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RETIRADA DOS CORONÉIS DO GARIMPO

Foto 9 JOAQUIM NUNES ROCHA

3.7 RETIRADA DOS CORONÉIS DO GARIMPO

O primeiro grande embate entre os homens de José Morbeck e Carvalhinho se deu nos dias 24 e 26 de maio de 1925 em Santa Rita do Araguaia, como já foi relatado acima, e resultou, após 35 horas de combate, na fuga de Carvalhinho que partiu rumo à Bahia para arregimentar forças e poder dar continuidade ao combate no Garças e Araguaia. Sua providência mais imediata deveria ser a retomada de Santa Rita do Araguaia, fato que aconteceu em outubro de 1925.

As ações de José Morbeck, além de se tornarem um confronto pessoal com Carvalhinho, também foram de confronto contra as autoridades de Mato Grosso. Visavam precisamente expulsar do território diamantino policiais e juízes e toda espécie de gente que estivesse subordinada ao governo. Em certo sentido, a luta do coronel era uma luta pessoal não somente em vista da manutenção do seu prestígio dentro e fora da região diamantina e sua autoridade sobre os garimpeiros, mas também da criação do estado do Garças e Araguaia.

Exemplo histórico para isso não lhe faltava em seu estado de origem. Horácio de Queiróz Matos (1882-1931) havia enfrentado o governo baiano em diversas ocasiões na luta para manter sua autoridade sobre a Chapada da Diamantina. As pazes com o governo baiano

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Meirelles (2006) narra a passagem dos homens da Coluna Prestes pelos garimpos do Araguaia como um dos momentos em que eles ficaram fascinados com as histórias da opulência dos garimpeiros do Rio Araguaia. Segundo ele, os olhos dos revolucionários brilhavam ao ver que homens parecidos com eles, pobres e humildes, haviam se enricado da noite para o dia. À semelhança dos homens de Prestes, os garimpeiros andavam armados com revólveres e espingardas de caça. E afirma: “As tentativas de atraí-los para as fileiras revolucionárias

tinham sido inócuas. Os garimpeiros, como a maioria da população do interior, eram imunes ao discurso urbano da revolução. Democracia, justiça social, arbítrio, direitos individuais eram palavras abstratas, sem qualquer significado no universo em que viviam. Lutar pela liberdade? Lutar contra o Governo? Lutar para quê? Os rebeldes é que deveriam se juntar a eles, no garimpo, uma atividade muito mais lucrativa do que sair por aí, como salteadores, trocando tiros com a Polícia e com o Exército”. Em seguida, Prestes propôs aos

revolucionários de se juntarem aos garimpeiros para formarem um exército contra o governo, num projeto que não consistia em transformar os rebeldes em garimpeiros, mas em dar novo alento às tropas. O projeto não foi aceito, devido à resistência dos garimpeiros e porque os membros da Coluna acreditavam que isso fragmentaria a tropa. Por isso, preferiram prosseguir a sua viagem rumo à fronteira com a Bolívia.

somente foram feitas com a intervenção do governo federal que, em meados da década de 1920, arrebanhara o coronel para combater as hostes andarilhas da Coluna Prestes, nomeando- o Comandante do Batalhão Patriótico das Lavras Diamantinas, quando ganhou o título de Tenente-Coronel da Guarda Nacional, em 1925. O Batalhão Patriótico foi uma milícia criada para combater a Coluna por Floro Bartolomeu, em 1925, em Juazeiro do Norte.

Em suas andanças pelo oeste brasileiro no encalço da Coluna Prestes, Horácio de Matos passou também pela zona diamantina do Garças e Araguaia, nos anos de 1925 e 1926. Nessa região, devido à influência política que gozava principalmente no Rio de Janeiro, José Morbeck talvez tivesse em mente a mesma reação do governo federal ou de amigos importantes, no Congresso Federal, para combater a Coluna Prestes. Com isso, José Morbeck evitaria que a sua liderança fosse colocada em perigo. No entanto, a situação era outra: a Coluna Prestes era um evento nacional e o problema do Garças e Araguaia era algo que dizia respeito somente a Mato Grosso. Dessa forma, aos poucos, as forças de José Morbeck foram sendo minadas pela atuação das tropas lideradas por Carvalhinho.

