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QUANDO ENGENHEIROS TORNAM-SE PROFESSORES

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LILIAN ROSE AGUIAR NASCIMENTO GARCIA DE SANTANA

QUANDO ENGENHEIROS TORNAM-SE PROFESSORES

CUIABÁ-MT 2008

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Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

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QUANDO ENGENHEIROS TORNAM- SE PROFESSORES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação no Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação na Área de Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação Escolar, Linha de Pesquisa Formação de Professores e Organização Escolar.

Orientador: Prof. Dr. Silas Borges Monteiro

Cuiabá-MT 2008

(4)

Índice para catálago sistemático 1. Engenheiros-Professores 2. Vivências

3. Professor prático reflexivo

S 231 q Santana, Lílian Rose Aguiar Nascimento Garcia de

Quando engenheiros tornam-se professores / Lílian Rose Aguiar Nascimento Garcia de Santana. Cuiabá: UFMT / IE, 2008. 179p., il.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação no Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação na Área de Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação Escolar, Linha de Pesquisa Formação de Professores e Organização Escolar.

Orientador: Prof. Dr. Silas Borges Monteiro. Bibliografia: p. 178 – 179

(5)

Dedico esta conquista

Dedico esta conquista

Dedico esta conquista

Dedico esta conquista

Aos meus pais, Juvenal e Aidete, por terem

oportunizado grande parte das vivências que me

tornaram o que sou.

Ao meu esposo, Ivam, e aos meus filhos, Ivana

e Ivam Júnior, pelo incentivo e apoio em todos

os momentos.

(6)

À Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso, pelo apoio.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação, cujo trabalho oportunizou-me realizar este mestrado.

Ao Prof. Dr. Silas Borges Monteiro, com quem tenho aprendido a ser professora, não só com os conhecimentos que ele generosamente compartilha, mas também com o modo sempre gentil e respeitoso com que trata todos os alunos.

À Profa. Dra. Maria Amélia do Rosario Santoro Franco, à Profa. Dra. Nilza de Oliveira Sguarezi e à Profa. Dra. Ozerina Victor de Oliveira, por terem aceitado participar da banca examinadora deste trabalho, o que muito me honrou, e pelas contribuições para o mesmo.

Aos colegas do mestrado e aos membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática, Filosofia e Formação do Educador, pelas contribuições para a construção deste trabalho, assim como pelo companheirismo e solidariedade.

Aos colegas engenheiros-professores Profa. Dra. Marilda Serra Ávalos, Prof. Dr. Irineu Francisco Neves e Prof. Me. Pedro Paulo Carneiro Nogueira, que me ajudaram a construir conhecimentos sobre como nos tornamos professores.

Aos colegas de departamento Prof. Dr. Adnauer Tarquínio Daltro, Prof. Dr. Cláudio Cruz Nunes, Prof. Dr. Douglas Queiroz Brandão, Prof. Dr. José Manoel Henriques de Jesus e Prof. Dr. Jéfferson Heleno Brandão pelo apoio gentil e incondicional.

Aos demais colegas do Departamento de Engenharia Civil e aos membros da Congregação da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia, pelo incentivo e apoio.

Aos coordenadores de cursos, chefes de departamentos e técnicos administrativos que colaboraram para a realização deste trabalho, colocando à minha disposição os textos e documentos necessários.

(7)

... nossos

nossos

nossos

nossos sentidos só aprendem tarde, e jamais

inteiramente, a ser órgãos sutis, fiéis e

cautelosos do conhecimento. Para o nosso olho

é mais cômodo, numa dada ocasião, reproduzir

uma imagem com freqüência já produzida, do

que fixar o que há de novo e diferente numa

impressão; isto exige mais força, mais

“moralidade”. Ouvir algo novo é difícil e penoso

para o ouvido; ouvimos mal a música estranha.

(8)

Esta dissertação trata de uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), na área de Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação Escolar e na linha de Formação de Professores e Organização Escolar. Insere-se no campo de investigação ao qual tem sido dada a denominação de Epistemologia da prática docente. Tem como foco os professores lotados nos departamentos de Engenharia Civil, Engenharia Elétrica e Engenharia Sanitária, da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia (FAET) da UFMT. O objetivo é investigar como, indivíduos formados para serem engenheiros, tornam-se professores dos cursos de engenharia. Fundamenta-se no conceito de vivências de Friedrich Wilhelm Nietzsche, no conceito de Profissional Reflexivo de Donald Schön, e em pesquisas já realizadas, tais como de Selma Garrido Pimenta e Kenneth Zeichner. Com vistas à contextualização do tema, apresenta um estudo sobre a área profissional da engenharia, sobre o processo histórico do ensino de engenharia e dos cursos de engenharia da FAET. Para melhor caracterização dos professores estudados, apresenta dados quantitativos obtidos dos seus Currículos Lattes e dos registros dos departamentos envolvidos. A metodologia da pesquisa é qualitativa. Adota-se como procedimento metodológico a escuta das vivências dos engenheiros-professores, tendo como fundamento o trabalho de Monteiro feito a partir do conceito de otobiografia de Jacques Derrida. Neste trabalho procura-se trazer à luz as vivências desses professores e, por meio da escuta atenta das mesmas, identificar os impulsos que tomam a palavra nas suas narrativas e que dão sentido às suas ações. Sustenta-se as seguintes proposições: 1) na pesquisa em formação de professores, a escuta das vivências dos professores envolvidos é de fundamental importância; 2) as práticas dos engenheiros-professores são fundamentadas nas suas crenças e essas vão sendo construídas paulatinamente desde as primeiras experiências de vida; 3) com o passar do tempo essas crenças vão se solidificando e dando direcionamento para as suas ações; 4) constroem alguns saberes necessários para o exercício da docência com a prática; 5) formaram modelos de professores nos quais se espelham para reproduzir ou negar; 6) as suas ações são sustentadas por hábitos e estes não são revistos por meio da reflexão.

Palavras-chave:

(9)

Education Institute of Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), on the Pedagogic Theories and Practices of Scholar Education major and in the line of Teachers Formation and School Organizing. It’s part of the investigative field that has been named Teaching Practice of Epistemology. It focus the teachers stationed at the Civil, Eletric and Sanitary Engineering departments of the Architecture, Engineering and Technology Faculty (FAET) of UFMT. The objective is to investigate how, individuals graduated to be engineers, have become teachers of the engineering majors. It is substantiated on the life-experiences concept of Friedrich Wilhelm Nietzsche, on the Reflexive Professional concept of Donald Schön, and on other researches, such as the ones of Selma Garrido Pimenta e Kenneth Zeichner. On the purpose of contextualizing the subject, it presents a study about the engineering professional area, the teaching historical evolution of engineering and the engineering majors of FAET. To better characterize the studied teachers, it presents quantitative data obtained from their Lattes Curriculum and from the records of the involved departments. The research’s methodology is qualitative. It’s adopted as methodological procedure listening the life-experiences of the engineer-teachers, having as basis the work of Monteiro, created from the otobiography concept of Jacques Derrida. This research searches to reveal the life-experiences of these teachers, and by closely listening the same, identifies the impulses that take action in their narrative and that give meaning to their actions. The following propositions are sustained: 1) on researching teachers formation, it’s of fundamental importance to listen the life-experiences of the involved teachers; 2) the practice of the engineer-teachers are based on their believes and these are built gradually since their first life experiences; 3) as time passes, those believes become solid and direct their actions; 4) they build some knowledge needed to exercising their teaching by practice; 5) they created models of teachers on which they look forward to reproduce or reject; 6) their actions are based on habits and these will not be reviewed by reflection.

