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4.3 O direito-dever fundamental de todos ao meio ambiente

4.3.3 O princípio da solidariedade como objetivo fundamental da República e suas

ecológicos

O ideal de solidariedade e as ações por ele norteadas são muito antigos na história das sociedades humanas. Modernamente, compôs a tríade axiológica que orientou a Revolução Francesa e, na contemporaneidade, tem sido invocado como fundamento do que se intitula por direitos fundamentais de terceira dimensão381.

Cumpre observar que a ordem constitucional pátria incorpora o reconhecimento jurídico da solidariedade, ao indicar entre os objetivos fundamentais do Estado brasileiro “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I, CF/88).

A partir de uma interpretação sistemática da Constituição brasileira, é possível refletir sobre o impacto deste dispositivo na previsão do caput do art. 225.

Trata-se de tema intrinsecamente relacionado com o direito-dever ecológico, segundo reconhece Casalta Nabais, porque foi a partir da sua positivação que este instituto alcançou a sua merecida repercussão382.

Em respeito à necessidade de precisão conceitual e de desambiguação das categorias com que se lida, é importante destacar a razoabilidade de alguns parâmetros oferecidos por José Casalta Nabais para o enfrentamento adequado da problemática.

O primeiro aspecto a ser esclarecido, nesse sentido, é que, em face da natureza jurídica do dever fundamental de proteção do ambiente, não há cabimento pensar que a solidariedade que o alicerça abranja apenas a dimensão valorativa,

381 Utiliza-

se aqui a terminologia “dimensões” em vez de “gerações” de direitos fundamentais, por nossa aquiescência das observações de Willis Santiago Guerra Filho: “Ao invés de “gerações” é melhor se falar em “dimensões de direitos fundamentais” [...] não apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. Mais importante é que os direitos “gestados” em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já traz direitos da geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam- se um pressuposto para entende-los de forma mais adequada – e, consequentemente, também para melhor realiza-los. Assim, por exemplo, o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social, e com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental”. In: GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: RCS, 2007, p. 43.

382 NABAIS, José Casalta. Solidariedade social, cidadania e direito fiscal. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (coord.). Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005.

que estaria sob o domínio da Ética, que engloba o tratamento virtuoso nas relações interpessoais (“solidariedade dos antigos”); mas sim, principalmente, o sentido que passou a assumir para “os modernos”: o de princípio jurídico e político383384385.

No contexto da matéria tutelada, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, também é insuficiente imaginar uma solidariedade meramente mutualista, ou seja, uma “repartição sustentada pela intenção de criar riqueza em comum em matéria de infra-estruturas, de bens e serviços considerados indispensáveis e necessários [...] ao bom desenvolvimento da sociedade”386.

É preciso ir além, em direção à concepção altruísta do fenômeno em análise, em que não se espera uma contrapartida financeira, uma vantagem econômica imediata, mas tão-somente a gratuidade da ação solidária para com o equilíbrio do entorno387.

Estamos com Nabais na defesa desta solidariedade economicamente desinteressada. Isso porque, embora se reconheçam as boas potencialidades dos instrumentos econômico-financeiros para incentivar condutas ecologicamente orientadas, conforme direcionamento do art. 170, VI, da Constituição, também é evidente que nem sempre – e não raro – a preservação do meio ambiente, que se realiza, dentre outras formas, por meio da internalização das externalidades ambientais, possa implicar em aumento de custos, diminuição de rendimentos, ou em aportes financeiros não desprezíveis com vistas à adoção de bases produtivas mais sustentáveis, ainda que transitoriamente.

Em outras palavras, a ideia de sustentabilidade ecológica, econômica e social não comporta a aferição de vantagens econômicas intermináveis, sem que haja contrapartidas e investimentos em qualidade ambiental.