Por seu turno, Carvalhinho tinha por intenção exercer efetivamente o cargo para o qual havia sido investido pelo estado. Se anteriormente comungara com José Morbeck, inclusive nas suas intenções de apoiá-lo nas disputas com o governo estadual, naquele momento vislumbrava também a possibilidade de, no caso de sair vitorioso no conflito armado, passar a exercer o mesmo poder de José Morbeck sobre os garimpeiros antes da deflagração do conflito.

Por seu turno, o governo mato-grossense tinha por interesse a incorporação do território diamantino à administração estadual num momento em que as finanças do estado ainda se ressentiam da exaustão da produção do ouro em Cuiabá e crise da produção da borracha, que enfrentava a concorrência da produção malaia. O controle do fluxo das riquezas do Garças e Araguaia poderia ser uma saída para o problema econômico estadual.

Assim, os combates giraram em torno desses três personagens: o estado e Carvalhinho, de um lado, e José Morbeck, do outro. No entanto, há poucos relatos sobre o que realmente aconteceu nos campos de batalha. Os enfrentamentos entre as partes envolvidas no conflito consistiram de emboscadas, tocaias e sitiamentos principalmente da cidade de Santa Rita do Araguaia. O primeiro dos grandes combates se deu com a tomada dessa cidade pelas tropas morbequinas, em maio de 1925, logo após o seu retorno do Rio de Janeiro, quando Carvalhinho foi nomeado delegado do Garças e Araguaia. As tropas morbequinas chegaram à cidade durante a noite. Carvalhinho e seu contingente estavam dentro de sua residência, a Casa Pernambucana, quando foram surpreendidos pelo ultimato dos homens de José Morbeck. Do enfrentamento, sobraram cinco mortos.

Além dos recursos recebidos de Cuiabá, do contingente de homens que o governo lhe disponibilizou, Carvalhinho também conseguiu contratar jagunços nos sertões baianos, principalmente entre os seguidores de Horácio de Matos. Com esse propósito, e com as notícias que chegavam do Garças e Araguaia à Bahia e ao Rio de Janeiro, sobre a Coluna Prestes e sobre as ações de José Morbeck, Carvalhinho retornou a Mato Grosso para retomar Santa Rita e fazer valer a sua autoridade. Conseguiu armas e apoio político para combater a mesma Coluna Prestes, mas os utilizou para combater Carvalhinho.

A retomada de Santa Rita por Carvalhinho começou em julho de 1925. Ele partiu à frente das tropas militares mato-grossenses, num total de 300 praças, comandados pelo Capitão Daniel de Queiroz, e pelos jagunços contratados na Bahia. Quando chegaram às proximidades da Serra da Arnica, encontraram os homens do Major Candinho, o segundo

homem na hierarquia criada por José Morbeck para o Garças e Araguaia. Os homens comandados de José Morbeck se haviam entrincheirado no alto da serra. O major Candinho acreditava que dali era mais fácil levar a termo o combate contra a tropa de Carvalhinho. A estratégia do coronel, no entanto, se revelou um fracasso, porque a tropa de Carvalhinho rodeou a serra fechando aos homens emboscados todas as possibilidades de descida.

Após o cerco à Serra da Arnica, as tropas de Carvalhinho apenas esperaram pela rendição dos sitiados. Estes, tomados pela sede e pela fome, puseram-se em fuga, e, na perseguição, sofreram muitas baixas. As tropas de Carvalhinho se animaram e, de vitória em vitória, de julho a outubro de 1925, tomaram todos os mais importantes localidades da região diamantina, desde Lajeado, Aldeia, Cai-Cai e Córrego Danta até Santa Rita do Araguaia, de onde Carvalhinho havia fugido, no mês de maio passado.