Key-words:

(10)

1 PERCURSO METODOLÓGICO ... 14

2 CARACTERIZAÇÃO DO UNIVERSO DA PESQUISA ... 23

2.1 EDUCAÇÃO SUPERIOR ... 2.1.1 Aspectos Primordiais ... 2.1.2 Construção da Identidade Profissional do Professor da Educação Superior .. 2.1.3 Modelos que Influenciaram a Universidade Brasileira ... 2.2 A ENGENHARIA ... 23 23 26 34 35 2.2.1 Definição, Origem e Processo Histórico ... 2.2.2 A Origem da Engenharia Brasileira ... 2.3 O ENSINO DE ENGENHARIA ... 35 37 39 2.3.1 As Primeiras Escolas de Engenharia ... 39

2.3.2 O Ensino de Engenharia no Brasil ... 43

2.3.3 Os Engenheiros-Professores e suas Práticas... 46

2.4 BREVE HISTÓRICO DOS CURSOS DE ENGENHARIA DA FAET/UFMT . 47 2.4.1 O Curso de Engenharia Civil ... 2.4.2 O Curso de Engenharia Elétrica ... 2.4.3 O Curso de Engenharia Sanitária e Ambiental ... 2.5 CARACTERIZAÇÃO DOS ENGENHEIROS-PROFESSORES ... 47 49 51 53 3 OPERADORES CONCEITUAIS ... 60

3.1 PROFISSIONAL REFLEXIVO, UMA ESPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA .. 3.1.1 Conhecer-na-ação ... 60 63 3.1.2 Reflexão-na-ação ... 63

3.1.3 Reflexão sobre a Reflexão-na-ação ... 64

3.1.4 Epistemologia Construcionista ... 65

3.1.5 O Professor Reflexivo e a Relação Teoria-Prática ... 70

3.2 AS VIVÊNCIAS NOS TORNAM O QUE SOMOS ... 74

4 ESCUTA DAS VIVÊNCIAS DOS ENGENHEIROS-PROFESSORES ... 85

4.1 QUANDO ME TORNO PROFESSORA ... 88

4.2 QUANDO UMA ENGENHEIRA CIVIL TORNA-SE PROFESSORA ... 104 4.3 QUANDO UM ENGENHEIRO ELETRICISTA TORNA-SE PROFESSOR ... 4.4 QUANDO UM ENGENHEIRO SANITARISTA TORNA-SE PROFESSOR ... 5 ANÁLISE DE ALGUNS TEMAS ... 5.1 QUANDO HOMENS E MULHERES TORNAM-SE ENGENHEIROS ... 5.2 QUANDO ENGENHEIROS TORNAM-SE PROFESSORES ... 5.3 QUANDO CONSTROEM SABERES DOCENTES ... 5.4 QUANDO CONSTROEM A IDENTIDADE PROFISSIONAL ... 5.5 O ENGENHEIRO-PROFESSOR ... CONSIDERAÇÕES FINAIS ... OBRAS CONSULTADAS ... 114 130 146 147 149 152 159 162 167 178

(11)

INTRODUÇÃO

Esta dissertação trata de uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), na área temática de Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação Escolar e na linha de Formação de Professores e Organização Escolar. A pesquisa insere-se no campo de investigação ao qual tem sido dada a denominação de Epistemologia da prática docente porque visa desenvolver teoria com base científica sobre a prática dos engenheiros que são professores dos cursos de engenharia. A teoria assim desenvolvida poderá subsidiar as mudanças que se fazem necessárias para atender às demandas atuais do ensino de engenharia. Observo os processos de dentro, uma vez que faço parte do universo estudado. Pimenta e Anastasiou1 destacam a relevância e a intencionalidade presentes no pesquisar a própria prática, e apontam este ato como “espaço de apropriação de uma diferenciada competência profissional, que se apóia em conhecimentos construídos processualmente.”

A pergunta que direciona a pesquisa é: Como engenheiros tornam-se professores? Em conseqüência desta, outras questões são levantadas, entre as quais podemos citar: qual o entendimento que os engenheiros-professores têm sobre a própria identidade profissional? Quanto à identidade epistemológica, quais saberes lhes são próprios? Como são construídos esses saberes? Como se dão os seus processos de profissionalização na docência?

O assunto pesquisado é do âmbito da Educação Superior, e o lócus da pesquisa é a Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia (FAET) da UFMT, que é composta pelos departamentos de Arquitetura, Engenharia Civil, Engenharia Elétrica e Engenharia Sanitária e Ambiental. O estudo tem como foco os professores lotados nos departamentos de Engenharia Civil, Engenharia Elétrica e Engenharia Sanitária e Ambiental, que neste trabalho são denominados de engenheiros-professores. Se esta pesquisa tem um objeto de estudo, este é o conjunto dos textos das narrativas dos engenheiros-professores que foram ouvidos.

Como não foram realizados experimentos com os dados e informações levantados, trata-se de uma pesquisa teórica, de caráter interpretativo. A metodologia da pesquisa é qualitativa, e alguns dados quantitativos advindos de registros institucionais contribuem para uma interpretação mais ampla do tema investigado.

1 PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

(12)

Tendo em vista o núcleo centralizador: engenheiros tornando-se professores, a proposta deste trabalho é, a partir da interpretação das suas narrativas, chegar a um entendimento de como pessoas formadas para serem engenheiros tornam-se professores dos cursos de engenharia, ou seja, conhecer o que os impulsiona, quais são as suas motivações, bem como as direções e sentidos que vão dando às suas trajetórias profissionais. Portanto, neste trabalho procuro identificar as vivências desses professores e, por meio da escuta atenta das mesmas, identificar os impulsos que tomam a palavra nas suas narrativas e que dão sentido às suas ações.

Sustento as seguintes proposições:

a) a escuta das vivências dos professores é um método que dá importante contribuição para a pesquisa sobre formação de professores;

b) a opção pela docência geralmente não é pontual, mas construída no decorrer das suas trajetórias de vida com as suas vivências;

c) as práticas dos engenheiros-professores são fundamentadas nas suas crenças e estas vão sendo construídas paulatinamente desde as primeiras experiências de vida;

d) constroem alguns saberes necessários para o exercício da docência com a prática;

e) formaram modelos de professores nos quais se espelham para reproduzir ou negar;

f) as suas ações são sustentadas por hábitos e estes não são revistos por meio da reflexão.