383 NABAIS, José Casalta. op.cit., 2005, p. 113.

384 Embora estas normas apresentem conteúdo moral bastante forte, é preciso reforçar que elas de fato possuem natureza jurídica. Conforme explica Caroline Vieira Ruschel, “não há que confundir o dever jurídico com a soma de princípios éticos e morais. Portanto, os deveres fundamentais devem ser considerados uma categoria constitucional própria”. In: RUSCHEL, Caroline Vieira. O dever fundamental de proteção ambiental. p.231-266. Revista Direito & Justiça. Porto Alegre, v.33, n.2, 2007, p. 233.

385 “O artigo 3º da Constituição de 1988 é um instrumento normativo que transformou fins sociais e

econômicos em jurídicos, atuando como linha de desenvolvimento e de interpretação teleológica de todo o ordenamento constitucional”. Cf. BERCOVICI, Gilberto. Política Econômica e Direito Econômico. Revista Pensar, v. 16, n. 2, p. 562-588, jul./dez. 2011,. p. 578.

386 Ibid., p. 114.

Além disso, a solidariedade deve ser entendida e realizada em suas dimensões vertical (solidariedade pelos direitos ou paterna) e horizontal (solidariedade pelos deveres ou fraterna)388.

A primeira chama o Estado a garantir o que poderíamos identificar como o mínimo existencial ecológico389. Vincula-se, assim, o poder estatal à efetivação da proteção do bem em questão, restringindo-se significativamente a possibilidade jurídica de sua não realização em virtude de uma pretensa discricionariedade da Administração Pública390.

A segunda, por seu turno, “chama à colação, de um lado, os deveres fundamentais ou constitucionais que o Estado [...] não pode deixar de concretizar legislativamente e, de outro lado, os deveres de solidariedade que cabem à comunidade social ou sociedade civil”391.

Considerando-se a natureza holística do bem ambiental, é pungente que a proteção jurídica se dê não sobre sujeitos e/ou bens singulares e isolados, mas sobre as interrelações, sobre interações bióticas, sobre um conjunto complexo de micro e macroconexões, muitas vezes invisíveis a olho nu.

Deste modo, as tradicionais concepções individualizantes do fenômeno jurídico não comportam a necessidade de salvaguarda destes liames. Por isso é que o princípio da solidariedade se mostra adequado para fundamentar a obrigatoriedade, sobretudo por parte do Poder Público, mas também da coletividade de preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

O alcance das manifestações de solidariedade ecológica juridicamente protegidas pode ser identificado em três dimensões não excludentes392, ou melhor,

388 Ibid.

389 Compreende-se aqui, juntamente com Sarlet e Fensterseifer, que o mínimo existencial ecológico “constitui-se, em verdade, de uma condição de possibilidade do próprio exercício dos demais direitos fundamentais” e que este “não pode ser confundido com o que se poderia denominar de um “mínimo vital” ou um “mínimo de sobrevivência””. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. op.cit., 2010, p. 28-29.

390 Ibid., p. 17.

391 NABAIS, José Casalta. op. cit., 2005, p. 115.

392

Evidência disso se encontra no Documento “Principles of Environmental Justice”, elaborado em Outubro de 1991, em Washington:, cujo primeiro princípio preceitua que a Justiça Ambiental afirma a sacralidade da Mãe Terra, a unidade e interdependência ecológica de todas as espécies e o direito de ser livre da destruição ecológica. (“Environmental Justice affirms the sacredness of Mother Earth, ecological unity and the interdependence of all species, and the right to be free from ecological destruction) Tradução livre.” In: REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL. First National

People of Color Environmental Leadership Summit held on October 24-27, 1991, in Washington

até mesmo complementares entre si, nas quais se vê, ainda, um ascendente direcionamento altruísta393: a solidariedade intrageracional, a intergeracional e a interespecífica, cada uma delas associadas a dimensões/concepções próprias de justiça394.

A noção de solidariedade intrageracional pode ser mais bem compreendida a partir da inteligência do já remetido art. 3º, inciso I, com o inciso III do mesmo artigo – que propugna a redução das desigualdades sociais e regionais como objetivo fundamental da República –, com o caput do art. 225, que atribui, como já foi mencionado, a titularidade do direito-dever de proteção do meio ambiente no Brasil a “todos”, aí compreendidos brasileiros natos e naturalizados e estrangeiros residentes no país, independentemente de seu gênero, origem ou condição social.

