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Foto 9 JOAQUIM NUNES ROCHA

2.2 A POSSE DA REGIÃO

A descoberta do diamante na barra do Rio Caçununga com o Rio Garças logo se espalhou principalmente pelos estados do Nordeste. Devido aos problemas estruturais existentes nessa região, ou seja, devido à concentração de terra, aos fatores climáticos, ao regime coronelista e à crise da economia açucareira do Nordeste, logo os migrantes aportaram na região sudeste de Mato Grosso, servindo-se de diversos roteiros para os seus deslocamentos. Os migrantes oriundos da Bahia, mormente da região da Chapada da Diamantina, e de Minas Gerais, mormente do Vale do Jequitinhonha, já tinham familiaridade com a extração do diamante. Os maranhenses, assim como os paraenses, possuíam mais familiaridade com a extração da

borracha. Em meio aos migrantes que se dedicaram à cata do diamante, houve deslocamentos de outras partes do Brasil que se dedicaram ao comércio, à agricultura em escala local, à atividade pastoril ou à atividade capangueira, isto é, à intermediação entre os catadores de diamante e os grandes compradores das regiões consumidoras do produto no Brasil e no exterior.

Os migrantes para a região do Garças e Araguaia, em geral, e para Poxoréu, em particular, logo passaram a assistir ao loteamento do território entre os fazendeiros, a transposição do modelo coronelista implantado por José Morbeck, a partir de 1914, em toda a região, e com a família Rocha, em Poxoréu, a partir de 1947, e aos esforços do governo de incorporar região à administração estadual. Assim, o território que só se tornou importante para Mato Grosso por causa das disputas de limites com o Estado de Goiás (Cfr. Anexo 4) e com a descoberta do diamante, passou a interessar a Mato Grosso por causa da grande renda auferida pelos fazendeiros e faiscadores com o diamante.

Porém a disputa pelo território teve, inicialmente, um grande entrave para o seu povoamento: o povo Bororo. Para debelar a ação dos indígenas contra as fazendas instaladas nas cercanias do Vale dos Coroados, algumas ações do governo estadual foram decisivas para ocupação da região. Ainda durante o período imperial, o governo implantou colônias militares ao longo do Rio São Lourenço, que resultaram no confinamento de considerável contingente desse povo. Em 1848, o Diretor Geral dos Índios de Mato Grosso, em relatório enviado ao governo provincial, apresentava um quadro da situação desse povo: Os Coroados habitam as cabeceiras de diversos galhos do rio São Lourenço. Pouco e pouco exatas são as notícias que temos do seu número, de sua índole, e dos seus usos, pois não se relacionam conosco, fogem de nós e quando procuram nossos moradores e viandantes é para hostilizá-los. Com tais disposições e dominadas por sua situação, as estradas que vão desta cidade para Goiás e para São Paulo, os Coroados tornariam as mesmas estradas intransitáveis para o cristão, se não fosse o sentimento de covardia comum a quase todas as nações indígenas, que faz com que raríssimas vezes acometam a rosto descoberto, ou expondo a sua vida ao menor risco. Entretanto, por vezes, têm atacado aos viandantes e moradores do sertão, que se viram obrigados a abandonar os seus estabelecimentos, os quais, se bem que de pouca importância, eram de grande utilidade para as tropas que neles se achavam, pelo menos, o provimento do milho tão necessário para os animais já cansados por longa e penosa viagem. Os mesmos índios chegaram a cometer estragos, matando e incendiando até em sítios do termo desta cidade e distantes menos de vinte léguas; por essas razões, poucos anos se passam sem que o

Governo expeça bandeiras contra eles; porém, o resultado ordinário dessas expedições há de destruir um maior ou menor número de adultos, e aprisionar algumas crianças que entre nós se criam e que de nenhum modo aproveitam para redução e catequese da nação a que pertencem (O ARQUIVO, Cuiabá: 1905, apud XAVIER 1999).

O povo Bororo tinha sido contatado inicialmente no ciclo espanhol de conquista das terras mato-grossenses, passando pelo período de preação ocorrido durante o ciclo bandeirante, no século XVIII, até o início do ciclo do ouro, quando Mato Grosso se transformou numa das mais importantes capitanias para a Metrópole lisboeta no Brasil. As investidas bandeirantes com a finalidade de escravizar a esse e a outros povos indígenas fizeram com que parte dos bororos se deslocasse para a região situada entre os Rios São Lourenço e Garças, ocupando uma vasta área que ultrapassava os limites do então Estado de Mato Grosso, chegando até a porção central do Estado de Goiás. A resistência ao invasor foi realizada pelos indígenas mediante escaramuças ou mesmo ataques diretos às fazendas que se implantaram nas cercanias do grande vale do São Lourenço. Em 1817, começaram as campanhas militares nas proximidades na região. A partir de então as campanhas se fizeram cada vez mais frequentes, quase sempre sem o sucesso esperado. Por causa dessas investidas dos indígenas contra os invasores, o governo passou a justificar as ações militares no território. Posteriormente, elas levaram, em apenas uma excursão, à morte de quatro centenas de indivíduos da tribo, na década de 1890.

