• Nenhum resultado encontrado

A incompatibilidade com o livre mercado leva ao exame da segunda inadequação da teorização do Estado Ecológico ao edifício da modernidade, que possui natureza política: trata-se da necessidade de repensar algumas questões envolvendo a noção de liberdade.

Como se sabe, na verdade, a experiência democrática e a ideia de liberdade que lhe é associada não são méritos da modernidade, pelo que se faz preciso explicitar que a incongruência apontada por Bosselmann entre o Estado Ecológico diz respeito não a estes fenômenos em si, mas a cargas semânticas específicas, a eles atribuídas em um dado contexto temporal e espacial.

É partir da perspectiva das pesquisas promovidas pelos idealizadores da metodologia da “História dos Conceitos” (Begriffsgeschichte), em especial Reinhart Koselleck, que se admite nesta pesquisa a conveniência de que a análise destes termos deve vir, portanto, acompanhada de esclarecimentos sobre os significados a

eles atribuídos em momentos relevantes, o que, neste caso, remete à consideração de seus contextos originais117118.

Relativamente ao termo ora em exame, contudo, a preocupação não surge com esta escola. Já nos idos de 1819, Benjamin Constant observa algo para que poucas pessoas até então haviam atentado: a existência de uma sensível distinção entre o que se compreendia por liberdade na antiguidade e na modernidade.

Para discerni-las, utilizou expressões que se tornaram familiares entre os estudiosos do tema: a liberdade dos antigos, relacionada à liberdade política e à democracia direta, e a liberdade dos modernos, associada às liberdades individuais e ao exercício da democracia representativa.

Segundo as próprias palavras de Constant, para os modernos, a liberdade é: o direito de não se submeter senão às leis, de não poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de nenhuma maneira, pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de vários indivíduos. É para cada um o direito de dizer sua opinião, de escolher seu trabalho e de exercê-lo; de dispor de sua propriedade, até de abusar dela; de ir e vir, sem necessitar de permissão e sem ter que prestar conta de seus motivos ou de seus passos. É para cada um o direito de reunir-se a outros indivíduos, seja para discutir

117 Veja-se, analogamente, algumas considerações deste autor: “Vejamos por exemplo Aristóteles com a sua formulação do conceito de Koinonia politique, posteriormente traduzido como respublica ou também societas civilis. Certamente ao formular o conceito de Koinonia politique tinha Aristóteles diante de si, como experiência empírica, a realidade da polis e de sua comunidade de cidadãos. Tinha, portanto, diante de si a realidade específica e concreta tanto da cidade de Atenas quanto das outras cidades estado [sic] da Grécia. Foi para estes cidadãos que Aristóteles pensou e concebeu sua política. Com a tradução do termo para o latim como societas civilis, na forma que aparece em Cícero, altera-se o quadro de experiências históricas que possibilitaram a Aristóteles a formulação do conceito de Koinonia politique. Mesmo que o termo ainda possa referir-se à cidadania romana, visto que a cidade de Roma mantém-se no quadro político de uma cidade-estado, a expansão do direito de cidadania nos séculos II e III para as áreas do mar Mediterrâneo configura um quadro de dados históricos empiricamente verificáveis bastante diverso daquele que ensejara a formulação do conceito original de Aristóteles. Agora o conceito de cidadania, restrito à experiência histórica de uma única cidade, ganha nova conotação, passando a designar cidadãos de um mundo bastante ampliado. A palavra pode permanecer a mesma (a tradução do conceito), no entanto o conteúdo por ela designado altera-se substancialmente. O que portanto é uma societas civilis depende do momento em que o termo é empregado. [...] Isso significa assumir sua variação temporal, por isso mesmo histórica, donde seu caráter único (einmalig) articulado ao momento de sua utilização. KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Revista Estudos Históricos,

Brasil, 5, p. jul. 1992. Disponível

em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1945/1084>. Acesso em: 01 Mar. 2014.