Esta preocupação se justifica a partir de evidências históricas e sociológicas395 que levam à constatação de que populações economicamente hipossuficientes, com limitações de acesso à informação e excluídas do exercício do poder político tendem a serem destinatárias dos riscos ambientais civilizatórios em proporção muito maior do que as que possuem o domínio de tais ferramentas396.

A este fenômeno associou-se a noção de injustiça ambiental, ao tempo em que se começou a teorizar sobre o que seria, em contrapartida, o seu ideal de superação: a justiça ambiental397.

Remete-se, assim, à defesa do acesso equitativo ao um meio ambiente ecologicamente equilibrado por parte das gerações presentes:

Essa [...] corrente assinala que desgraçadamente o crescimento econômico implica maiores impactos no meio ambiente, chamando a atenção para o deslocamento geográfico das fontes de recursos e das áreas de descarte dos resíduos. [...] O eixo principal [...] é um interesse material pelo meio ambiente como fonte de condição para a subsistência; não em razão de

<http://www.justicaambiental.org.br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/17_principi os.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2015.

393 MORIN, Edgar. O método: ética. Porto Alegre: Sulina, 2011, v. 6.

394 RAMMÊ, Rogério Santos. Da justiça ambiental aos direitos e deveres ecológicos: conjecturas político-filosóficas para uma nova ordem jurídico-ecológica. Caxias do Sul EDUCS, 2012, p. 129. 395 O grande marco teórico que possibilitou a ident

ificação do que veio a se chamar de “racismo ambiental” foi um estudo realizado por Robert Bullard, em 1987, nos Estados Unidos, que evidenciou maiores chances de exposição de comunidades negras a substâncias perigosas. O estudo teve tamanha repercussão que motivou a criação de um grupo de trabalho para estudar o tema na Environmental Protection Agency – EPA, a agência ambiental estadunidense. Cf. ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

396 ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. op.cit. 397 Ibid.

uma preocupação relacionada com os direitos das demais espécies e das futuras gerações de humanos, mas sim, pelos humanos pobres de hoje [...] Sua ética nasce de uma demanda por justiça social contemporânea entre os humanos398.

Portanto, a noção de solidariedade intrageracional contribui para o fortalecimento da percepção de que integra o dever fundamental do Estado de proteção do meio ambiente a necessidade de resolução hábil dos conflitos socioambientais, cujos exemplos são os mais diversificados: racismo ambiental399, biopirataria400, desigualdades no ambiente urbano, saúde e segurança do trabalhador, dentre outras. Ademais, também se considera, nesse contexto, o problema da desigualdade de gêneros401.

Ressalte-se que importantes legislações infraconstitucionais brasileiras já incorporaram estas ideias. É o caso da Política Nacional da Biodiversidade, prevista no Anexo do Decreto 4.339/2002, que prevê, em seu princípio XV, que “a conservação e a utilização sustentável da biodiversidade devem contribuir para o desenvolvimento econômico e social e para a erradicação da pobreza”; e, ainda, do art. 2º, IX, do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2000), que aponta para a importância da construção de uma “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização”; também relevante mencionar os arts. 15, V e 17, V da Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), que determina à União e aos Estados “metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis”.

398 MARTINEZ-ALIER, Joan. op.cit., p. 33-34. 399

“Carga desproporcional de contaminação em áreas habitadas por afro-americanos, latinos e americanos nativos.”. In: MARTINEZ-ALIER, Joan. O Ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração. São Paulo: Contexto, 2007, p. 341.

400 “Conceito que reporta à apropriação dos recursos genéticos (“silvestres” ou agrícolas), sem remuneração adequada ou sem reconhecer os camponeses ou indígenas como seus donos, incluindo o caso extremo do Projeto Genoma Humano”. In: Ibid., p. 342.

