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O Professor Reflexivo e a Relação Teoria-Prática

No documento QUANDO ENGENHEIROS TORNAM-SE PROFESSORES (páginas 72-76)

3.1 PROFISSIONAL REFLEXIVO, UMA ESPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA

3.1.5 O Professor Reflexivo e a Relação Teoria-Prática

O desdobramento do conceito de profissional reflexivo de Schön na área de formação de professores deu origem ao conceito de professor reflexivo. Este conceito em pouco tempo teve grande repercussão e também suscitou muitas críticas de alguns teóricos da área educacional, por entenderem que houve uma apropriação ampla e generalizada a ponto de produzir divergências da perspectiva original.

162SCHÖN, 2000, p. 226. 163 Ibid. 164 Ibid., p.234. 165 Ibid., p. 234-235.

Pimenta, com o intento de despertar uma análise crítica da repercussão do conceito de professor reflexivo no meio acadêmico, apresenta as seguintes questões: “que tipo de reflexão tem sido realizada pelos professores? As reflexões incorporam um processo de consciência das implicações sociais, econômicas e políticas da atividade de ensinar? Que condições têm os professores para refletir?”166

“Liston & Zeichner ‘consideram que o enfoque de Schön é reducionista e limitante por ignorar o contexto institucional e pressupor a prática reflexiva de modo individual [...]’.”167 Zeichner também faz a denúncia da identificação do conceito de professor reflexivo com práticas de caráter meramente técnico que ele chama de treinamentos:

De acordo com Dewey, reflexão não consiste em uma série de passos ou procedimentos para serem usados por professores. Mais do que isso, ela é uma forma integrada de perceber e responder a problemas, uma forma de ser professor. Ação reflexiva envolve, também, mais do que solução-de-problemas por procedimento lógico e racional. Reflexão envolve intuição, emoção e paixão, e não é algo que pode ser acondicionado em pacotes, como um programa de técnicas para professores usarem.168

Pimenta lembra que o saber docente não é formado apenas da prática, mas que as teorias da educação também sustentam esse saber e têm papel fundamental na superação do praticismo.169 A teoria além de ser formativa proporciona aos sujeitos várias perspectivas para as ações. Monteiro pondera que “o recurso teórico contribui a se fazer perguntas que não eram feitas antes de se tomar contato com ele,”170 o que abre novas perspectivas de análise; possibilita olhar o objeto de preocupação sob outros aspectos, o que enriquece a investigação, pois contribui para uma reconfiguração das concepções. Os saberes teóricos se articulam aos saberes da prática, ressignificando-os e sendo por eles ressignificados.171 Para Kant “a teoria que não responde às demandas da prática requer ser revista.”172 Com estes entendimentos temos que considerar que teoria e prática são inseparáveis.

Para a superação dos limites das concepções de Schön, Zeichner propõe que:

a) a prática reflexiva deve centrar-se tanto no exercício profissional dos professores por eles mesmos, quanto nas condições sociais em que esta ocorre; b) o reconhecimento pelos professores de que seus atos são fundamentalmente políticos e que, portanto, podem se direcionar a objetivos democráticos emancipatórios; c) a

166 PIMENTA, 2005, p. 22. 167

LISTON & ZEICHNER, apud PIMENTA, 2005, p. 23. 168 ZEICHNER & LISTON, apud MONTEIRO, 2005, p. 118. 169 PIMENTA, 2000 apud PIMENTA, 2005.

170 MONTEIRO, 2005, p. 113. 171

Ibid.

prática reflexiva, enquanto prática social, só pode se realizar em coletivos, o que leva à necessidade de transformar as escolas em comunidades de aprendizagem nas quais os professores se apoiem e se estimulem mutuamente.173

Assim como Zeichner, Giroux também apresenta a concepção do professor como intelectual crítico, ou seja, cuja reflexão conduz ao compromisso emancipatório de promover transformações sociais.174 Assim sendo, os professores passam, ou deveriam passar, pela transição de técnicos reprodutores para reflexivos individuais e destes para intelectuais críticos e transformadores.

Construir conhecimentos sobre a prática é elaborar teoria sobre a mesma. Pimenta mostra o sentido de se desenvolver teoria sobre a prática, com a seguinte colocação:

(...) o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para nele intervir, transformando-os. 175

Considerando esta colocação de Pimenta, sem o acesso à teoria pedagógica, os engenheiros-professores são carentes de perspectivas de análise dos contextos da atividade docente.