118 No mesmo sentido, Simone Goyard-

Fabre se manifesta sobre o ideário democrático: “seria um grave erro de apreciação acreditar que a democracia enquanto princípio constitucional de um regime político tenha uma essência imutável e eterna, cuja radicalidade inspirou todos os modos democráticos de governos dos povos; veremos que, sobre princípios relativamente claros, enxertaram-se as modalidades jurídico-políticas concretas e diversas. [...] essas observações [...] são também um convite à prudência epistemológica”. Cf. GOYARD-FABRE, Simone. O que é

democracia? A genealogia filosófica de uma grande aventura humana. São Paulo: Martins Fontes,

sobre seus interesses, seja para professar o culto que ele e seus associados preferem, seja simplesmente para preencher seus dias e suas horas de maneira mais condizente com suas inclinações, com suas fantasias. Enfim, é o direito, para cada um, de influir sobre a administração do governo, seja pela nomeação de todos ou de certos funcionários, seja por representações, petições, reivindicações, às quais a autoridade é mais ou menos obrigada a levar em consideração119.

Por outro lado, a liberdade dos antigos:

consistia em exercer coletiva, mas diretamente, várias partes da soberania inteira, em deliberar na praça pública sobre a guerra e a paz, em concluir com os estrangeiros tratados de aliança, em votar as leis, em pronunciar julgamentos, em examinar as contas, os atos, a gestão dos magistrados; em fazê-los comparecer diante de todo um povo, em acusá-los de delitos, em condená-los e absolvê-los; mas, ao mesmo tempo que consistia nisso o que os antigos chamavam liberdade, eles admitiam, como compatível com ela, a submissão completa do indivíduo à autoridade do todo120.

A partir desse diagnóstico, Constant traz uma análise comparativa entre os dois modelos enunciados, pelo que constata que a liberdade dos antigos diz respeito à esfera pública, associada a uma quase escravidão na esfera privada, enquanto que a liberdade dos modernos se restringe à liberdade na vida privada, significativamente impulsionada pelo desenvolvimento do comércio, que inspira amor à liberdade individual121.

Nessa toada, chega a admitir como louvável o fato de que os antigos estavam dispostos a fazer sacrifícios em nome de sua liberdade. Segundo o autor,

é difícil não sentirmos nostalgia desses tempos em que as faculdades do homem desenvolviam-se numa direção traçada antecipadamente, mas em um destino tão amplo, tão forte pela sua própria força e com tanto

119 CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. Revista de

Filosofia Política. n. 82, p. 7-25. 1985. Disponível em:

<http://caosmose.net/candido/unisinos/textos/benjamin.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2014. 120 Ibid.

121 Para que não haja qualquer visão reducionista dos fenômenos históricos, é importante ressaltar aqui que estas distinções paradigmáticas entre a liberdade dos antigos e liberdade dos modernos possuem efeito didático, mais do que propriamente manifestações de existência completamente cingidas no tempo e no espaço. Isso se evidencia nos relatos de Quentin Skinner sobre os primeiros levantes, ainda no medievo, contra a autoridade do Império Romano-Germânico, ocorridos na região hoje correspondente à Itália, em que alguns pensadores reivindicavam, em nome de suas cidades, o exercício da liberdade política de seus concidadãos ante a interferências externas do Imperador. Afinal, o próprio movimento que conduz à modernidade, como se sabe, conduz a um renascimento da cultura clássica, pelo que se pode inferir que a defesa da liberdade também foi realizada em seu sentido tradicional, qual seja, político, o que perdurou durante todo o humanismo. Cf. SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. 1 reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, passim.

sentimento de energia e de dignidade; e, quando nos carregamos a essas reminiscências, é impossível não desejarmos imitar o que invejamos122.

Contudo, aponta uma série de limitações à liberdade dos antigos, sobretudo pela desconsideração dos direitos individuais, e também à liberdade dos modernos, que pecaria pela possibilidade de fácil renúncia ao exercício da participação política.

Assim é que Constant pleiteia a necessidade de combinar as duas modalidades de liberdade, embora claramente se manifeste em defesa do paradigma moderno, afirmando que este é, em última instância, o que prioritariamente importa manter: “se vivemos nos tempos modernos, quero a liberdade que convêm aos tempos modernos; se vivemos sob monarquias, suplico humildemente [...] não tornar emprestadas às repúblicas antigas meios de oprimir- nos”123.

