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2. O SANEAMENTO NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO

2.1. SANEAMENTO DO PROCESSO

O objetivo da legislação processual é estruturar o conjunto normativo para se que possibilite ao processo alcançar o seu fim, que é a formação da norma jurídica individual para o caso concreto. Como bem observa. Paula Costa e Silva, o processo é a forma ordenada à resolução de litígios. Essa forma tem que integrar todos os atos fundamentais à resolução do próprio litígio, de modo que “o acto integrado na sequência prevista pelo legislador está indissociavelmente ligado ao fim do processo. Só se justifica enquanto puder concorrer para a resolução. Só se justifica no contexto da resolução”254.

Ainda que haja consenso sobre a inexistência de uma forma ideal, a sequência em que os atos ocorrem no processo não pode ser posta pelo legislador de maneira arbitraria. O objetivo do legislador é construir modelos que permitam dirimir litígios com segurança e celeridade, sendo o grande problema a determinação do modo adequado de articulação desses dois valores255.

O objetivo do despacho saneador classicamente estudado é por razões de economia256 e celeridade processual257, buscando-se nessa fase tornar o processo livre de

vicissitudes que possam descambar em sua nulidade. Procura-se desenvolver o processo de maneira válida para que seja proferida uma sentença de mérito igualmente válida e eficaz258.

Fala-se, ainda, do saneamento como instrumento para efetividade do processo259, da

cooperação e da imparcialidade do juiz260, e, ainda, do contraditório261.

254 SILVA, Paula Costa e. Acto e processo. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 115. 255 SILVA, Paula Costa e. Acto e processo. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 115.

256 Adriana de Albuquerque Holanda, por exemplo, entende que o despacho saneador seja uma das melhores

soluções para a problemática da economia processual, através de técnicas de desobstrução do processo das questões formais (HOLANDA, Adriana de Albuquerque. Despacho Saneador. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 33, n. 130, p. 231-243, abril/jun. 1996, p. 232).

257 BARBI, Celso Agrícola. Despacho saneador e julgamento do mérito. Revista da Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, p. 148-158, 1969, p. 154.

258 “O juiz, ao mesmo passo em que desenvolve esforço no sentido de coletar o material destinado à resolução

das questões de mérito, há de manter-se constantemente atento à regularidade e adequação da própria relação jurídico-processual, sob risco de, negligenciando tal vigilância, permitir o desenvolvimento de processo imprestável para servir de instrumento àquele objetivo maior e final” (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado Fabrício. “Extinção do Processo” e Mérito da Causa. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Saneamento do Processo: Estudos em Homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre, S. A. Fabris Editor, 1989, p. 27).

259 ALCÂNTARA, André Antonio da Silveira. Saneamento do processo: saneamento e efetividade na audiência

preliminar em face da nova tendência processual civil. São Paulo: Leud, 2004.

260 HOFFMAN, Paulo. Saneamento Compartilhado. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 80.

261 Neste sentido, BRUSCHI, Gilberto Gomes. Breves considerações sobre a audiência preliminar e o

saneamento do processo. Revista dialética de direito processual. São Paulo: Oliveira Rocha, nº 76, jul/2009, p. 40-47, quem faz a afirmação tomando como base a alteração legislativa que criou a audiência preliminar de

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O saneamento não só pode ocorrer, mas deve ocorrer em todo e qualquer processo, e não somente naqueles sob o rito do procedimento comum.

A atividade saneadora é inerente ao exercício da jurisdição, como o é, de modo geral, à atividade estatal262. Nesse sentido, o saneamento é, visto da perspectiva de correção

de falhas, erros, mazelas, nulidades em geral, extirpando-as do procedimento em prol do julgamento do mérito processual. Dessa forma, é saneamento quando o juiz previne a ocorrência de atos viciados. A prevenção é saneamento.

Mas é no saneamento, também, que o magistrado aponta as questões controvertidas e organiza o processo para a fase instrutória. Nele, deve delimitar o objeto de convencimento e deferir as provas pertinentes, já designando, se possível, audiência de instrução, debates e julgamento.

O termo saneamento possui dois sentidos: é atividade exercida pelo juiz263 – seja

isoladamente, seja com o auxílio das partes em cooperação –, ou pelas partes, através do saneamento e organização consensual; como também é uma fase do processo em que há o exercício concentrado dessa atividade, que pode cominar no despacho saneador264.

É possível que nem haja “despacho saneador”, como também é possível que seja proferido mais de um “despacho saneador” no processo. Também, nem sempre será mero despacho. É possível que o ato tenha natureza de decisão interlocutória ou mesmo de sentença que extingue o processo com ou sem resolução de mérito, por exemplo. Denomina-se

conciliação no Código de 1973, posto saberiam as partes, na audiência preliminar, de quais seriam os pontos controvertidos que ainda precisavam ser provados.

