

Língua: Idioma, linguagem, fala

Dialeto: Modalidade regional de uma língua, caracterizada por certas peculiaridades fonéticas, gramaticais ou léxicas.

diversidade. 3 Mudança ou alteração na substância das coisas ou em seu uso. 4 Multiplicidade. 5 Alternativa.

Patoá: Fala ou dialeto local usado por uma camada socialmente inferior da população.

Crioulo: Ling Dialeto colonial de uma língua da Europa.

Vulgar: 1 Pertencente ou relativo ao vulgo. 2 Comum, frequente, ordinário, trivial. 3 Baixo, íntimo, reles. 4 Que não se distingue dos seus congêneres; medíocre, ordinário. 5 Que não é expressivo; que não é significativo; que não revela condições de talento. 6 Que não se recomenda por caráter algum de nobreza ou de distinção. 7 Diz-se da era de Cristo. 8 Diz-se da língua falada pelo povo. Os verbetes do dicionário Dicio:

Língua: s.f. 1 Conjunto dos elementos que constituem a linguagem falada ou escrita peculiar a uma coletividade: a língua portuguesa. 2 Sistema de vocabulário e sintaxe usado em determinada época, por certos escritores, em uma ou outra profissão etc.: a língua do séc. XVI, de Guimarães Rosa, dos tribunais.

Dialeto: s.m. Variedade regional (ou social, ou etária) de uma língua.

Variedade: s.f. 1 Qualidade de vário ou variado. 2 História natural Subdivisão das espécies que se fundamenta em pequenas diferenças nos caracteres distintivos dos indivíduos da mesma espécie. 3 S.f.pl. Tipo de espetáculo teatral com números variados.

Patoá: s.m. 1 Cada um dos dialetos franceses (picardo, normando etc.). 2 P. ext. Dialeto de qualquer idioma. (Aport. do fr. patois.)

Crioulo: adj. e s.m. 1 Diz-se de, ou pessoa de raça branca, nascida nas mais antigas colônias européias (Antilhas, ilha Bourbon etc.). 2 Outrora, negro nascido na América; atualmente, qualquer homem negro. 3 Escravo nascido na casa do senhor. 4 Bras. (RS) O natural (de qualquer região do Estado). 5 Cigarro feito de palha e fumo de rolo. 6 Dialeto falado pelos habitantes de antigas

colônias européias na América (sobretudo nas Antilhas).

Português falado em colônias ou possessões portuguesas da África.

Vulgar: 1 adj.m e adj.f. Que se refere ou pertence ao povo, à plebe; comum ou popular: língua vulgar. 2 Que respeita as regras comuns; que não se distingue dos demais; usual: tem um conhecimento vulgar. 3 De procedência ruim; de natureza baixa; grosseiro, rude: fez uso de linguagem vulgar. 4 Conhecido por muitas pessoas; sabido: é vulgar a paciência dos monges. 5 s.m.

Aquilo que é vulgar; banal. 6 A língua nativa ou vernácula de um país: escrever um texto em vulgar. (Etm. do latim: vulgaris.e)

Verbetes extraídos do livro Sociolinguística - uma introdução crítica (CALVET, 2002):

Crioulo: nome que se dá a um pidgin quando se torna língua materna de uma comunidade linguística.

Língua franca: meio de comunicação usado entre pessoas que falam línguas diferentes.

Patoá: originalmente, em francês (patois), designava variedades linguísticas de regiões geográficas específicas. Com o tempo, porém, passou a ser usado como termo pejorativo para designar qualquer tipo de variedade linguística não padrão, sobretudo as empregadas por indivíduos das classes sociais menos prestigiadas.

Pidgin: sistema de comunicação linguística que não tem falantes nativos, sempre utilizado, portanto, como segunda língua e que resulta no contato entre grupos de falantes de línguas diferentes; língua de comércio, língua de contato. Quando se torna língua materna de uma comunidade, o pidgin passar a ser designado como crioulo.

Variação: numa comunidade linguística, possibilidade de representação de determinados elementos linguísticos (fonéticos, morfológicos, sintáticos etc.) por diferentes modos de expressão. A sociolinguística se caracteriza pelo reconhecimento da variação linguística como constitutiva das línguas humanas e por assumir essa heterogeneidade natural como objeto de estudo.

Variante: forma linguística que representa uma das alternativas possíveis para a expressão, num mesmo contexto, de determinado elemento fonológico, morfológico, sintático, ou léxico. Por exemplo, no português brasileiro, as pronúncias praca e placa para o que se escreve PLACA. Um conjunto de variantes recebe o nome de variável linguística.

Variedade: sistema de expressão linguística que pode ser indentificado pelo cruzamento de variáveis linguísticas (fonéticas, morfológicas, sintáticas etc.) e de variáveis sociais (idade, sexo, região de origem, grau de escolarização etc.).