Com isso, o liberalismo ergue-se sobre o paradoxo da cisão da liberdade da perspectiva da pessoa humana e do cidadão, simbolicamente expressa já no título da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

A partir de 1835, Alexis de Tocqueville traz ao conhecimento do grande público novas contribuições à temática, a partir da publicação do primeiro volume de suas obras resultantes da viagem aos Estados Unidos, com o intuito de compreender a organização e o funcionamento das instituições democráticas naquele país e compará-las às tentativas de implantação deste regime na Europa, condição esta considerada inexorável, sobretudo na França pós-revolucionária124.

O nascedouro da democracia americana foi, de fato, singular. Deu-se a partir de um número relativamente pequeno de emigrantes ingleses sem grandes riquezas, razoavelmente educados e instruídos e seguidores do cristianismo puritano. Com tantas características em comum, estes indivíduos eram subscritores de uma plêiade de valores culturais e morais significativamente homogênea125 126, a

122 CONSTANT, Benjamin. op.cit. 123 Ibid.

124 TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: Leis e costumes

– De certas leis e certos costumes políticos que foram naturalmente sugeridos aos americanos por seu estado social democrático. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, passim.

125 Tocqueville identificou que a liberdade democrática americana não seria exercida a contento sem a igualdade de condições que ali encontrou, a que atribuiu as características de universalidade e durabilidade. Cf. Ibid., p. 11.

partir de que exerceriam sua liberdade num contexto extremamente favorável, segundo Tocqueville, e se uniram no propósito de construção de uma sociedade politicamente organizada em Nova Inglaterra:

Nós, cujos nomes seguem e que, para a glória de Deus, o desenvolvimento da fé cristã e a honra da nossa pátria, empreendemos estabelecer a primeira colônia nestas terras longínquas, acordamos, pelo presente ato, por consentimento mútuo e solene, e diante de Deus, formar-nos em corpo de sociedade política, com o fim de nos governar e trabalhar para a consumação de nossos propósitos, e, em virtude desse contrato, acordamos promulgar leis, atos, decretos, e instituir, conforme as necessidades [...] magistrados a quem prometemos submissão e obediência127

Ressalte-se que a acepção de liberdade, neste contexto, não é compreendida como possibilidade de exercício ilimitado dos direitos individuais e políticos, pois não pode ser dissociada do horizonte moral de seus defensores128.

Conforme explica Tocqueville, há uma sintonia entre o espírito da religião e o espírito da liberdade, o que pode se desprender de um depoimento documentado por ele:

Não nos enganemos quanto ao que devemos entender por nossa independência. De fato, há uma espécie de liberdade corrompida, cujo uso é comum tanto aos animais quanto ao homem e consiste em fazer tudo o que agradar. Essa liberdade é inimiga de qualquer autoridade, ela suporta com impaciência qualquer regra; com ela, tornamo-nos inferiores a nós mesmos; ela é inimiga da verdade e da paz; e Deus acreditou dever erguer- se contra ela; mas há uma liberdade civil e moral que encontra sua força na união e que é missão do poder proteger. A liberdade de fazer sem temor tudo o que é justo e bom. Essa santa liberdade devemos defender em todos os acasos, e, se necessário, expor por ela a nossa vida129.

126 Importante ressaltar, também, que quando o autor menciona esta perfeita homogeneidade de condições no exercício da democracia americana, definitivamente, exclui dela as populações tradicionalmente habitantes. Isso se evidencia em algumas passagens do texto, sobretudo a que considera que a América era “vazia” antes da chegada dos ingleses e que sua implantação teria sido mais fácil em virtude disso. Assim, não seria a democracia americana tão exortada por Tocqueville tão democrática assim. Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. op.cit., p. 328.

127 Ibid., p. 43-44.

128 Por essa razão é que, em momento posterior da obra, Tocqueville identifica que os a ideia de direitos ali nada mais é do que “a ideia da virtude introduzida no mundo político”. Cf. Ibid., p. 277. 129 Ibid., p. 50-51.

