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4 Atividade Turística no Parque Estadual de Campos do Jordão e Parque Estadual dos Mananciais de Campos do Jordão – estudo de

4.1 O processo de formação do Parque Estadual de Campos do Jordão

Com o objetivo inicial de preservar a área remanescente de Mata Atlântica do Estado de São Paulo, e em especial da região do Vale do Paraíba, foi criado em 1941, por meio do Decreto Estadual nº 11.908, o Parque Estadual de Campos do Jordão (PECJ), regionalmente conhecido como Horto Florestal. O primeiro parque criado no Estado de São Paulo possui atualmente um total de 8.341 hectares e abrange um terço de toda a área do município paulista de Campos do Jordão, que por sua vez está localizado na porção leste do Estado de São Paulo, com posição geográfica determinada pelas coordenadas 22º44´S e 45º30´W.

A denominação regional de Horto ocorre porque, na década de 1940, quando foi criado o parque, as áreas protegidas ou destinadas à conservação florestal eram raras e frequentemente se misturavam aos Hortos e fazendas particulares da região, muitas das quais possuíam grandes áreas de árvores reervadas para corte e abastecimento de madeira para atender ao onipresente setor moveleiro e imobiliário da época.

Grande parte da área que atualmente delimita PECJ provém de uma antiga fazenda conhecida na região como “Fazenda da Guarda”. A aquisição da área, pelo estado de São Paulo, em 1941, ocorreu segundo o decreto de criação do PECJ (Decreto-lei nº 11.908):

Artigo 1.º — Fica declarado de utilidade pública, para o fim de ser desapropriado, ó imóvel denominado "Fazenda da Guarda", localizado na comarca de São Bento do Sapucaí, município de Campos do Jordão, com a área de 1.193 alqueires paulistas e é confrontado da seguinte maneira: ao Norte com terras que dizem pertencer a Benedito O. Miranda; herdeiros do dr. Miguel de Godoy Sobrinho; herdeiros de d. Clara Lima; herdeiros de Sebastião Germano e José Severiano; ao Sul com terras que dizem pertencer a Daniel de Carvalho e herdeiros de Benjamim Bueno; a Leste com terras que dizem pertencer a herdeiros ou sucessores dos Drs. Plínio de Godoy e Miguel de Godoy Sobrinho; a Oeste com terras que dizem pertencer a herdeiros de Francisco Matarazzo e do dr. Holger Jensen Kok ou seus herdeiros, para o fim de constituir uma reserva florestal do Parque Estadual de Campos do Jordão. de acordo com o disposto no art. 1.º, § 1.º do decreto-lei n. 11.908, de 27 de março de 1941. (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1941. Lei

11.908. Disponível em

https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto.lei/1941/decreto.lei- 11908-27.03.1941.html. Acesso em 06 de outubro de 2018).

Além da Fazenda da Guarda, o PECJ é composto por parte da Fazenda Retiro (aproximadamente 1.000 alqueires), e por terreno de 40 hectares obtidos por conta da desapropriação movida contra Manoel Rodrigues Ladeira Jordão, filho do Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão, proprietário original das terras onde está localizado o Município de Campos do Jordão e que leva esse nome justamente por associação a posse original das terras e influência econômica e social no local pelo Brigadeiro.

Figura 18 - Municípios e Área de Abrangência do PECJ. Fonte: Fundação Florestal, 2015.

A grande oferta de madeiras provenientes dos ecossistemas de Mata Atlântica (a qual o PECJ faz parte) com destaque para a Araucaria angustifoli estimulou o seu corte desenfreado para atender a necessidade da construção civil e em especial, fábricas de palitos de fósforo, o que levou a existência de uma grande quantidade de serrarias na região, desde as mais rudimentares até aquelas de maior escala, com registros dessa atividade já no final da década de 1920, segundo a Fundação Florestal (2019).

Tal fato provocou uma considerável redução das matas de araucária da região em pouco tempo, o que obrigou o SFP - Serviço Florestal Paulista a pensar num programa de restauração e reflorestamento da região, sempre com objetivos produtivos.