401

“Existe uma dimensão de gênero nos conflitos ecológicos [...]. O papel (socialmente construído) das mulheres de abastecer e cuidar da família insere uma preocupação especial pela escassez e contaminação do ar, do solo, da água e pela falta de lenha. Em muitos momentos as mulheres detêm a parte mais reduzida da propriedade privada [...] as mulheres contam com um conhecimento tradicional agrícola e medicinal específico, que termina desvalorizado pela intrusão comercial ou pelo controle estatal. [...] a contabilidade econômica convencional torna invisível o trabalho doméstico não- remunerado”. In: Ibid., p. 340.

Além da perspectiva intrageracional, Edith Brown Weiss chama a atenção para a solidariedade intergeracional402, afirmando que a consideração das futuras gerações é elemento indispensável para conceber o desenvolvimento sustentável403.

De acordo com esta autora, a ideia de que as gerações presentes herdaram de seus antepassados as condições atuais e de que são guardiãs da Terra para que nossos descendentes possam dela usufruir é usual à humanidade, transcendendo fronteiras geopolíticas, culturais e religiosas.

Com base nisso, defende a teoria da equidade intergeracional, que parte do pressuposto de que as gerações passadas, presentes e futuras tem igual posição em relação ao sistema natural, não havendo embasamento racional para qualquer hierarquia de preferência entre elas.

Isso leva à defesa da existência de direitos e deveres (rights and responsibilities) coletivos, independentemente de se estar a tratar de gerações mais próximas ou mais remotas no tempo.

Weiss se utiliza das bases da Teoria da Justiça de John Rawls – que defende a plausibilidade de acesso a uma noção universal e material da justiça, a partir do exercício de escolha prévia e “cega” de valores considerados justos – para afirmar que, diante da impossibilidade de localizar a geração a que o indivíduo racional

402 A autora defende que se pensem conjuntamente estratégias para realizar a equidade entre as gerações presentes e futuras: “Nenhum país sozinho e nenhum grupo de países tem o poder de assegurar um ambiente saudável para o futuro. Assim, mesmo quando cada país se preocupa apenas com o seu próprio povo, todas as nações devem cooperar no sentido de garantir um planeta robusto no future. Isso inclui atender às necessidades básicas dos pobres para que eles tenham tanto o desejo quanto a capacidade de cumprir as obrigações intergeracionais para conservar os recursos do Planeta. Em muitos casos, as ações precisam atender às necessidades básicas dos pobres são consistentes com aquelas que procuram promover a equidade intergeracional. Há casos, no entanto, onde as ações necessárias para proteger a saúde do planeta para as gerações futuras podem entrar em conflito com as necessidades imediatas de aliviar a pobreza, embora a própria pobreza seja uma causa primária de degradação ecológica. Nesses casos, precisamos desenvolver processos para assegurar que os direitos das gerações futuras sejam devidamente protegidos e ao mesmo tempo combater a pobreza tão rápida e eficazmente quanto possível” (Tradução livre). “No single country or group of countries has the power to ensure a healthy environment for the future. Thus, even when each country cares only about its own people, all nations must cooperate in order to guarantee a robust planet in the future. This includes meeting the basic needs of the poor so that they will have both the desire and the ability to fulfill intergenerational obligations to conserve the planet´s resources. In many instances, the actions need to meet the basic needs of the poor are consistent with those advancing intergenerational equity. There are instances, however, where the actions needed to protect the health of the planet for the future generations may conflict with the immediate needs of alleviating poverty, even though poverty itself is a primary cause of ecological degradation. In these instances we need to develop processes for ensuring that the rights of future generations are adequately protected while at the same time addressing poverty as quickly and effectively as possibleWEISS, Edith Brown, In fairness to future generations and sustainable development. American

University Law Review, v. 8, n. 1, p. 19-26, 1992, p. 22.

pertencerá, cronologicamente falando, não há como imaginar que se atribuiriam direitos maiores aos viventes de hoje.