Sou graduada em engenharia civil e professora do Departamento de Engenharia Civil da UFMT desde o ano de 1980 e, no ano de 1996, assumi a função de Coordenadora de Ensino de Graduação em Engenharia Civil, experiência que foi o início da trajetória que me conduziu ao Mestrado em Educação e, por conseguinte, a esta pesquisa. De conformidade com o meu orientador, o Prof. Dr. Silas Borges Monteiro, resolvi realizar esta investigação sobre os engenheiros que se tornam professores dos cursos de engenharia. A escolha do tema deveu-se a vários fatores: primeiramente, para se adequar à linha de pesquisa na qual ingressei e, depois, por ter algum conhecimento sobre a problemática, uma vez que está inserida no

(13)

nível da educação e na área, nos quais tenho atuado como professora durante vinte e sete anos. A experiência como Coordenadora de Ensino de Graduação em Engenharia Civil, ou melhor, os fatos que chamaram a minha atenção a partir dessa experiência e que serão relatados neste trabalho, também influenciaram nessa escolha.

Pimenta contribui para a justificativa da escolha do tema desta pesquisa, com a seguinte afirmação:

“A centralidade colocada nos professores traduziu-se na valorização do seu pensar, do seu sentir, de suas crenças e seus valores como aspectos importantes para se compreender o seu fazer, não apenas de sala de aula, pois os professores não se limitam a executar currículos, senão que também os elaboram, os definem, os re-interpretam. Daí a prioridade de se realizar pesquisas para se compreender o exercício da docência, os processos de construção da identidade docente, de sua profissionalidade, o desenvolvimento da profissionalização, as condições em que trabalham, de status e de liderança.”2

A concepção de docência como profissão, e não como sacerdócio, ou missão, que exige predominantemente a vocação, demanda a construção de determinados saberes. Os cursos de formação de professores promovem a construção desses saberes, no entanto, a formação do engenheiro só contempla os saberes do conhecimento específico da área de engenharia, os quais, embora indispensáveis, me parece não serem suficientes para um bom desempenho da atividade docente. Entretanto, os engenheiros, mesmo não tendo formação para serem professores, têm exercido a docência no decorrer de toda a história do ensino da engenharia, até porque os profissionais formados para serem professores, como os pedagogos e os licenciados, não podem ensinar os conteúdos profissionalizantes dos cursos de engenharia porque não têm o conhecimento específico da área. Sendo assim, adoto o pressuposto de que os engenheiros-professores constroem alguns dos saberes demandados pela docência de outras formas, como com a experiência prática e, principalmente, com a reflexão sobre a mesma. Sendo assim, procuro identificar os saberes que são construídos, bem como os processos de construção dos mesmos e, deste modo, melhor compreender as suas práticas e os seus processos de profissionalização no campo da docência.

Os cursos de engenharia têm problemas, uns peculiares, outros comuns aos demais cursos da Educação Superior. No entanto, a história do ensino da engenharia e a evolução da própria engenharia têm mostrado que bons profissionais têm sido formados, então, mesmo

2

PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro (orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

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sem a formação para a docência, a atuação dos engenheiros-professores é de fundamental importância nesse contexto.

A dissertação está estruturada da seguinte forma:

No primeiro capítulo, é apresentado o percurso metodológico, ou seja, os procedimentos realizados, dentre os quais se destaca a abordagem teórico-metodológica de escuta das vivências dos engenheiros-professores, fundamentada no trabalho de Monteiro feito a partir do conceito de otobiografia de Jacques Derrida.

Tendo em vista uma melhor caracterização do universo da pesquisa, isto é, do ensino de engenharia e daqueles que a ensinam, no segundo capítulo é traçado um panorama geral do mesmo, começando com a apresentação de alguns aspectos relevantes do nível da educação no qual está inserido esse ensino, isto é, a Educação Superior. Dentre esses aspectos destaca-se a construção da identidade profissional dos professores. A destaca-seguir, são apredestaca-sentadas algumas informações sobre a área profissional da engenharia e, de modo particular, da Engenharia Brasileira. Segue-se um breve relato sobre a história do ensino de engenharia no mundo, particularizando depois para o ensino de engenharia no Brasil. Depois de algumas considerações sobre os engenheiros-professores, é apresentado um sucinto histórico dos cursos de engenharia da FAET. Finaliza este capítulo, a caracterização dos engenheiros-professores, feita através de dados quantitativos oriundos dos registros departamentais, bem como dos seus Currículos Lattes.

O terceiro capítulo trata dos operadores conceituais. Inicialmente, é abordada a Epistemologia da Prática, discutida a partir do conceito de Profissional Reflexivo de Donald Schön e de pesquisas realizadas por Selma Garrido Pimenta e Kenneth Zeichner. Em seguida, é apresentado o resultado de um estudo sobre Vivências, na concepção de Friedrich Wilhelm Nietzsche.

No quarto capítulo, são apresentados os resultados da escuta das vivências dos professores participantes da pesquisa, realizada através da análise dos textos elaborados a partir das suas narrativas. Antes de ouvir as narrativas dos professores, fiz o exercício de testar o método em mim mesma, ou seja, ouvi a minha própria narrativa. Na análise, também estabeleci temas que me surpreenderam tendo em vista o núcleo central da investigação que é engenheiros que se tornam professores. Os termos escuta e ouvir, que aqui estão destacados, têm os significados dados por Derrida ao discorrer sobre otobiografia, conforme é apresentado no primeiro capítulo deste trabalho.

(15)

No quinto e último capítulo, são apresentadas as conclusões finais deste estudo que tem finalidade de formação acadêmica, é perspectivo, uma vez que mesmo fundamentado em operadores teóricos, tem a marca das minhas percepções, e tem a pretensão de contribuir para a constituição de uma epistemologia da prática da docência na Educação Superior, mais especificamente, da prática dos engenheiros que são professores dos cursos de engenharia, tendo em vista que construir teoria sobre a prática é produzir um conhecimento com uma outra visão sobre a mesma, uma visão investigadora e reflexiva, visando melhorá-la. Contudo, para refletir sobre a prática, é preciso ter conhecimento do que leva a ela. A este respeito, Zeichner diz: “Muito do ensino está enraizado em quem nós somos e como nós percebemos o mundo. [...] Então, voltamos nossa atenção às crenças e entendimentos dos professores, e como entender a relação entre esses entendimentos e suas práticas, atuais ou prováveis.”3

As práticas dos professores estão diretamente relacionadas com o que são e com as suas visões de mundo. É com esta crença, que desenvolvi este trabalho.

(16)

1 PERCURSO METODOLÓGICO

Neste capítulo são apresentadas informações sobre todas as etapas da pesquisa, começando pelo levantamento do referencial teórico da mesma, a coleta de alguns dados sobre os professores, que julguei serem pertinentes, a composição do grupo de professores participantes da pequisa com os respectivos critérios, as narrativas dos professores e o método adotado para a análise dos textos transcritos dessas narrativas, designado de Otobiografia.

Inicialmente, realizei um levantamento bibliográfico com vistas ao estabelecimento dos conceitos de base, entre os quais, o conceito de Profissional Reflexivo, de Donald Schön. Para a construção do referencial teórico participei do Seminário Temático Avaliação Crítica do Conceito de Professor Reflexivo, que teve como objetivo compreender o conceito de Professor Reflexivo em sua origem e seus desdobramentos em alguns autores, bem como estabelecer cronologia do percurso desse conceito. Nesse seminário foram estudados textos de Selma Garrido Pimenta, José Carlos Libâneo, Silas Borges Monteiro, Donald Schön e Ken Zeichner.