Foi nesse contexto que surgiu a ideia de criação do Parque Estadual de Campos de Jordão, o que demonstra que desde a sua origem, a UC estudada tem sua natureza voltada aos interesses mercantis e vista apenas como uma ferramenta necessária para

atender a indústria e mercado imobiliário, independente do que isso poderia representar ou custar à conservação da fauna e flora local para os próximos anos.

Figura 19- Sede da Fazenda da Guarda, 1920

Fonte: Disponível em http://www.camposdejordaocultura.com.br. Acesso em 06 de outubro de 2018.

Figura 20 - Tora de Araucária em processo de corte em uma das serrarias instaladas na região Fonte: Disponível em http://www.camposdejordaocultura.com.br. Acesso em 06 de outubro de 2018.

Figura 21 - Toras de Araucária empilhadas para Fábrica de Fósforos Fonte: Fundação Florestal, 2015.

O Serviço Florestal (atual Instituto Florestal), primeiro administrador do parque39 e vinculado ao Governo do Estado de São Paulo, distribuiu mudas gratuitamente aos moradores da região para que plantassem nas suas propriedades, além de promover pesquisas ligadas ao melhoramento genético para maior produtividade madeireira e resinífera. De acordo com Svevo e Nedopetalski (2007), a Araucária multiplicou em tamanha proporção pelo PECJ e Município de Campos do Jordão que passou a ser considerada a arvore símbolo da cidade de Campos do Jordão, uma espécie de marca registrada presente inclusive na bandeira e no brasão do Município.

Figura 22 - Bandeira e Brasão de Campos do Jordão (Representação da Araucárias ao centro) Fonte: Disponível em http://www.camposdojordao.sp.gov.br/. Acesso em 06 de outubro de 2018.

Segundo o Plano de Manejo do PECJ, publicado em 2015, O Parque Estadual de Campos do Jordão tem papel relevante na história da conservação das áreas protegidas

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Entre 1941 e 2007, a administração do PECJ foi realizada pelo Instituto Florestal (antigo Serviço Florestal) A alteração ocorreu com a criação do Sistema Estadual de Florestas - SIEFLOR, em 2007, quando a Fundação Florestal – FF, passou a administrar os 32 Parques Estaduais de São Paulo, além de outras Unidades de Conservação do estado, incluindo o PECJ. Desde então, essa é a instituição responsável pela gestão deste parque.

por ter sido a primeira UC no Brasil, junto com o Parque Estadual da Cantareira, a ter seu plano de manejo elaborado, em 1975.

Apesar desse pioneirismo, há de lamentar que muito do que foi feito no PECJ ocorreu sem o devido planejamento, já que entre a data de criação do PECJ (1941) e a elaboração do primeiro Plano de Manejo (1975) se passaram expressivos 34 anos, o que gerou uma série de impactos ambientais que prejudicaram a conservação dos elementos naturais originais do parque e que permitiu o estabelecimento de uma proposta de visitação totalmente desvinculada a questões de educação ambiental ou, pelo menos, conscientização ambiental por parte dos visitantes, o que dificultou a exequibilidade da proposta de ações a respeito, apresentada pela primeira vez no Plano de Manejo de 1975.

Assim, no decorrer dos 34 anos de visitação sem um PM ou controle de visitantes foi estabelecida uma cultura de visitação degenerativa, descontrolada, desorientada e sem o mínimo de valorização por parte dos visitantes sobre os atributos de uso e de diversidade da fauna e flora presentes no Parque.

Vale ressaltar que a falta de um plano de visitação e até mesmo de manejo do PECJ, ocorrido de 1941 até a década de 1970 não foi uma exclusividade da UC estudada, mas um fato comum dentre as Áreas de Preservação Ambiental - APA brasileiras, já que nesse período não foram encontrados nenhum relato ou documento sobre algum plano de visitação em APAs que posteriormente seriam classificadas como Unidades de Conservação.