Observa-se aí, embora em circunstâncias bastante distintas, o reflexo de um aspecto muito importante da cultura antiga ao conceito de liberdade civil, qual seja, a sua associação ao exercício das virtudes130.

Apesar de enaltecer o edifício político americano, Tocqueville conclui que, dentre os mesmos elementos que propiciaram a bem-aventurança democrática aquela época, também estaria um obstáculo que lhe privava de gerar grandes artistas e poetas, pois careceriam do que se denominou de “liberdade de espírito”, justamente em virtude do horizonte religioso comum131.

Também John Stuart Mill desenvolve reflexões sobre as possibilidades e limites da liberdade, afirmando que “o perigo que ameaça a natureza humana não é o excesso, mas a deficiência de impulsos e preferências pessoais”132, e ainda, que “uma pessoa cujos desejos e impulsos não são autônomos [...] é dita de caráter. Outra, cujos desejos e impulsos não possuem essa autonomia, não tem caráter, não o tem mais do que uma máquina a vapor”133. Nesse sentido, defende a utilidade da liberdade dos indivíduos contra o Estado, no maior grau possível, em defesa dos interesses dos homens.

Tem-se aí, portanto, com a tríade de autores liberais clássicos citados, o que se acredita ser uma apertada síntese de elementos relevantes à concepção da liberdade na modernidade.

Contudo, também é possível recorrer à interpretação de pesquisadores contemporâneos como Norberto Bobbio, para quem a definição da “liberdade no sentido predominante da doutrina liberal é como liberdade em relação ao Estado,

130“Que o homem é um animal político em um grau muito mais elevado que as abelhas e os outros animais que vivem reunidos é evidente. A natureza, conforme frequentemente dizemos, não faz nada em vão; ela deu somente ao homem o dom do discurso (lógos). O mero som da voz é apenas a expressão de dor ou prazer, e disso são capazes tanto os homens como os outros animais. Mas enquanto estes últimos receberam da natureza apenas essa faculdade, nós, os homens, temos a capacidade de distinguir o bem do mal, o útil do prejudicial, o justo do injusto. Com efeito, é isso o que distingue essencialmente o homem dos outros animais: discernir o bem e o mal, o justo e o injusto, e outros sentimentos dessa ordem [as qualidades ou propriedades de suas ações]. Ora, é precisamente a comunicação desses sentimentos o que engendra a família e a cidade”. Cf. ARISTÓTELES. op.cit., p. 56-57.

131 TOCQUEVILLE, Alexis. op.cit., p. 300.

132 MILL, John Stuart. Sobre a liberdade, [s.l];[s.d.], p. 110. Disponível em: <http://www.4shared.com>. Acesso em: 11 mar. 2014.

assim como o Estado liberal pode ser identificado com o progressivo alargamento da esfera de liberdade do indivíduo”134.

Desta maneira, percebe-se que a existência da própria ideia de liberdade só é possível a partir de um alicerce mínimo de igualdade, qual seja, o de igualdade na liberdade.

Ademais, sob certa perspectiva, a ampliação da esfera de liberdade leva à incorporação de novos patamares de igualdade, em decorrência da própria lógica de atuação dos indivíduos em defesa de seus direitos. Também, como observa Bobbio, porque “nenhuma concepção individualista da sociedade prescinde do fato de que o homem é um ser social, nem considera o indivíduo isolado”135.

No mesmo sentido, Bosselmann igualmente entende que o primeiro desafio à concepção liberal da liberdade foi ocasionada pela própria extensão dos direitos de liberdade para grupos e coletividades, o que se conhece como a questão social do proletariado136.

A medida, entretanto, considerada proporcional entre estes dois valores intrinsecamente relacionados ocasionou – e ainda ocasiona – grandes divergências de concepções políticas, sobretudo a grande dicotomia do século XX entre liberalismo e socialismo137, cujo “pomo da discórdia foi a liberdade econômica, que pressupõe a defesa ilimitada da propriedade privada” 138 – ambos, porém, embasados no crescimento econômico ilimitado e no industrialismo.