Outro conceito que fundamentou este trabalho foi o de Vivências, de Friedrich Wilhelm Nietzsche. Para o estudo das vivências na concepção de Nietzsche, realizei um levantamento de todas as referências a este termo presentes no conjunto da sua obra.

A seguir, para uma melhor caracterização do universo da pesquisa realizei um levantamento bibliográfico sobre as seguintes temáticas:

a) Educação Superior;

b) a engenharia: definição, origem e processo histórico;

c) processo histórico do ensino de engenharia;

d) processo histórico dos cursos de engenharia da FAET da UFMT.

Para completar o panorama do contexto no qual é desenvolvida a investigação, levantei alguns dados sobre os engenheiros-professores lotados nos departamentos de Engenharia Civil, Engenharia Elétrica e Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMT, através dos registros das secretarias destes departamentos e dos Currículos Lattes dos referidos professores.

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Os dados levantados são os seguintes: para cada departamento, uma relação nominal de todos os professores efetivos e, para cada um destes, o regime de trabalho, a classe profissional, o tempo de experiência no ensino superior e a titulação máxima. Também foi levantado o número de professores que estão cursando mestrado e o número de professores que estão cursando doutorado, o número de especialistas em educação, o número de mestres em educação, o número de professores que já realizaram cursos de aperfeiçoamento na área de educação e o número de professores que já participaram de eventos científicos nesta área. Essas informações foram quantificadas e transformadas em dados percentuais para fins de comparação e análise. Esses dados, assim como as análises dos mesmos, são apresentados no segundo capítulo deste trabalho.

Após a análise dos dados quantitativos levantados, seguiu-se a fase de construção dos instrumentos para o procedimento de escuta das vivências dos engenheiros-professores com vistas ao conhecimento de como esses engenheiros se tornam professores dos cursos de engenharia. Esse procedimento metodológico teve como fundamentação teórica o conceito de vivências de Friedrich Wilhelm Nietzsche e baseou-se no trabalho de Monteiro feito a partir do conceito de otobiografia de Jacques Derrida.

Como faço parte do universo estudado, uma vez que sou graduada em engenharia civil e professora do Departamento de Engenharia Civil da UFMT, resolvi inicialmente aplicar o método em mim mesma, ou seja, ensaiar comigo mesma o que pretendia fazer com os outros professores. Sendo assim, comecei a etapa escrevendo o texto sobre a minha própria trajetória de vida, no qual procurei abordar as vivências relacionadas com a minha carreira profissional. Tendo como princípio que o que somos e o que fazemos hoje é conseqüência do que vivenciamos no decorrer das nossas vidas, esse texto abrange vivências de vários períodos da minha vida que, segundo o meu entendimento, se relacionam com as opções feitas, bem como com as motivações, direções e sentidos que dei à minha trajetória profissional.

Dando prosseguimento, defini os critérios para a composição do grupo de interlocutores, ou seja, dos professores convidados para participarem da pesquisa. Considerando que o método adotado implica em um trabalho minucioso de busca de significados nas narrativas autobiográficas, o que demanda tempo e, considerando também, a limitação de tempo para a realização de um trabalho de mestrado, adotei, como primeiro critério, que o grupo deveria ser constituído por apenas três professores, sendo um do Departamento de Engenharia Civil, um do Departamento de Engenharia Elétrica e um do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. Decidi por um professor de cada

(18)

departamento na expectativa de que, sendo de áreas distintas, tivessem perfil diferenciado e assim, contribuíssem com mais informações para a pesquisa.

Outro critério para a escolha dos interlocutores foi o tempo de serviço na instituição, visando convidar, para participar da pesquisa, professores com maior experiência no magistério superior. O gênero também foi um critério e, considerando que o número de professoras lotadas nesses departamentos é muito pequeno, se comparado com o número de professores, ficou definido que apenas uma professora seria convidada para participar da pesquisa.

Os três professores convidados para participarem da pesquisa, aceitaram participar e, assim, o grupo de interlocutores ficou constituído por três professores, o que corresponde a 5% do número total de professores dos departamentos de engenharia da FAET.

O passo seguinte foi a realização de um encontro com cada um dos interlocutores. Nesse encontro solicitei ao professor que fizesse uma narrativa oral sobre a sua trajetória de vida. Cada encontro teve a duração média de duas horas e trinta minutos, e o professor foi orientado a falar sobre a sua trajetória de vida, abordando, principalmente, experiências que, em sua opinião, estivessem relacionadas com a sua trajetória profissional. Para dar uma orientação à narrativa, o Currículo Lattes do professor foi tomado como eixo de referência. Destarte, os professores fizeram as suas narrativas oralmente, as quais foram gravadas em áudio. Em seguida, elaborei os textos baseados nas narrativas. Estas foram realizadas em linguagem informal e os textos transcritos das mesmas foram elaborados de modo a terem o estilo de dissertação autobiográfica, com o cuidado para que os sentidos das falas não fossem alterados. Por este cuidado, os textos foram enviados aos respectivos narradores para que tomassem conhecimento dos seus conteúdos, verificassem se estavam de acordo com os mesmos e se tinham as suas marcas, ou seja, se identificavam nos textos os seus jeitos de ser, as suas visões de mundo. Alguns professores fizeram pequenas correções nos respectivos textos, mas todos aprovaram os conteúdos dos mesmos e autorizaram as suas publicações. Também solicitei aos professores ouvidos a autorização para que os nomes deles fossem divulgados no trabalho, e fui atendida.

Neste trabalho busquei as vivências dos engenheiros-professores nos textos transcritos das suas narrativas, tendo como fundamento o trabalho de Monteiro feito a partir do conceito de otobiografia de Jacques Derrida. De acordo com a leitura que Derrida faz de Nietzsche, otobiografia é a escuta das vivências, ou seja, consiste em uma busca de significados nas

(19)

narrativas autobiográficas. De conformidade com Monteiro4, o conceito de otobiografia foi criado pelo filósofo francês Jacques Derrida e apresentado nos Estados Unidos, em um texto de uma conferência pronunciada na Universidade de Virgínia, no ano de 1976.