De acordo com Vallejo (2002), essa situação reflete o histórico distanciamento existente entre a questão ambiental brasileira e as políticas públicas, o que contribuiu para, segundo o autor (...) o elevado grau de deteriorização dos ecossistemas do território nacional. Essa situação só começa a mudar com a Constituição de 1988, que segundo Scardua e Bursztyn (2003), traz pela primeira vez a preocupação sobre a questão ambiental no país de forma explícita, por meio de (...) dispositivos (arts. 225, 231 e 232 e arts. 196 a 204) que tratam da questão ambiental e da qualidade de vida, segundo os mesmos autores. Apenas mais tarde, em 2000 por meio do SNUC, é que as Unidades de Conservação brasileiras são efetivamente obrigadas a elaborar um Plano de Manejo e por consequência, passam a contar com um plano de visitação nas categorias de UCs onde essa prática seja autorizada.

Além disso, o primeiro Plano de Manejo do PECJ (atualizado apenas em 2015, 40 anos depois do primeiro Plano!), apresentava, em sua primeira versão de 1975, erros considerados atualmente como primários de conservação e gestão ambiental, cujo impacto tornaram difíceis de serem revertidos ao PECJ. Um desses erros consistiu na doação gratuita, por parte do Serviço Florestal, de mudas de Pinus produzidas a partir de seu viveiro,

mesmo já havendo desde então, os primeiros indícios científicos dos danos ambientais causados pela proliferação e caráter invasor do gênero às matas nativas.

Segundo relatos do primeiro Plano de Manejo de 1975, o reflorestamento ocorreu a partir de 1957 e desde então foi realizado gradualmente a cada ano. A partir desse ano foram plantadas aproximadamente seis milhões de mudas em mais de 30 mil hectares de terra. Destas mudas plantadas, 70% são de espécies exóticas invasoras de Pinus elliottii e Pinus taeda, 20% da nativa Araucária angustifolia e 10% de uma coleção de coníferas variadas (provavelmente para fins mais experimentais do que produtivos) – Pinus echinata; Pinus insularis; Pinus montezuma; Pinus pátula; Pinus pinaster; Podocarpus lamberttii; Tarodium distichum; Cupressus spp; Cuninghamia lanceolata, de acordo com o mais recente Plano de Manejo do PECJ, publicado em 2015.

Segundo esse mesmo documento, algumas dessas espécies, situadas em especial na área de uso público, não apresentam ameaças à vegetação nativa e constituem patrimônio histórico natural do PECJ. Já outras espécies, principalmente aquelas oriundas dos plantios de P. eliottii e P. taeda, devem apresentar um rigoroso programa de manejo e controle biológico da dispersão, devido ao seu caráter invasor e prejudicial às espécies nativas da região.

Figura 23 - Vegetação do PECJ com Pinus e Plantas Nativas Fonte: Trabalho de campo, 2018. Autor da foto: Pozati

Essas medidas, feitas sem planejamento ou estudos mais aprofundados sobre os prováveis impactos ambientais levou, segundo Svevo e Nedopetalski (2007), a uma sensível alteração no clima da região pelo fato do pinus ser uma espécie que absorve a

água dos lençóis freáticos e a expele no ar por evaporação, levando a uma atmosfera mais úmida em relação a situação anterior ao programa de reflorestamento.

Foi observado, desde então, uma elevação nas temperaturas médias da região um aumento na quantidade de precipitações segundo os mesmos autores. De acordo com os mesmos autores, há relatos de moradores mais antigos de Campos do Jordão que estranharam quando os termômetros chegaram à marca dos 22ºC no verão e observaram chuvas mais constantes e abundantes na região de entorno do PECJ, em uma clara evidência de que as ações humanas, sem planejamento, ou estudo dos eventuais impactos e principalmente quando são voltadas apenas para atender aos anseios de quem detêm o capital, pode alterar sensivelmente o ecossistema de uma localidade, mesmo que essa localidade tenha como princípio ser uma UC.

Fica evidenciada então, no PECJ, uma clara evidência do processo de transformação da natureza, fonte de valor de uso, para uma natureza de valor de troca. É possível ainda afirmar que esse processo não encerrou no PECJ a partir da decadência das serrarias e fábricas de palitos de fósforo, mas alterou sua configuração ao longo do tempo e desde então passou a ocorrer em função da prática do turismo, atividade que como visto anteriormente, aumenta em todo o mundo e assume o papel principal na economia de muitos lugares, como em Campos do Jordão e onde a natureza se destaca como principal atrativo.

4.2 O processo de formação do Parque Estadual dos Mananciais de Campos