A prática quando vai à teoria modifica-a, assim como a teoria tem a função de modificar a prática. Para Kant, “Se ocorre de determinada teoria responder pouco à prática, isso se deve ao ‘fato de que não havia teoria suficiente’, de modo que é necessário ‘aprender da experiência a teoria que falta’.”176

A relação entre teoria e prática pode ser prejudicada e até mesmo deixar de existir devido à especulação e ao hábito. A especulação, no sentido de investigação sem fundamentação, o que contraria a teoria. Com relação ao hábito, Monteiro, resgatando o pensamento de Hume, diz que “a vivência repetida de um ato ou de determinada operação (...) produz uma propensão a renovar o mesmo ato ou a mesma operação, sem ser impelida por nenhum raciocínio ou processo de entendimento.”177 Para Hume o hábito é que dá sentido às ações humanas, uma vez que é o principal responsável pelas relações causais. A repetição dos fatos é que nos leva a prever o que deverá ocorrer no futuro. No entanto, os teóricos da

173 ZEICHNER apud PIMENTA, 2005, p. 26. 174 GIROUX apud PIMENTA, 2005.

175 PIMENTA apud MONTEIRO, 2005, p. 115. 176

KANT apud MONTEIRO, 2005, p. 115-6. 177 HUME, apud MONTEIRO, 2005, p. 117.

educação criticam os docentes por agirem pela força do hábito. A resposta de Monteiro a essa questão é:

Tenho apostado na compreensão de que nossas ações docentes tendem a tornar-se habituais; os hábitos dão sustentação às nossas ações; a (re)visão de nossas ações permite a transformação delas. Lembrando que chamo de (re)visão a operação teórica, reflexiva sobre as ações efetuadas ou a serem efetuadas: é o estabelecimento de uma nova prática (que tenderá a um novo hábito) por um novo olhar sobre ela. E todas as vezes que as experiências cristalizam-se em hábitos, essa (re)visão se faz necessária, pois tem no horizonte as peculiaridades de novas circunstâncias.178

As práticas dos engenheiros-professores têm forte influência dos hábitos. No entanto, parece não haver uma preocupação entre eles no sentido de rever as suas ações buscando as transformações necessárias, da forma como é proposto por Monteiro, isto é, examinando os seus hábitos à luz da teoria. Para Monteiro, “a elaboração teórica é uma forma de visão de mundo, que é refeita, atualizada, por meio da reflexão, fazendo com que nossa compreensão sobre a prática, assim como todo o resto que percebemos, seja alterada.”179 E, por isso, acrescenta ele: “Podemos dizer que a reflexão é um tipo de labor intelectual.”180

Podemos então concluir que o conceito de profissional reflexivo de Schön deu grande contribuição para a área da educação, principalmente no que se refere à formação de professores. Porém, há de se ter o cuidado de que este conceito, ou esta perspectiva, não seja utilizado de forma superficial, sem um entendimento pleno dos significados que carrega.

Instrumentalizada por este estudo sobre o conceito de professor reflexivo e sobre o significado da reflexão referida por Schön e pelos demais autores aqui citados, procurarei, nos textos transcritos das narrativas dos professores, indícios da reflexão como meio de elucidar a questão desta pesquisa, que é como os engenheiros tornam-se professores, o que implica, entre outras coisas, em conhecer como eles constroem os saberes docentes mencionados por Pimenta.

Fundamentada no conceito de professor reflexivo, e, como também sou engenheira- professora, posso dizer que este trabalho consiste em uma reflexão sobre a prática dos engenheiros-professores.

Vimos que, para Schön,os indivíduos criam realidades para eles próprios; concebem e dão forma a seus mundos. Um dos pressupostos adotados neste trabalho é que esse processo de concepção de realidades, de constituição de uma visão de mundo, está diretamente relacionado com as suas vivências, melhor dizendo, são elas que levam às idiossincrasias.

178 MONTEIRO, 2005, p. 118. 179

Ibid., p. 119. 180 Ibid., p. 119.

Então, para descrever, compreender e interpretar os fenômenos da prática que se apresentam à percepção é de fundamental importância o conhecimento das suas vivências e, mais especificamente, do que elas dizem.

No documento QUANDO ENGENHEIROS TORNAM-SE PROFESSORES (páginas 72-76)