Monteiro diz que,

a biografia, quando é tratada na Filosofia, vai além dos “acidentes empíricos” dos autores. Entretanto, também vai além dos exames estruturalistas dos textos: [...]. Opta por questionar a dynamis do texto, designando-a como a força, a potência virtual e móbil que dão ao texto vivência.5

A conferência pronunciada por Derrida em Charlottesville, na Universidade de Virgínia, deu origem a um livro cujo título é Otobiographies. Na terceira parte desse livro, Derrida cita Nietzsche dizendo que para este a denúncia da falta de ouvidos para os ensinamentos e, mais especificamente, para as vivências, é um tema recorrente na sua obra.6

Do Novo Dicionário Aurélio o prefixo oto significa orelha, ouvido. Portanto, o órgão da fisiologia humana que tem a função de captar os sinais sonoros, ou seja, que nos possibilita ouvir e, sendo assim, otobiografia significa ouvir a biografia. Mas um ouvir que não se restringe à captação de sons, embora em alguns casos também envolva isso, isto é, nos casos de narrativas orais. Neste trabalho trato de análise de textos, portanto ouvi-los significa compreendê-los, buscar significados nos mesmos. Procurar a vida que pulsa nos textos dos engenheiros-professores e, principalmente, como coloca Monteiro, “captar melhor o que quer essa vida ouvida.”7

A metáfora fisiológica é pertinente, também, porque a estrutura do ouvido lembra um labirinto, de modo que para os sinais sonoros chegarem ao cérebro, onde são interpretados, percorrem um caminho tortuoso e complexo. Assim também deve ser o trabalho de ouvir a vida que se apresenta nos textos. Não é um trabalho linear, exige diálogo contínuo com o que foi produzido, num vai e vem que tende a despertar profundas reflexões. A esse respeito, Monteiro diz que “Esse trajeto é sinuoso, ondulante, diria mesmo: tortuoso, porém audível, assim como o labirinto membranoso permite a audição humana”8 e complementando o seu pensamento, adverte que “pensar num método cuja metáfora é o labirinto, dificilmente

4

MONTEIRO, Silas Borges. Quando a pedagogia forma professores. Uma investigação otobiográfica. São Paulo: USP, 2004. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2004. 5 Ibid., 2004, p.65.

6 Ibid. 7

Ibid., p. 73. 8 Ibid., p. 70.

(20)

poderia proceder com raciocínio lógico-dedutivo ou empírico-indutivo. Não é possível tal conexão.”9 Isso porque essas são formas de raciocínio linear.

Para ouvir as vivências o ouvinte não pode ser passivo, sem intencionalidade, pois esta ação não consiste em uma mera captação acústica. É preciso que esteja “preparado para receber novos, confusos, irritantes, constrangedores e libertadores ou tantos outros sons.”10

Derrida11 critica as ciências por criarem objetos recortados de sua dinâmica, de sua vida. O método adotado neste trabalho visa não separar o autor da sua obra e, assim, levar em consideração as experiências de vida que deixaram marcas, que geraram concepções, que desenvolveram crenças, que levaram a tomada de atitudes, a realização de opções, enfim, de todas as transformações pelas quais foram passando no decorrer das suas trajetórias de vida e que os tornaram engenheiros-professores. Sendo assim, o autor se materializa no texto; o texto é ele. A idéia é conhecer o autor através da sua obra, pois ela tem a sua marca e a obra considerada neste trabalho é o texto transcrito da sua narrativa.

Este trabalho não tem caráter de análise psicológica. O método aqui sustentado, ou seja, a otobiografia, se assemelha ao estruturalismo, corrente metodológica surgida na França no início do século XX, que tem como núcleo teórico a noção de estrutura, ou inter-relações, e se inspirou no modelo da lingüística. Virou moda intelectual nos anos 60 e 70, inclusive no Brasil. É um método que pesquisa pela estrutura que sustenta e dá significado ao discurso, e os seus princípios são: “não separar as teses dos movimentos lógicos que as produziram e refazer o itinerário intelectual do autor por procedimento genético”12, ou seja, buscar a compreensão do processo de raciocínio que o levou às afirmações, perceber a estrutura do pensamento, buscar a essência.

Quando se analisa um texto, não se pode ignorar as contribuições do estruturalismo, a questão do signo, da estrutura, todo texto tem uma estrutura que vem da linguagem. No entanto, como já coloquei, a otobiografia é um conceito de Derrida e ele não era estruturalista, ele era fenomenólogo, ele queria ir às coisas e não ao texto.

De acordo com Monteiro13, Derrida, na conferência de Charlottesville, fala um pouco do vínculo, das assinaturas dos tratados do Estado. Há uma Política de Estado, mas alguém assina aquela Política de Estado. Então, há uma assinatura que dá consistência àquela Política de Estado. Derrida chama isso de política do nome próprio. No fundo, toda política é uma

9 MONTEIRO, 2004, p. 78. 10 Ibid., p.73.

11 DERRIDA apud MONTEIRO, 2004. 12

MONTEIRO, 2004, p. 69. 13 Ibid.

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política de um nome próprio. Derrida conceitua a otobiografia a partir da leitura que faz de Nietzsche. Quando Nietzsche fala em uma grande política, quando ele pensa em inovações da formação, da educação, ele pensa a partir de uma assinatura, de uma instituição. Então, a instituição que funda aquilo, e essa instituição é o próprio nome. Nietzsche tem um compromisso com o texto que escreve mais do que qualquer outro filósofo, parece que escreve mesmo com o sangue, como ele próprio diz. Então, ele se materializa no texto, o texto é ele e ele é o texto. Por isso que é uma política do nome próprio.

Então a otobiografia tem essa concepção, é mais a coisa mesma do que o estruturalismo. Eu digo a coisa mesma, não num sentido existencialista, mas num sentido fenomenológico, de que as coisas revelam a minha consciência. A otobiografia não ignora a noção do signo, das características da própria estrutura do texto, mas, além disso, não perde a perspectiva de que o texto é a coisa mesma. Então, a otobiografia tem inspiração fenomenológica.

Os dois métodos, isto é, o estruturalismo e a otobiografia, têm em comum a busca pelo significado. O estruturalismo busca o que o autor pensou para dizer aquilo e a otobiografia busca o que ele quis dizer com aquilo e o que ele diz é sustentado por vivências. Quando Nietzsche diz “Nossas verdadeiras vivências não são nada loquazes. Não poderiam comunicar a si próprias, ainda que quisessem. É que lhes faltam as palavras. Aquilo para o qual temos palavras, já o deixamos para trás”14 está dizendo que quando ele escreve, escreve somente sobre o que ele já superou, ou seja, só temos palavras para as vivências que já foram superadas. Então a escrita, é a síntese da superação daquilo que já experimentamos.

Nietzsche recorre à fisiologia humana para colocar o seu pensamento:

Um homem forte e bem logrado digere suas vivências (feitos e malfeitos incluídos) como suas refeições, mesmo quando tem de engolir duros bocados. Se não “dá conta” de uma vivência, esta espécie de indigestão é tão fisiológica quanto a outra – e muitas vezes, na verdade, apenas uma conseqüência da outra.15

Diz também que “Todos os que ainda não desaprenderam a digerir as suas vivências, também não desaprenderam a preguiça da digestão: com isso eles provocam indignação nessa era da pressa e do atropelamento.”16 De acordo com o pensamento de Nietzsche, enquanto a pessoa está vivendo, ela ainda está mastigando aquilo, está digerindo aquilo e, depois que

14 Nietzsche, Crepúsculo dos ídolos, Incursões de um extemporâneo, § 9 [26]. N.B.: As citações dos textos de Nietzsche estão de acordo com a convenção usada nas publicações acadêmicas sobre o autor, ou seja: autor, título da obra, seção em que se encontra a citação.

