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3.2 Aspectos jurídicos

3.2.2 Quanto à limitação do direito de propriedade

Ao defender os limites ao direito de propriedade como um dos vetores jurídicos do Estado Ecológico, Bosselmann nitidamente assume a necessidade de intervencionismo estatal em favor da proteção do meio ambiente.

Em contrapartida, há pensadores, como os integrantes das vertentes das Escolas de Análise Econômica do Direito235, que entendem que a forma mais eficiente de proteção ambiental seria por meio de sua apropriação, reduzindo-se o papel intervencionista do Estado no exercício do direito de propriedade.

Um dos principais defensores desta ideia, Ronald Coase afirma que a existência de externalidades econômicas de ordem ambiental – fenômeno que ele denomina de efeitos danosos (harmful effects) – não necessariamente deve culminar

cumprir uma lei geral que proíbe a crueldade contra animais. Mesmo que a crueldade seja estreitamente definida de modo a excluir, como faz rotineiramente, a matança de animais para consumo humano, pelo menos, este conceito bloqueia algumas práticas verdadeiramente chocantes sem ganho humano real [...]. Podemos também nos engajar em práticas humanas (note a escolha da palavra) quanto à matança de animais, de modo a reduzir o sofrimento animal, sem comprometer satisfações humanas, ou mesmo melhorar a condição humana, e adotá-las deveria contar como prioridade importante. Quem pode se opor a medidas que beneficiam os seres humanos e animais igualmente? A questão mais difícil surge quando há um dilema entre o ganho humano e o sofrimento animal. Mas as ações que se encaixam nessa descrição são, e têm sido por muito tempo, básicas da sociedade humana”. EPSTEIN, Richard. Animais como Objetos, ou Sujeitos, de Direitos. Revista

Brasileira de Direito Animal, Salvador, p. 15-45, Ano IV, v. 9, n. 16, mai-abr.2014 p.37-38.

234 Cf. TEIXEIRA, Zaneir Gonçalves. Direito e crise ambiental: condições para a efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2002.

235 Sobre as principais vertentes deste movimento, Cf. FORGIONI, Paula A. Análise Econômica do Direito (AED): Paranóia ou mistificação? Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e

em uma intervenção governamental, pois a própria atuação interventiva apresenta um custo.

Além disso, para ele, o Estado é corrupto, ignorante e sujeito a pressões, motivo pelos quais as falhas de mercado devem ser corrigidas por esta própria instituição236.

Para isso, ele propõe um teorema, segundo o qual “tudo que é de ninguém é usado por todos e cuidado por ninguém, devendo toda a propriedade ser individual”237.

Pablo Gutman explica que os adeptos neoliberais da teoria econômica neoclássica, à semelhança de Coase, não compreendem a extração de recursos, sejam eles renováveis ou não renováveis, como um problema a ser enfrentado, pois o mercado de preços se encarregaria de regulá-los de maneira eficiente, de acordo com o nível de interesse e de procura238.

Da perspectiva da defesa do exercício ilimitado das atividades econômicas, acatar este posicionamento pode ser muito conveniente. Porém, sua inconsistência em termos ecológicos é visível. É o que sugere Derani, em clara convergência com o pensamento de Bosselmann neste aspecto, ao constatar que estes autores “apoiam- se num individualismo metodológico integrado por uma perspectiva econômica isolada”, que não considera a complexidade dos processos ecológicos239.

Ademais, Bosselmann chega a indicar algumas interessantes experiências240 em busca da sustentabilidade adotadas por alguns principados e cidades na Europa medieval em momento de colapso – decorrente da peste, da fome, da poluição e da escassez de recursos naturais.

236 COASE, Ronald H. The firm, the market, and the law. Chicago: University Chicago Press, 1988, p. 26-27.

237 MATIAS, João Luís Nogueira; BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Direito, Economia e Meio Ambiente: a fundação promocional da ordem jurídica e o incentivo de condutas ambientalmente desejadas. Revista Nomos, Fortaleza, v. 27, p. 155-176, jul./dez 2007, p.161.

238 GUTMAN, Pablo. Economía y Ambiente. In: LEFF, Enrique (coord). Los problemas del

conocimiento y la perspectiva ambiental del desarrollo. 2 ed. rev. México: Siglo veintiuno, 2000,

p. 148-149.

239DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 3. ed. 2 tir. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 92- 93.

240 O foco das medidas se direcionava ao reflorestamento em larga escala, já que os recursos

florestais eram, no período pré-industrial, provimentos essenciais para habitação, agricultura, criação de animais, produção de ferramentas, entre outras atividades de subsistência.

Tais medidas se davam em sistemas coletivos de uso da terra conhecido por “Allmende”, em alemão, e “commons”, em inglês, que consistiam no seguinte:

Essencialmente, a terra era vista como um bem público, o que determinava limitações aos direitos de uso individual da terra. O sistema Allmende de principados alemães definiu a diferença entre o público e o privado: o funcionamento e a integridade dos ecossistemas eram de interesse público, o uso dos recursos poderia ser privado. A regra era propriedade pública, a exceção, o uso privado [...] os direitos de uso da terra eram tipicamente restringidos de três maneiras. Em primeiro lugar, uma relevante limitação ecológica [...] eles eram considerados herança do passado e obrigação para o futuro. Noções de patrimônio (“Erbschaft”) dos antepassados (“Ahnen”), por um lado, e herdeiros (“Erben”) e descendentes (“Nachkhommen”), por outro comumente definiam a extensão dos direitos de uso individual da terra. Em segundo lugar, florestas, pastos e terras aráveis eram organizados como [...] uma área comum indivisível pertencente à comunidade local. Campos de cultivo eram destinados a famílias individuais em termos de colheita e posse, no entanto, a decisão sobre o tipo de uso permanecia com a comunidade local. [...]. A terceira restrição [...] advém do fato de que esta não podia ser vendida ou repassada sem autorização do senhorio principal ou local (representando o coletivo). Havia também a possibilidade de proibição de alteração ou uso excessivo da terra 241.

Continua relatando o autor que o direito de uso da terra era, portanto, altamente descentralizado e administrado localmente por pequenas comunidades, onde a notável vantagem da familiaridade com o ecossistema poderia pressupor a tomada de decisões apropriadas. Ademais, com frequência não se objetivava a maximização do uso, mas sim, a sua otimização.

Tais experiências foram bem sucedidas em seus objetivos de execução de manejo florestal sustentável e de pastagens, cujos efeitos perduraram até por volta de 1800.

Bosselmann desconstroi, ainda, a possibilidade de aplicação da tese da “tragédia dos comuns” neste sistema: “Nem o Allmende alemão, tampouco o sistema commons inglês permitiam o uso excessivo da terra. É mais correto falar em “tragédia do livre acesso” típica do nosso tempo” 242.

Desta maneira, o autor traz um forte contra-argumento aos que, a exemplo de Coase, defendem a privatização dos recursos como melhor forma de preservação dos mesmos.

241 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade: transformando direito e governança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 31-32.

Contudo, ao contrário, entende-se que a mera privatização não pode ser tida como alternativa à conservação dos recursos naturais, pelo contrário, levando ao modelo do laissez-faire ambiental ou da exploração desregrada. Afinal, se fosse possível contar com a consciência dos particulares, não haveria se instaurado a crise ambiental que hoje se presencia.