Se, por um lado, os indígenas sofriam com as ações do militares, por outro lado, passaram a manter uma relação mais amistosa com os fazendeiros provenientes da margem leste do Rio Araguaia e do sul do então Estado de Mato Grosso. Os fazendeiros tinham um comportamento menos agressivo em relação aos indígenas, utilizando-se da estratégia de lhes dar presentes, comida e bebida em troca da amizade e do próprio território. As ações dos militares e dos fazendeiros no final do século XIX e início do século XX se deram de maneira contemporânea. Enquanto os militares penetravam o território do Vale dos Coroados pelo oeste, os fazendeiros implantavam suas fazendas migrando do Estado de Goiás para Mato Grosso. Em 1904, os indígenas já tinham sido aldeados ou fora do seu território ou em algumas partes dele, ao longo do rios São Lourenço, Paraíso ou Jarudore.

Enquanto era conquistado aos indígenas pela ação dos militares e dos fazendeiros, outro fator, naquele momento de ordem política, levou à disputa entre os governos de Goiás e Mato Grosso pelo território. Em 1857, o governo goiano realizou consulta junto ao Secretário dos Negócios do Império contestando os limites entre os territórios goiano e mato-grossense.

Para o governo mato-grossense, a questão já tinha sido resolvida desde 1748, no ato mesmo de criação pela Coroa das Capitanias de Mato Grosso e Goiás, naquele momento desmembradas do território paulista. As migrações dos fazendeiros goianos para o território a oeste do Rio Araguaia e a proximidade das fazendas mais com o território goiano do que com Cuiabá fizeram com que, em 1890, a consulta se transformasse em reivindicação pública do território.

A reivindicação, no entanto, somente foi discutida no Sexto Congresso Brasileiro de Geografia, ocorrido em Belo Horizonte, no ano de 1919. O Estado de Mato Grosso se fez representar pelo Senador Antônio Francisco de Azeredo, que havia sido Presidente do Congresso Nacional, pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon e por João Barbosa de Faria. Prevendo os embates entre as partes no Congresso e como medida antecipatória em vista da defesa do território, o governo mato-grossense, além dos seus representantes, fez realizar, em 1918, um plebiscito entre os habitantes da região, principalmente entre os garimpeiros, cujo resultado foi pela manutenção dos limites estabelecidos em 1748. O plebiscito foi realizado por José Morbeck, que colocou em funcionamento a máquina coronelista por ele liderada no território do Garças e Araguaia à disposição do governo mato- grossense.

A partir do momento em que deixou de ser motivo de disputa entre as duas unidades da federação, o território diamantino, que era contemplado sempre com novas descobertas e com expedições de prospecção de possíveis lavras, formado, como a maior parte do estado, por terras devolutas, passou a ser dominado, assim como em outras partes de Mato Grosso, por coronéis, principalmente por José Morbeck, que se fazia representar em cada aglomeração temporária ou definitiva que se abria em torno das jazidas exploradas por homens fiéis à sua liderança.

Em certo sentido, a presença de José Morbeck facilitou não somente a exploração do diamante, mas também a implantação de fazendas, uma vez que esse coronel era o representante estadual para a colonização e distribuição de terras e exercia um poder quase que discricionário sobre a produção do mineral. Dessa forma, os fazendeiros vindos de Goiás e também os mato-grossenses, provenientes do sul da região Garças e Araguaia, iniciaram a implantação de fazendas na zona de influência dos Rios São Lourenço, Garças e Araguaia, ao mesmo tempo em que se intensificaram, por causa da exploração do diamante, as migrações para o território. Porém, assim como existia, em especial no sul de Mato Grosso, uma demanda secessionista, desde 1914, com o crescimento da autoridade de José Morbeck,

também foram sendo consolidadas as bases para a criação na região de um possível território garimpeiro governado por coronéis.

Foi a partir desse contexto de disputa pelo território que culminou no conflito armado que colocou frente a frente os coronéis e o Estado de Mato Grosso do que se tornou possível o surgimento de Poxoréu, como será visto nos próximos capítulos. No entanto não se pode falar sobre o povoamento de toda a região sem se levar em consideração os atores e as razões que contribuíram para tornar o território objeto de disputa entre o governo mato-grossense e os coronéis. Aparentemente, o que se processou no Garças e Araguaia, em geral, e, ulteriormente, em Poxoréu, em particular foi uma organização de mecanismos de controle não somente da produção do diamante, mas também das ações dos garimpeiros. Isso possibilitou, posteriormente, a algumas das localidades que ganharam autonomia administrativa, a criação de vínculos estreitos entre algumas famílias que foram usados para se estabelecerem no poder municipal, como foi o caso das famílias Ribeiro Vilela e Rocha, em Poxoréu, o que ficará mais claro a partir da excursão sobre a história da região a ser feita nos próximos capítulos.