15

Nietzsche, Genealogia da moral, Uma Polêmica, Terceira Dissertação, § 16. 16 Nietzsche, Fragmentos do espólio, § 4 [58].

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absorve as suas vivências, ela se torna o que ela é. De acordo com Nietzsche, “Nossas vivências determinam nossa individualidade, e isso de tal sorte que essas impressões afetam o nosso indivíduo até a última célula.”17Com estarelação entre vivências e estrutura orgânica, ele diz que são as vivências que nos tornam o que somos, e que somos o que nosso corpo é, assim como nosso corpo é o que somos.

Depois que digere as suas vivências e se torna o que é, a pessoa é capaz de sentar e escrever. Então, quando alguém elabora, fala, narra, descreve, ela está descrevendo aquilo que já superou e, como já foi vivido, é o momento de dar novos significados àquilo. Por isso que, às vezes, a pessoa diz “Puxa! Eu nunca tinha pensado nisso”. Isso acontece porque nesse momento, ela foi capaz de trazer à memória as suas vivências e lhes dar novo significado, descobrindo um novo sentido para aquilo que vivenciou. Sendo assim, a otobiografia vai às vivências materializadas no texto. Então, acho que essa é a peculiaridade da otobiografia: ela tem inspiração estruturalista, mas escapa do estruturalismo; ela tem inspiração fenomenológica, mas também escapa da fenomenologia. Ela é uma síntese posterior ao método estruturalista e fenomenológico.

Portanto, a otobiografia se assemelha ao estruturalismo no que se refere ao trabalho com o texto e seu discurso. A partir dos movimentos, ou seja, das vivências, busca-se as lógicas por elas suscitadas e, assim, a construção do pensamento dos autores. No entanto, enquanto o estruturalismo se preocupa com as produções simbólicas, isto é, com os signos, a otobiografia se preocupa com os signatários, ou seja, com os que assinam. Além disso, na otobiografia as narrativas são analisadas sem se buscar um sentido oculto, uma essência para além do que está sendo dito.

Eu diria que o método da otobiografia foi recriado, ou reconcebido por Monteiro, porque ele tomou o conceito de otobiografia de Derrida e o reconcebeu para outro fim, que é a pesquisa em educação.

Lembrando que uma das questões abordadas neste trabalho é a construção dos saberes docentes, não existe construção sem estrutura e, como afirma Deleuze, “Só há estrutura do inconsciente na medida em que o inconsciente fala e é linguagem,”18 por isso, optei por ouvir as narrativas dos engenheiros-professores.

Na leitura que Derrida faz de Nietzsche19 um texto é autobiográfico não porque o autor conta a sua vida, mas porque ele a conta para si mesmo, ou é o primeiro destinatário da

17 Nietzsche, Fragmentos póstumos 19[241] do verão de 1872 ao fim de 1874. 18

DELEUZE, Em que se pode reconhecer o estruturalismo? p. 272. 19 DERRIDA apud MONTEIRO, 2004.

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narração. Segundo Monteiro “Tecnicamente a Filosofia tem chamado isso de reflexão, pois é retorno do pensamento sobre si mesmo, destinando a si mesmo sua descrição, análise e avaliação.”20 Durante as narrativas, por várias vezes os engenheiros-professores ficavam em silêncio e depois diziam: “sabe que eu nunca tinha pensado nisso antes?” ou “é a primeira vez que estou pensando nisso”, ou ainda “agora, conversando com você, é que estou começando a perceber que pode existir uma relação entre ‘isto’ e ‘aquilo’”, o que sinaliza alguma reflexão, como referido por Monteiro.

Os textos assinados pelos engenheiros-professores, ou seja, com as suas marcas, são de caráter autobiográfico. Um dos entrevistados, a professora Marilda Serra Ávalos, depois de ler o texto transcrito da sua narrativa, disse que se emocionou ao lê-lo e tirou uma cópia para guardar porque entendeu que era uma miniautobiografia sua. Percebi que os professores ao realizarem as suas narrativas chegavam a se emocionar, uns mais que os outros, mas isso aconteceu com todos.

A otobiografia foi recriada como método por Monteiro no seu trabalho de doutorado realizado na Universidade de São Paulo, defendido no ano de 2004, cujo título é Quando a pedagogia forma professores. Uma investigação otobiográfica. Nesse trabalho ele se propôs a ouvir a vida implicada na formação das professoras-estudantes. A minha proposta é ouvir a vida implicada na formação dos engenheiros-professores e, para tal, assumo os professores entrevistados como produtores de conhecimento qualificado, ou seja, de saberes demandados pela docência na Educação Superior e, mais especificamente, nos cursos de engenharia. Como os textos analisados foram transcritos das suas narrativas e conferidos por eles, tomo-os como suas produções. Com o entendimento de que a proximidade entre autor e texto é infinitamente pequena, os textos não são tratados como objeto, porque, se assim o fosse, eu estaria também tratando os seus autores, isto é, indivíduos, como objetos, e não tenho essa pretensão. Com o pressuposto de que a vida cria um estilo de pensamento, procuro ouvir a vida dos engenheiros-professores, dialogando com as suas produções. A vida cria vetores que impulsionam decisões e ações. Pretendo identificar os sintomas, os impulsos presentes nas suas narrativas, enfim, as forças atuantes no processo de formação dos engenheiros-professores.

Da Física Clássica, força é o único agente do universo capaz de alterar o estado de repouso ou de movimento de um corpo. Por isso, procurar conhecer as forças que impulsionam os engenheiros-professores é investigar o que os tira do estado de inércia e os

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põe em movimento, principalmente no sentido de transformações interiores, de construção de conhecimentos, de amadurecimento profissional. Ainda da Física, temos que toda força é definida por três características: módulo, ou intensidade, direção e sentido. Continuando com a analogia, o módulo, ou intensidade, é a motivação, o desejo com que os engenheiros-professores realizam as suas ações. O sentido é, de qual situação eles partem e onde desejam chegar. Para a identificação do sentido de uma força é preciso conhecer a sua origem e a sua extremidade, da mesma forma, para conhecermos o sentido das forças que impulsionam os engenheiros-professores, precisamos nos remeter às origens dessas forças, que geralmente se encontram na infância, na adolescência ou na juventude. As extremidades correspondem a onde almejam chegar, isto é, que tipo de professor desejam ser, enfim, as suas aspirações profissionais. A direção é a trajetória que percorrem para atingir as suas metas, que, em algumas seções deste trabalho, é referida como trajetória profissional, uma vez que a perspectiva deste é como os engenheiros tornam-se professores, e, em outras seções, é mencionada como trajetória de vida. O uso dos dois termos explica-se pelo entendimento de que a trajetória profissional é um recorte da trajetória de vida. O emprego do termo trajetória é justificado pelo significado apresentado para o mesmo pelo dicionário Aurélio: “Linha descrita ou percorrida por um corpo em movimento,” ou ainda, em uma linguagem mais técnica: “Lugar geométrico das posições ocupadas por uma partícula que se move”.