Língua veicular: Língua amplamente utilizada pelo falante, como, por exemplo, na educação e no contato com instituições oficiais, e que não é a sua língua materna. É o caso, por exemplo, do português nas ex colônias portuguesas da África. Também chamada de segunda língua.

espontânea.

Com base nos significados extraídos dos dicionários, é possível observar que só a nomenclatura língua traz consigo um valor de destaque, de unicidade e referência, pois, todos os outros termos se caracterizam como subprodutos da língua oficial e não uma outra manifestação tão legítima como a língua escolhida ou imposta como oficial.

No glossário presente no livro de Louis-Jean Calvet (2002) não se encontra o verbete língua, contudo, pode-se observar um maior aprofundamento teórico relacionados aos verbetes analisados, valendo-se da metalinguagem para explicar e embasar melhor o significado das palavras elencadas no presente ponto.

Calvet (2002 p.170) atenta ao sentido pejorativo que algumas dessas nomenclaturas receberam, como, por exemplo, patoá. Porém, no mesmo glossário o autor faz a escolha de não chamar, primeiramente, o pidgin e o crioulo de língua, as chamando de sistema de comunicação linguística.

“Língua, para mim, está longe de ser um objeto e muito menos um objeto pronto e acabado. Língua é algo que a gente cria e molda à medida que se vai falando. Língua é um abstrato a posteriori. Uma questão muito mais importante é a vivência dos cidadãos, pessoas que criam suas línguas. Nesse sentido, conceitos linguísticos não têm nada a ver, isto é, não têm nenhuma validade, a não ser a validade política. Língua é uma bandeira política que você ergue de acordo com suas conveniências políticas.” (RAJAGOPALAN, 2005, p.176)

Ao observar os estudos de Rajagopalan (2003, 2004 e 2005) nota-se que as nomenclaturas não estão só desenvolvendo um papel norteador de significados, mas sim, ressemantizando os mesmos, atribuindo novos significados aos falares e subjulgando-os a um falar oficializado por uma instituição de poder político, a qual impera e mantém essas escolhas de acordo com os seus interesses muitas vezes excluindo parte da população por culpa de sua língua.

2.1.4.1 Origem da divergência sobre a visão de língua e seu caráter social.

Ao falar do poder político enraizado nas nomenclaturas e seu reflexo em um contexto social é importante salientar a discordância teórica em relação à língua e sua posição social.

Louis-Jean Calvet (2002, pp. 13-17) afirma que os conflitos sobre uma posição social da língua teve início na dicotomia de teorias entre Ferdinand de Saussure e Antoine Meillet.

Calvet (2002) afirma que o linguísta francês Antoine Meillet enfatizou diversos trabalhos sobre o fator social da língua. Contudo, um trabalho de destaque foi considerado por Calvet como contentor característico precisamente do aspecto social da língua o Comment les mots changent de sens (1905-1906) [Como as palavras mudam de sentido]. Neste trabalho Meillet afirma que a linguagem é um fator social e que uma língua existe independentemente dos indivíduos que a falam.

A língua tem o aspecto da exterioridade em relação ao indivíduo mesmo que a mesma não possua nenhuma realidade externa à soma dos seres falantes dessa língua.

Antoine Meillet, segundo Calvet (2002, p.14), é constantemente apresentado como discípulo de Ferdinand de Saussure. Porém, após a morte de Saussere o Curso de linguística geral (SAUSSURE, 2006) foi publicado e as divergências teóricas entre Meillet e Saussure fizeram-se mais evidentes.

Calvet (2002) afirma que os estudos de Meillet tomaram distância das teorias de Saussure, pois, Ferdinand de Saussure separa a variação das condições externas à língua, este fato, para Meillet, era inexplicável. Portanto, Meillet entra em contradição com a premissa de uma dupla visão saussuriana sobre a língua, uma diacrônica e uma sincrônica. Meillet aborda o caráter social da língua sobre uma perspectiva onde a abordagem interna converge com a abordagem externa dos fatos linguísticos e, também, as abordagens diacrônicas e sincrônicas. (CALVET, 2002, p.15). O que se pode observar a partir dos estudos de Saussure e de Meillet é uma visão social ligada à língua sobre perspectivas diferentes. Saussure coloca em polos opostos a linguística interna e a linguística externa, difere a abordagem diacrônica da abordagem sincrônica. Meillet pega essas características, que para Ferdinand de Saussure não podem ser colocadas num mesmo terreno, associa-as e busca a explicação através da história. Pode-se concluir através dos estudos de Calvet (2002) que os dois linguistas estudados no presente ponto têm teorias divergentes no que tange a linguística geral e sobre o caráter social da língua.

O caráter social e político da língua são aspectos linguísticos relevantes para a presente pesquisa, portanto, a explanação da origem desses conceitos se faz pertinente para a contextualização do papel da língua estrangeira na formação dos alunos de LPI das IES/RJ analisadas.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 56-60)