Essas batalhas, de curta duração, provaram que a tropa morbequina não tinha o devido preparo militar. Formada por homens dispostos e corajosos, animados pela causa do seu líder, a tropa morbequina não tinha o devido preparo para manusear as armas que tinha à disposição. Apesar do fervor pela causa do coronel, suas tropas sofreram sucessivas baixas e derrotas. Por isso, se refugiaram nas grimpas das serras, partindo apenas para incursões noturnas. Dessa forma, evitavam o confronto direto com as tropas de Carvalhinho, que eram melhor preparadas. O sitiamento de Santa Rita chegou ao fim em outubro de 1925, mas a localidade continuou sendo atacadas pelas tropas de José Morbeck.

No declinar de 1925, os dois lados do conflito entraram em acordo e depuseram as armas, sem que um deles fosse declarado vencedor. O governo de Mato Grosso havia consumido recursos e pessoal no conflito e com isso havia esvaziado ainda mais o tesouro estadual. Quanto a José Morbeck, este continuou no palco das grandes batalhas, mas estava exaurido de recursos. Carvalhinho não chegou efetivamente a exercer o cargo para o qual havia sido provisionado pelo governo de Estêvão Alves Correia, que havia substituído Pedro Celestino no dia 25 de outubro de 1924, ficando no cargo até o dia 22 de janeiro de 1926. No final dos conflitos, sem as suas casas comerciais em Bandeira e Santa Rita, mais uma vez teve que migrar, desta feita para Poxoréu, depois das descobertas de diamantes no sopé do Morro da Mesa, em julho de 1926, acompanhado pelo seu grupo de jagunços baianos, arregimentados nas fileiras de Horário de Matos.

Estêvão Alves Correia foi substituído por Mário Corrêa da Costa, no dia 22 de janeiro de 192638. Em relação ao Garças e Araguaia, uma de suas primeiras providências, após a retomada de Alto Araguaia, em outubro de 1925, foi a retirada das tropas militares da zona de conflito. Porém, temendo a recuperação do Garças e Araguaia e com ela a volta dos coronéis, o novo presidente tomou logo providências para colocar em cada localidade da região diamantina os representantes do estado. Para Santa Rita do Araguaia, por exemplo, mandou Waldomiro Corrêa da Costa, como chefe da delegacia de polícia. Com José Morbeck acantonado em sua fazenda, o centro de sua preocupação passou a ser Poxoréu, para onde havia migrado Carvalhinho.

Embora conflito armado tivesse terminado na parte oriental do território diamantino, sobraram as histórias ou estórias que visavam manter a imagem de José Morbeck e manchar a imagem do governo estadual diante do garimpeiro. Entre essas histórias, está o fato de que, enquanto as partes litigantes se debatiam nos campos de batalha, a forças do governo usavam do artifício de apresentar requisições em todos os armazéns, fazendas e lavouras por onde passavam, para conseguir alimentação. Muitos estabelecimentos comerciais ou mesmo os fazendeiros foram exauridos de seus recursos por conta de tais requisições que, nem durante nem após o conflito, foram pagas. Para não atender às requisições aqueles que dispunham de algum recurso abriam buracos nos campos e nas matas, dentro dos quais escondiam seus pertences ou mercadorias, enquanto fugiam para outros lugares. Por conta dos ataques das tropas do governo e dessas aquisições sem valor pecuniário, o Garças e Araguaia ficou praticamente despovoado, e isso por si só já justificava a retirada das tropas do governo da região.

É no contexto do massacre do Alcantilado, de 1924, e do conflito entre José Morbeck e Carvalhinho e o Estado de Mato Grosso, que chegou ao campo de batalha em 1925, deixando desabitadas as praças que tinham sido palco do conflito armado a oriente do território diamantino do sudeste mato-grossense, que, no mês de julho de 1926, foram descobertas as primeiras amostras de diamantes nas confluências do Rio Poguba com o Córrego Areia e o Córrego dos Bororos e fizeram surgir as primeiras habitações que deram início ao povoamento de Poxoréu. Seus fundadores foram, portanto, Maroto Sodré e seu