A partir da reflexão operada pela autora, torna-se ainda mais evidente que a solidariedade é valor constitutivo, intrínseco e indispensável na organização política de qualquer Estado, sobretudo quando se leva em consideração que a pretensão de continuidade do mesmo normalmente é uma de suas finalidades pressupostas.

Com base nisso, Weiss defende que o conteúdo normativo do princípio da equidade intergeracional se subdivide em três diretrizes. Segundo ela, em apertada síntese, cada geração deve: conservar opções de uso da biodiversidade; ser chamada à responsabilidade de manter a qualidade ecológica dos ecossistemas do planeta e não deixá-lo em estado pior do que o que recebeu; e, por fim, prover seus membros de acesso equitativo ao legado das gerações passadas e conservá-lo às gerações futuras404.

Estes princípios devem ser aplicados levando-se em consideração quatro critérios: encorajar a equidade intergeracional; não prever ou induzir os valores das gerações futuras, dando-as uma margem flexível o suficiente para que possam alcançar seus próprios objetivos, segundo seus valores; aplicação clara em situações previsíveis; devem ser compartilhados por diferentes tradições culturais e ser genericamente aceitos por diferentes sistemas políticos e econômicos.

A implementação deste direito-dever das futuras gerações encontra muitos desafios, iniciando-se por críticas até mesmo relativamente à sua possibilidade de existência jurídica.

Segundo Weiss, a principal objeção nesse sentido é que não se poderia falar juridicamente de direito de futuras gerações, tendo em vista a inexistência de previsibilidade mínima dos interesses a proteger. Contudo, responde ela, não se está a tratar de direitos individuais, mas de uma coletividade, o que deve levar a decisões que impeçam o uso ilimitado ou indiscriminado de recursos e que, consequentemente, impactem significativamente até na própria possibilidade de existência das futuras gerações405.

Com a finalidade, portanto, de garantir a perpetuação da espécie humana, de suas múltiplas expressões culturais, Weiss indica que se deve contar com dois

404 Ibid. 405 Ibid.

níveis de implementação dos direitos das futuras gerações: estratégias amplas e ações específicas.

A estratégia mais importante é dar representatividade às futuras gerações nos processos decisórios, que devem ocorrer em diversas instâncias, como na Administração Pública, no Poder Judiciário e nos espaços decisórios do mercado; a segunda tática seria repensar o exercício sustentável das atividades econômicas; em terceiro, o fomento ao desenvolvimento de pesquisas científicas de longa duração, para investigar a substitutabilidade dos recursos, a eficiência de utilização dos mesmos e, por fim, a melhoria das técnicas de gerenciamento da qualidade ambiental406.

Para Canotilho, a aceitação da solidariedade intergeracional como princípio básico obriga as gerações presentes a “incluir como medida de acção e de ponderação os interesses das gerações futuras”, que estão centrados basicamente em três campos: o das alterações irreversíveis dos ecossistemas; o do esgotamento dos recursos; e o dos riscos duradouros407.

Percebe-se, a partir das visões expostas, que a consideração das gerações futuras como destinatárias da proteção ambiental é uma expressão de sofisticação do sentido jurídico da solidariedade, que inclui atores ainda não vistos ou conhecidos entre aqueles a quem é preciso tutelar.

Tal perspectiva foi adotada em inúmeros documentos internacionais, como a Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, de 1972, e a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992 e foi incorporada pela Constituição de 1988, que, de maneira clara e direta, prevê, no art. 225, caput, o dever do Estado e da coletividade de preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Esta preocupação também é expressa em legislações infraconstitucionais importantes, como nas recentes Leis de Política Nacional sobre Mudança do Clima (art. 3º, I, Lei 12.187/2009), e de Política Nacional de Resíduos Sólidos (art. 3º, XIII, Lei 12.305/2010).

406 Ibid.

407 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português: tentativa de compreensão de 30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental

A solidariedade interespecífica, por sua vez, é fruto da necessária reavaliação da pretensa posição de superioridade do homem diante da natureza. Segundo Juan