262 “Todo funcionário público, no exercício das suas funções, antes de praticar os atos ou emitir os provimentos

inerentes ao seu cargo, tem o dever de verificar se a atividade por ele desempenhada e os atos por ele praticados ou a serem praticados se revestem da indispensável legalidade, regularidade e adequação aos seus fins. Observe- se, por exemplo, o paralelismo entre a função saneadora do juiz e os critérios que a Lei 9.784/99, que dispõe sobre o processo administrativo federal, exige que o administrador adote na direção do processo administrativo: atuar conforme a lei e o Direito; adequar os meios aos fins, não fazendo exigências superiores às necessidades; observar as formalidades essenciais à garantia dos direitos dos interessados; garantir às partes o exercício de todos os direitos inerentes ao contraditório e à plenitude de defesa; e impulsionar de ofício o processo (art. 2º, parágrafo único, incisos I, VI, VIII, IX, X e XII)” (GRECO, Leonardo. O saneamento do processo e o projeto do novo Código de Processo Civil. Revista Eletrônica de Direito Processual. v. VIII, p. 568-601, 2011, p. 573).

263 “O saneamento do processo é uma função instrumental do juiz, que abrange todas as atividades que ele exerce

e todos os provimentos que adota, com a finalidade de assegurar a sua válida formação e o seu desenvolvimento regular e para definir os atos que deverão ser praticados para conduzi-lo à realização do seu fim, que é o justo e adequado exercício da jurisdição sobre a pretensão de direito material que lhe foi submetida” (GRECO, Leonardo. O saneamento do processo e o projeto do novo Código de Processo Civil. Revista Eletrônica de Direito Processual. v. VIII, p. 568-601, 2011, p. 572).

264 Galeno Lacerda entendia que o saneamento fosse realizado em vários momentos processuais, considerando o

despacho saneador em duas acepções: como gênero, de forma que englobasse todas atividades saneadoras do juiz; enquanto espécie do gênero, juntamente com o despacho liminar e o julgamento da exceção (LACERDA, Galeno. Despacho saneador. 2ª ed. Porto Alegre: S. A. Fabris Editor, 1985, p. 08).

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“despacho saneador” por uma questão de didática e de conveniência histórica, tratando-o como qualquer decisão ou despacho proferido na fase de saneamento do processo.

É objeto da atividade (ou função) saneadora do processo: 1) a análise dos requisitos de admissibilidade do processo; 2) a análise de preliminares pendentes, como exceções e objeções arguidas pelas partes; 3) a análise de nulidades processuais, determinando-se o aproveitamento dos atos que possam ser aproveitados, ou que sejam novamente realizados os que assim possam, ou extirpados aqueles que não possam ser aproveitados; 4) a extinção do processo, seja por julgamento antecipado ou parcial de mérito, seja por extinção do feito sem resolução de mérito; 5) a organização do processo e preparo para a instrução265.

Portanto, exerce-se a atividade saneadora durante todo o processo, mas existe um momento processual no qual ela é concentrada266. Esse momento, a fase de saneamento, se dá

normalmente após as partes apresentarem suas razões – em petição inicial, contestação, réplica e eventual reconvenção, etc. – e antes da instrução processual.

Não se confunde, contudo, o saneamento com qualquer sentença que julgue o mérito. O saneamento ocorre antes da instrução processual. Se o juiz exerce atividade saneadora em momento posterior é porque: 1) surgiu ou foi levantada a existência de nulidade em momento posterior; ou 2) seria necessária a instrução para que se verifique questão relativa ao objeto do saneamento.

Mas nem tudo que se faz na fase do saneamento é saneamento. É possível que as partes e o juiz realizem nela atos outros que nada digam respeito à atividade saneadora. Contudo, é indiscutivelmente nesse momento processual que essa atividade é feita de maneira concentrada. Também é certo que as atividades enumeradas possam ocorrer em vários outros momentos que não a fase de saneamento do processo.

265 De forma contrária entendem Dinamarco, Theodoro Jr. e Arruda Alvim, para quem o saneamento somente se

refere à análise dos pressupostos processuais e condições da ação. DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 3ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 1996; THEODORO JR., Humberto. As inovações no código de processo civil: Juizado Especial Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996; ALVIM, J. E. Carreira. Ação monitória e temas polêmicos da reforma processual. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

266 Napoleão Nunes Maia Filho, por seu turno, afirma que “O saneamento não é mais entendido como ato único e

formal, mas sim como uma atividade judicial que se desenvolve durante todo o seu trâmite, de forma permanente” (MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A audiência preliminar e a sequência do processo. Revista do Tribunal Regional Federal 5ª Região. n. 56, p. 121-140, abril/junho, 2004, p. 131).

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Delimitado o que se entende, portanto, por saneamento do processo, segue breve nota histórica sobre o desenvolvimento do instituto, tratando-se, após, de maneira mais aprofundada, do saneamento nos Códigos de Processo Civil brasileiros de 1973 e 2015.