Nesse sentido, é pertinente a crítica que se faz aos rumos do desenvolvimento das ideias sobre a liberdade, pois, na medida em que se fortalece o liberalismo econômico, qualquer que seja o sistema político, a liberdade política sofre, paulatinamente, um ostracismo.

134 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 6. ed.4 reimp. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 21-22.

135 Ibid., p. 47.

136 Cf. BOSSELMANN, op.cit., 1995, p. 229.

137 A partir das tensões entre estas duas vertentes, pode se dizer, a partir de uma linguagem de inspiração hegeliana, que se produziu como síntese a socialdemocracia. Contudo, como a própria dinamicidade da história, novas tensões fazem ressurgir diuturnamente desdobramentos e novas perspectivas desse debate, ainda inesgotado. Cf.: LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou revolução? São Paulo: Expressão Popular, 1999; SADER, Emir; GENTILI, Pablo (org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado Democrático. 8. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.

Assim é que Marcuse aponta elementos que complexizam a discussão sobre em que propriamente se tenha transformado essa ideia de liberdade dos modernos, a partir do industrialismo e do consumo de massas: em uma grande prisão alienada e homogeneizadora.

Segundo este autor:

o processo da máquina impõe aos homens os padrões do comportamento mecânico e as normas de eficiência competitiva são tanto mais impostas de fora como o trabalho de alguma força hostil e externa; ele renuncia à sua liberdade sob os ditames da própria razão. A questão é que, atualmente, o aparato ao qual o indivíduo deve ajustar-se e adaptar-se é tão racional que o protesto e a libertação individual parecem, além de inúteis, absolutamente irracionais139

Em outras palavras, a partir da defesa incessante da liberdade de ter, em nome da propalada autonomia da pessoa humana, e da conveniência e de realização de suas necessidades insaciáveis e desejos, perde-se, em substância, a liberdade de ser.

Este processo se aprofunda a tal ponto, que, segundo Roland Gari, “a própria vida [...] se torna uma mercadoria que o indivíduo consome, depois que a desmaterializou, virtualizou, imaginarizou”, ocasionando uma grande “transformação [...] na natureza de nossas sensibilidades sociais e psicológicas”140. Chega-se, assim, no que se caracteriza como o niilismo moderno, num vazio existencial, na perda do medo de perder, “que faz a substância ética do conflito intersubjetivo e político de uma civilização”, o que leva o professor da Universidade de Aix-Marseille I a questionar se:

não estamos na presença, em nossa cultura, de uma forma pós-moderna de delírio de negações de si mesmo e do Outro, desmentindo o sentido, a substância e a história de nossas experiências para produzir, em troca, violências maiores ou menores com relação aos outros e a si mesmo?141

139 MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. São Paulo: UNESP, 1999, p. 82.

140 GORI, Roland. As patologias do niilismo em nossa modernidade. Tempo psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 42, n. 1, jun. 2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0101-48382010000100006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em : 08 abr. 2014. 141 Ibid.

Diante, por assim dizer, de tantos indícios da saturação do paradigma da modernidade, é que se coloca a necessidade de uma reavaliação contemporânea do que se deve entender por liberdade.

Assim se situa o pensamento de José Joaquim Gomes Canotilho, em suas especulações que culminam na defesa de um modelo de Estado Ambiental. Ao acatar as distinções entre liberdade dos antigos e liberdade dos modernos, este autor especula acerca da relevância que elas teriam para uma teoria republicana dos direitos fundamentais, onde levanta, já embasado em algumas consequências/problemas ocasionados pela da modernidade, uma imperiosa reflexão no que diz respeito à imprescindibilidade de se incorporar aí o elemento solidarista142.

Como se disse, isto é admissível já na perspectiva do Estado Ambiental, e, portanto, sob a égide do antropocentrismo alargado. Quando se leva em consideração, ainda, preocupações adiante das expressas por Canotilho, particularmente, decorrentes da defesa de um padrão ético ecocêntrico, será preciso ir além.

De acordo com estas reflexões, pode-se identificar que a busca pela implementação de um Estado Ecológico pressuporá uma nova ressignificação