Enfim, essas forças são as suas vivências, narradas e, de certa forma, analisadas por eles mesmos. Tomo como verdade, nas narrativas dos engenheiros-professores, o que está registrado e por eles assinado, pois como já disse, não busco um sentido para além do que está sendo dito. Além das similaridades, busco as singularidades, as diferenças, as idiossincrasias, o inoportuno, daí a metáfora com o labirinto. Com a compreensão das similaridades e singularidades, procuro teorizar sobre elas.

Os textos não são tratados como dados, uma vez que no meu entender nesta pesquisa não cabe a relação sujeito-objeto, pois essa dicotomia demanda neutralidade da parte do pesquisador e, por eu fazer parte do universo estudado, meu envolvimento nunca seria neutro. Fazendo uma leitura dessa questão sob outra perspectiva, recorro a Nietzsche, que diz: “Para aquilo a que não se tem acesso por vivência, não se tem ouvido.”21 Acredito que as minhas vivências me possibilitam ter ouvidos para as narrativas dos signatários dos textos e coloco-me como ouvinte dos conhecicoloco-mentos produzidos por eles. Preparo os coloco-meus ouvidos para

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identificar as vivências que os tornam engenheiros e, a seguir, professores dos cursos de engenharia.

A análise foi realizada com o estabelecimento de temas que me surpreenderam nas narrativas dos professores, bem como de temas que confirmaram expectativas, tendo em vista o núcleo central da pesquisa: engenheiros que se tornam professores. Em cada fase da análise, antes de escutar as vivências dos sujeitos, escutei as minhas próprias vivências, experimentando em mim mesma a reflexão que iria fazer com os outros.

2 CARACTERIZAÇÃO DO UNIVERSO DA PESQUISA

Para uma melhor contextualização do assunto investigado, são apresentadas neste capítulo algumas informações consideradas relevantes para este estudo. Inicialmente, são abordados alguns aspectos da Educação Superior, nível no qual está inserido o ensino de engenharia. A seguir, é apresentado um breve relato sobre a origem e a evolução da engenharia, por ser a área de formação e atuação dos engenheiros-professores. Dá continuidade, um relato sobre o processo histórico do ensino de engenharia, seguido de um resumo da história dos cursos de engenharia da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia da UFMT. Complementando esse panorama e com o objetivo de delinear o perfil dos que ensinam nesse âmbito, são apresentados alguns dados sobre os professores, que foram levantados através dos registros das secretarias dos três departamentos de engenharia da FAET e dos Currículos Lattes deles. Também são apresentados alguns comentários sobre os dados levantados.

2.1 EDUCAÇÃO SUPERIOR

2.1.1 Aspectos Primordiais

Para Pimenta e Anastasiou22, a profissão de professor adquirirá características peculiares de acordo com o nível da educação em que atua. Este trabalho trata de engenheiros que se tornam professores dos cursos de engenharia e esses cursos são considerados formação de nível superior. Sendo assim, a problemática da pesquisa está no âmbito da Educação

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Superior, por isso, nesta seção são apresentados os aspectos primordiais desse nível da educação.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece no artigo 21 a composição dos níveis escolares no Brasil:

Art. 21. A educação escolar compõe-se de:

I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;

II - educação superior.23

Portanto, a educação superior corresponde ao nível escolar mais elevado e, de acordo com o artigo 43 da mesma lei, tem por finalidade:

I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;

IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição;24

O artigo 45 da LDB estabelece que “A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou

23 BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece diretrizes e bases da educação nacional. In: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 1996. Disponível em:

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm> Acesso em: 15 abr. 2008. 24

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especialização.”25 Esta pesquisa foi desenvolvida em uma instituição de ensino superior pública.

De acordo com o artigo 12 do Decreto n. 5.773, de 9 de maio de 200626, as instituições de educação superior, de acordo com sua organização e respectivas prerrogativas acadêmicas, serão credenciadas como: faculdades, centros universitários e universidades. A LDB define o que caracteriza uma universidade:

Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: (Regulamento)

I - produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional;

II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;

III - um terço do corpo docente em regime de tempo integral.27

Os engenheiros-professores, que são foco desta investigação, atuam em uma universidade.

As instituições de ensino superior têm seu corpo docente constituído por profissionais de diferentes áreas que, na maior parte, não tiveram formação inicial ou continuada para o exercício da profissão de professor. Devido às políticas públicas, o número dessas instituições vem aumentando nos últimos anos, principalmente na área privada. As novas configurações tecnológicas do trabalho, reduzindo a empregabilidade, levam a um maior afluxo dos profissionais liberais ao magistério superior, cuja oferta de empregos se encontra em expansão. Tudo isso tem contribuído para aumentar progressivamente o número de profissionais não qualificados para a docência em atuação, sendo esta a principal causa da maior preocupação nos últimos tempos com a formação do docente do nível superior.

25 BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece diretrizes e bases da educação nacional. In: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 1996. Disponível em:

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm> Acesso em: 15 abr. 2008.

26 BRASIL, Decreto 5.773, de 9 de maio de 2006. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino. In: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 de maio de 2006. Disponível em:

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5773.htm#art79> Acesso em: 21 abr. 2008.

27 BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece diretrizes e bases da educação nacional. In: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em:

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A atuação profissional na educação superior não pode consistir apenas na transmissão dos conhecimentos específicos da área profissional, mas requer a compreensão da complexidade do formar profissionais, do formar pesquisadores e do formar professores.

A problemática da formação dos professores universitários, ou melhor, da falta de formação na área pedagógica, fica mais preocupante quando é levado em consideração que o resultado do ensino, ou seja, os profissionais e os cidadãos formados são conseqüência da atuação dos seus professores.

O artigo 66 da LDBdiz que “A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.”28 Apesar de não considerar esses cursos como obrigatórios, a exigência de que toda universidade deve ter um mínimo de trinta por cento de seus docentes titulados na pós-graduação stricto sensu, a torna o lugar privilegiado para se dar a referida formação. No entanto, a história dos programas de pós-graduação tem mostrado que eles se voltam exclusivamente para a formação de pesquisadores. Essa é uma formação importante para o docente da Educação Superior, porém, fica faltando a formação para o ensino.

A questão da formação dos docentes universitários tem se tornado uma preocupação em muitos países, e no Brasil não é diferente, por isso tem sido tema relevante em muitos eventos científicos da área educacional. Em muitas instituições já são desenvolvidos programas de preparação de seus professores para o exercício do magistério superior. A UFMT vem dando os primeiros passos neste sentido com a realização, no ano de 2006, do I Ciclo de estudos e debates sobre docência na educação superior: perspectivas para definição de um programa institucional de formação continuada para docentes da UFMT e, no ano de 2007, do seminário temático Docência na educação superior: desafios da contemporaneidade.

2.1.2 Construção da Identidade Profissional do Professor da Educação Superior

A formação do professor da educação superior deve passar pela questão da construção da sua identidade profissional, bem como dos saberes necessários para a sua profissionalização no campo da docência deste nível da educação, que, como já foi falado, tem características peculiares e complexas.