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Mário Corrêa da Costa, médico, governou o Estado de Mato Grosso em dois momentos. O primeiro, ainda na República Velha, de 1926 a 1930. Nesse período sucedeu a Pedro Celestino, a quem, posteriormente acusou de fazer composição com José Morbeck. Em relação ao Garças e ao Araguaia, nesse período, confrontou-se, no final de seu governo com Carvalhinho, iniciou o processo de consolidação da autoridade de Mato Grosso sobre o território garimpeiro. No segundo período, de 1935 a 1937, aconteceu o “Caso do Garimpo do Tesouro”, que será a conclusão do processo de consolidação do domínio de Mato Grosso sobre o Garças e Araguaia.

irmão Barbosinha, João Dourado, Joaquim Prateado e Peito Rocho, que, na fuga de São Pedro rumo a Caçununga, levaram consigo petrechos apropriados à garimpagem e encontraram diamantes onde atualmente se encontra implantado o distrito-sede do município.

A descoberta de diamantes nesse local interrompeu a viagem dos fugitivos rumo à região central do Garças e Araguaia. Com as prospecções sempre resultando em abundantes coletas da pedra preciosa, tanto em monchões como nas barrancas dos córregos e rios, não demorou muito para que os habitantes das vilas próximas a São Pedro, no vale do Ribeirão das Pombas, ainda com a lembrança recente da violência perpetrada pelos baianos contra os maranhenses, de 22 de dezembro de 1924, fossem aos poucos se despovoando principalmente a Vila de São Pedro para povoar a corrutela próxima ao Morro da Mesa, que deu o primeiro nome à localidade.

Esse foi, em certo sentido, o motivo do desaparecimento da Vila de São Pedro, em 1927, onde ocorria uma média semanal de cinco mortos, causada pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas, pelo jogo de cartas, pelas disputas pelas mulheres, pelo enriquecimento fácil e dois outros fatores: o livre acesso e porte de armas tanto para os homens de bem quanto para aqueles que se entregavam às bebidas e a ausência de policiais.

A fuga dos garimpeiros rumo a outros lugares menos afeitos à violência incomodou sobremaneira os homens de negócio de São Pedro, isto é, os pensionistas e os capangueiros. Juntamente com os garimpeiros, em 1925, 166 pessoas do lugar assinaram petição ao Superintendente de Polícia do Estado, Primeiro Tenente Antônio Accioli, e ao Agente das Minas de Diamante e Subdelegado de Polícia, Severiano Godofredo de Albuquerque, para evitar o despovoamento de São Pedro e solicitar o fechamento da corrutela do Morro da Mesa. A razão para o fechamento da vila era a sua insalubridade. Foram imediatamente atendidos, com a criação de uma Subdelegacia na vila São Pedro.

O estado agiu, então, com rapidez enviando os policiais para a região com o objetivo de evitar o surgimento de novos coronéis que assumissem o controle da vila. No entanto, os policiais que foram enviados para fechar o garimpo do Morro da Mesa não comprovaram as razões alegadas pelos signatários da petição enviada às autoridades de Cuiabá desde a vila de São Pedro. Na prática, perceberam que ali os garimpeiros faturavam em um dia o que no vale do Ribeirão das Pombas se arrecadava em um mês e passaram também eles a garimpar.

São Pedro surgira com o garimpo e a construção das habitações se deu de maneira improvisada com os materiais existentes: pau, barro e palhas de babaçu. Os garimpeiros não

tinham tempo para pensar em comodidades e os comerciantes amontoavam onde fosse possível mercadorias e produtos inflamáveis. Em 1927, enquanto os músicos tiravam seus acordes e os garimpeiros e as prostitutas bailavam, um carreiro da Fazenda Santa Paz, hoje situada em Rondonópolis, após ter comprado querosene em um dos bolichos da vila, enquanto bebia o seu aguardente e tentava acender um fogo para o preparo da comida, jogou uma grande quantidade de álcool sobre os gravetos e o fogo foi pegar nas paredes da Pensão da Sinhá Dias, daí se espalhando por toda a vila São Pedro. A vila não foi reconstruída após o incêndio e seus habitantes se mudaram para a vila que se formava no sopé do Morro da Mesa, que depois mudaria o nome para Poxoréu.