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O São Bartolomeu do Alcantilado

Foto 9 JOAQUIM NUNES ROCHA

3.5 A INCORPORAÇÃO

3.5.4 O São Bartolomeu do Alcantilado

O governo estadual se aproveitou, então, das discordâncias entre José Morbeck e Carvalhinho para desestabilizar a liderança regional do coronel agrimensor. Tudo começou devido aos desdobramentos de um episódio conhecido na região como “o São Bartolomeu do Alcantilado” ou “o São Bartolomeu dos garimpos”, no dia 22 de dezembro de 1924, na região do vale Ribeirão das Pombas.

Essa região, tendo se apresentado com indescritível prodigalidade, logo atraiu um grande contingente de garimpeiros e gente de toda espécie. Formaram-se, em pouco tempo, os povoados de Pombas e dos Sete, nas proximidades da Vila de São Pedro. Com a riqueza brotando da terra, os garimpeiros tinham, com facilidade, à sua disposição, farta bebida, mulheres e jogos de carta. Nesse ambiente regado a bebida, floresciam diversos tipos de gente, como aqueles que ficavam dóceis, prestativos e cordiais, enquanto que outros tinham manifestações de melindres e hostilidade, enfurecendo-se por qualquer razão, culminando sempre na morte de alguém.

A história conta que o Massacre do Alcantilado teve início na noite do dia 21 de dezembro de 1924, num dos cabarés da vila de São Pedro. Um garimpeiro de origem baiana e outro de origem maranhense passaram a disputar as preferências de uma mulher de nome Caboclinha. Logo os dois grupos começaram a se enfrentar defendendo os seus conterrâneos. Após algumas discussões, tudo voltou à normalidade.

Os desentendimentos tiveram desdobramentos no dia seguinte, quando um garimpeiro conhecido como Chiquinho Baiano, tendo reunido um grupo de baianos, partiu para o garimpo do Alcantilado, próximo de São Pedro, com a finalidade de exterminar os maranhenses. Antes de sair do povoado de São Pedro, o grupo avisou a um maranhense, proprietário de um armazém, que se, ao voltar do Alcantilado, ele estivesse sem camisa, como se encontrava naquele momento, também seria morto. O bolicheiro tomou a ameaça como brincadeira.

No garimpo do Alcantilado, o grupo de Chiquinho Baiano atacou os maranhenses. Praticamente, todos os maranhenses que lá residiam foram mortos. Quando retornou à vila de São Pedro, o grupo encontrou o bolicheiro maranhense ainda sem camisa. O bolicheiro se juntou aos outros 18 maranhenses mortos no Alcantilado.

O pânico se instalou no vale do Ribeirão das Pombas. Nem mesmo o representante de José Morbeck na região do vale do Ribeirão das Pombas, ousava confrontar-se com o grupo de Chiquinho Baiano. Reginaldo de Melo apenas proferiu uma sentença, a respeito do massacre, com medo do agravamento da situação: “O que está feito, não está por fazer”.

Posteriormente, esse episódio iria marcaria não somente nas relações entre os grupos formados pelos baianos e maranhenses, mas também os arranjos políticos que mantinham a estabilidade no território diamantino. Momentaneamente, José Morbeck, que se encontrava em Caçununga com Carvalhinho, passou a tomar providências com o objetivo de evitar a perda do controle sobre a região garimpeira que estava situada mais próxima da capital do estado.

Foi colhendo aos poucos as informações sobre o massacre. Uma das primeiras notícias lhe chegou por um moço cujos parentes tinha sido assassinado pelos baianos. O rapaz, do qual a história não registrou o nome, acusou Reginaldo de Melo de participar da carnificina. Da vila São Pedro, Reginaldo de Melo se sentia impotente, porque, após os atos de violência, Chiquinho Baiano também passou a ditar as ordens na vila de São Pedro. O moço fugira para Caçununga com a finalidade de obter a punição para os culpados.

Porém, as notícias mais detalhadas foram as descritas na carta enviada a José Morbeck por um maranhense chamado Ondino Rodrigues de Lima, que, na hora do massacre, não se encontrava no garimpo: Córrego das Pombas, 23 de dezembro de 1924. Exmo. Sr. Dr. José Morbeck: Meu caro é meu desejo que vos encontre e a sua família em pleno gozo de saúde. Tem esta por fim comunicá-lo a maior das minhas infelicidades, na manhã de vinte e dois, um grupo de baianos de acordo com os chefes (ilegível) o Quinco que está dando noticia de terem barbaramente assassinado três ou quatro maranhenses e gritando por toda a parte que reunissem os baixa ferro, descessem até o Alcantilado, nosso acampamento distante mais de dois quilômetros encontrassem nosso pessoal almoçando em toda a calma, porque ignorava fossem assassinados com a máxima selvageria, o Agostinho nosso irmão, o tio Zuza e mais quatro companheiros de barraca e ainda não posso afirmar se terão sido somente estes porque faltam dois dos filhos do tio Zuza e quatro companheiros que estavam no barracão e que não foram encontrados até esta hora, os quais ignoro, onde foram vivos ou mortos, e nem procurá-los posso porque corre com visa de verdade que tal grupo pretende me incluir e ao Leonardo no rol das vítimas, não tenho expressões para esclarecer o banditismo com que tais desordens foram praticadas, somente o jovem Casteliano e Salvador Hora se revoltaram contra tal procedimento. E incrível mas infelizmente é verdade. Os homens depois de

assassinarem os rapazes picam os cadáveres a punhaladas e ainda detonaram carabinas nos rostos que chegaram a queimá-los o fogo da pólvora. Com esta comunicação não posso nem implorar o vosso auxílio porque quando esta chegar se eu não me defender já estarei no número dos mortos, é somente para vos por a par destes tristes acontecimentos. A diferencia que existia entre eu, meu irmão e meus primos é porque eram ingênuos, o filho caçula do tio Zuza. Amadeu já é sabido que saiu no mundo esguaritando e horrorizado, não sei onde esta criança irá se parar com este terror, tudo isto que vos esclareço não tem nada de alarme, é a realidade, bem sabe que não aumento história. A minha demora aqui é somente saber dos nossos infelizes primos que não sei o resultado, só isto faz-me a retirada desta pequena faixa de Mato Grosso e da sua chefia. Peço recomendar a D. Arlinda, ao Rodolfo e D. Tutu. De V. Exª Att. Cr°. Ondino Rodrigues Lima (Carta do Arquivo da Família Morbeck).

Após ler a carta de Ondino, José Morbeck convocou reunião com os principais coronéis do Garças e Araguaia, entre eles Carvalhinho, para decidir sobre as providências a serem tomadas em relação ao massacre. Era favorável sacrificar seu braço direito no local, Reginaldo de Melo, a fim de evitar a ocorrência de outros possíveis massacres entre maranhenses e baianos em outras partes do Garças e Araguaia.