28 BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece diretrizes e bases da educação nacional. In: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em:

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Para Pimenta e Anastasiou29, os professores da educação superior, isto é, os engenheiros, advogados, médicos, arquitetos, economistas, dentre outros, quando têm que preencher uma ficha de identificação, com mais freqüência se identificam profissionalmente de acordo com as suas graduações, ou seja, como engenheiros, médicos, arquitetos e economistas. Até mesmo os formados nos cursos de licenciatura, cujo objetivo é formar professores, costumam se identificar como físicos, matemáticos ou químicos. No entanto, conforme as autoras citadas, quando esses professores também exercem atividades como profissionais autônomos, nos seus escritórios, consultórios, costumam se identificar como professor universitário, o que sinaliza clara valorização social do título de professor. Estas autoras ainda fazem a ressalva de que não usam o título de professor sozinho, pois essa forma sugere uma identidade menor, do ponto de vista de valorização social, pois parece se referir aos professores secundários ou primários.

Pimenta e Anastasiou afirmam que “A identidade não é um dado imutável. Nem externo, que possa ser adquirido como uma vestimenta. É um processo de construção do sujeito historicamente situado.”30 Essa construção se realiza com base no confronto entre as teorias e as práticas, na análise das práticas à luz das teorias. Sendo assim, no caso dos professores da Educação Superior, como construir essa identidade, se lhes falta a teoria? No entanto,

constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano, com base em seus valores, em seu modo de situar-se no mundo, em sua história de vida, em suas representações, em seus saberes, em suas angústias e anseios, no sentido que tem em sua vida o ser professor. Assim como mediante a sua rede de relações com outros professores, nas instituições de ensino, nos sindicatos e em outros agrupamentos.31

De acordo com Pimenta e Anastasiou, “Nos processos de construção da identidade docente, tem papel fundamental o significado social que os professores atribuem a si mesmos e à educação escolar.”32 A minha opção por ouvir as vivências dos engenheiros-professores fundamentou-se nessa concepção de construção da identidade docente.

Alguns autores da área da educação comentam sobre o que identifica um professor universitário no contexto atual. No que se refere à formação, Benedito coloca que,

29 PIMENTA E ANASTASIOU, 2005. 30 Ibid. p. 76. 31 Ibid., p. 77. 32 Ibid., p. 77.

(30)

o professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autodidata ou (...) seguindo a rotina dos “outros”. Isso se explica, sem dúvida, devido à inexistência de uma formação específica como professor universitário. Nesse processo, joga um papel mais ou menos importante sua própria experiência como aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as reações de seus alunos, embora não há que se descartar a capacidade autodidata do professorado. Mas ela é insuficiente.33

Pimenta e Anastasiou dizem que, “há certo consenso de que a docência no ensino superior não requer formação no campo de ensinar. Para ela seria suficiente o domínio de conhecimentos específicos, pois o que a identifica é a pesquisa e/ou o exercício profissional no campo.”34 E comentam que, de acordo com essa visão,

o professor é aquele que ensina, isto é, dispõe os conhecimentos aos alunos. Se estes aprendem ou não, não é problema do professor, especialmente do universitário, que muitas vezes está ali como uma concessão, como um favor, como uma forma de complementar salário, como um abnegado que vê no ensino uma forma de ajudar os outros, como um bico, etc.35

Pimenta e Anastasiou descrevem e criticam o que acontece na maioria das instituições de ensino superior, onde os professores possuem experiência e conhecimento nas suas áreas específicas, o mesmo não acontecendo em relação ao processo de ensino e aprendizagem, pelo qual são responsáveis. Estas autoras comentam que,

geralmente os professores ingressam em departamentos que atuam em cursos aprovados, em que já estão estabelecidas as disciplinas que ministrarão. Aí recebem ementas prontas, planejam individual e solitariamente, e é nesta condição – individual e solitariamente - que devem se responsabilizar pela docência exercida. Os resultados obtidos não são objeto de estudo ou análise individual nem no curso ou departamento. Não recebem qualquer orientação sobre processos de planejamento, metodológicos ou avaliatórios, não têm de prestar contas, fazer relatórios, como acontece normalmente nos processos de pesquisa – estes, sim, objeto de preocupação e controle institucional.36

De modo geral, as políticas institucionais não têm contribuído para resolver o problema da falta de formação pedagógica dos professores da educação superior uma vez que, como é ressaltado por Pimenta e Anastasiou, estas têm como preocupação maior a pesquisa. Neste contexto, as tentativas isoladas de professores que buscam formação na área pedagógica não são tão valorizadas institucionalmente quanto as atividades de pesquisa.

Pimenta e Anastasiou apontam como requisito necessário ao exercício da docência no ensino superior, o domínio de questões como:

33 BENEDITO apud PIMENTA E ANASTASIOU, 2005, p. 36. 34 PIMENTA E ANASTASIOU, 2005, p. 36.

35

Ibid., p. 36-7. 36 Ibid., p.37.

(31)

a qualidade da educação, a educação a distância e as novas tecnologias; a gestão e o controle do ensino superior; o financiamento do ensino e da pesquisa; o mercado de trabalho e a sociedade; a autonomia e as responsabilidades das instituições; os direitos e liberdades dos professores do ensino superior; as condições de trabalho; entre outras.37

Com relação às pesquisas sobre as práticas dos professores da educação superior, Pimenta e Anastasiou dizem que elas têm ocorrido com muita freqüência nos programas de formação contínua em universidades, e que,

partindo de necessidades coletivamente detectadas, buscam deixar os professores em condições de reelaborar seus saberes, adquiridos em sua experiência de professor e de aluno e por eles considerados inicialmente como verdades, em confronto com as práticas cotidianas. Assim realizam a pesquisa da própria prática, analisando-a à luz dos quadros teóricos [...] Nesse sentido, os saberes da experiência são tomados como ponto de partida e, intermediados pela teoria, se voltam para a prática. Esse processo é fundamental na construção identitária da docência no ensino superior.38

Pimenta e Anastasiou39, afirmam que também aparecem estudos voltados para a compreensão do professor no que concerne a condutas, atitudes, valores, crenças e concepções.

Libâneo diz que é “surpreendente que instituições e profissionais cuja atividade está permeada de ações pedagógicas desconheçam a teoria pedagógica.”40 A este respeito Pimenta e Anastasiou afirmam que a Pedagogia,

possibilita que as instituições e os profissionais cuja atividade está permeada de ações pedagógicas se apropriem criticamente da cultura pedagógica para compreender e alargar a sua visão das situações concretas nas quais realizam seu trabalho, para nelas imprimir a direção de sentido, a orientação sociopolítica que valorizam, a fim de transformar a realidade.41

Pimenta e Anastasiou42 apontam os saberes necessários para o exercício da atividade docente e, por conseguinte, para a profissionalização no campo da docência. São eles: os saberes da experiência, os saberes das áreas de conhecimento, os saberes pedagógicos e os saberes didáticos. 37 PIMENTA E ANASTASIOU, 2005, p. 38. 38 Ibid., p. 58. 39 Ibid.

40 LIBÂNEO apud PIMENTA E ANASTASIOU, 2005, p. 65. 41

PIMENTA E ANASTASIOU, 2005, p. 66. 42 Ibid.

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