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Para Becker e Matheus71, é através do telejornal que a experiência coletiva das diferentes realidades locais e globais se reúne e é partilhada por diferentes grupos sociais. O telejornal, destacam as autoras, passados seis décadas, ainda é o produto de informação que gera maior impacto na sociedade contemporânea e é um gênero televisual que sofrerá importantes mudanças na convergência entre a TV e a internet.

Essa convergência midiática de assistir à TV e acessar a internet e suas interações, no ambiente digital, permitem que novos atores sociais sejam incorporados nos processos de construção das notícias. As autoras, porém, fazem uma análise crítica desse processo ao afirmarem que o aumento do fluxo de informações trocadas por um número maior de pessoas não garante um maior valor informativo à notícia, nem mesmo o aperfeiçoamento das práticas jornalísticas audiovisuais.

Para realizar uma pesquisa comparativa, que justificasse essa hipótese, foram analisados os telejornais mais representativos do mundo. As autoras selecionaram como corpus de análise 8 telejornais de cinco continentes, - “CNN World Report”, “BBC World News”, “ABC 7 News”, “Telesur Notícias”, “Jornal Nacional”, “China 24 Horas”, “NTA 24 horas” e “News Bulletin/Al Jazeera”, entre os dias 28 de maio e 4 de junho de 2010. Foram gravadas todas as edições do horário nobre desses noticiários, três veiculados na TV e cinco na Web, com o objetivo de verificar os efeitos da convergência na construção das narrativas dos telejornais , verificar as atuais características dos relatos telejornalísticos, destacar o melhor telejornal do corpus e ainda de que modo experiências de ensino como o laboratório e o site TJUFRJ podem ou não contribuir para a formação dos futuros profissionais de comunicação.

Para esta tese, a verificação das duas primeiras propostas destacadas pelas autoras, já é suficiente para a análise que propomos neste capítulo.

Entre os aspectos relevantes que chamaram a atenção das autoras, um deles diz respeito aos conteúdos colaborativos desses telejornais: raramente os conteúdos colaborativos foram e são usados nesses telejornais, apesar de sites,

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BECKER, Beatriz e MATHEUS, Lara. O melhor telejornal do mundo: um exercício televisual em VIZEU, Alfredo; PORCELLO, Flávio e COUTINHO, Iluska. (Orgs.) 60 anos de

como o da CNN, possuir uma parte destinada apenas aos conteúdos dos usuários.

A maioria dos telejornais analisados investe na atualidade das notícias e no imediatismo, mas há falta de contextualização dos fatos sociais. Contudo, verifica-se que embora as tecnologias digitais permitam inovação e geração de múltiplos conteúdos simultâneos e diferentes com uma produção de notícias compostas das mais diversas fontes, os atuais usos e apropriações desses recursos não tem garantido a qualidade do telejornalismo, que ainda busca construir sua credibilidade por meio de enunciações de âncoras e repórteres, sem aproveitamento de conteúdos colaborativos. (BECKER e MATHEUS, 2010: pág. 153)

O Jornal Nacional, corpus desta dissertação, também fez parte da pesquisa das autoras. Segundo elas, o investimento em recursos técnicos no telejornal é visível: o JN tem um cenário moderno e se utiliza de recursos audiovisuais, entre eles os recursos virtuais, que compõem o relato jornalístico promovendo entre os telespectadores e o fato relatado uma sensação de contato real.

Se os recursos tecnológicos avançam, o conteúdo noticioso construído pelas diferentes editorias do Jornal Nacional permanece com características ainda da década de 70. Enquanto o JN, segundo as autoras, em edições analisadas dava ênfase, por exemplo, em editorias internacionais ou esportivas, como a cobertura da Copa do Mundo no Brasil, uma vez que a Rede Globo detém os direitos de transmissão desse evento, os outros telejornais sequer apresentaram matérias dessa editoria, o que contrapõe a tendência de mundialização da informação.

O conteúdo colaborativo presente nos telejornais não é sistemático, mas já se destaca em algumas edições. Podemos tomar como exemplo, a própria edição do dia 07 de abril de 2011, já mencionada neste trabalho. Nessa edição, como ressaltamos, o JN foi quase todo dedicado ao massacre de estudantes na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, por um ex- aluno da escola. A primeira matéria dessa edição, a que reconstituiu o crime, ganhou maior veracidade graças aos recursos tecnológicos digitais disponíveis, ao ambiente colaborativo da internet e a iniciativas de cidadãos comuns dotados também de recursos tecnológicos.

O início da reportagem do repórter Helder Duarte foi ilustrada com uma animação, produzida com software de computação gráfica, que tentou reconstituir ou simular de forma virtual a realidade do fato jornalístico ocorrido dentro das salas de aulas; foram usados também trechos de um vídeo gravado por um homem com um aparelho celular e postado no YouTube, imagens e gritos de crianças, algumas feridas, familiares na entrada da escola e a chegada dos policiais, em seguida o homem que registrou as imagens entrou na escola e gravou o desespero dos pais; o uso dos recursos tecnológicos ilustraram as narrações em off, alternadas com depoimentos das vítimas e de policiais. Uma passagem do repórter em frente à escola deu destaque ao circuito de câmeras do colégio. Em seguida imagens do circuito interno de TV da escola ilustra o percurso do criminoso dentro do colégio.

Logo após a reportagem, Fátima Bernardes, então apresentadora do telejornal, narrou ao vivo com imagens do cinegrafista amador, Maurício Silva, imagens de crianças sendo retiradas feridas de dentro da escola, momentos após o ataque. Uma foto do corpo do atirador, Wellington Menezes, que cometeu suicídio, tirada pela agência Estado, também foi exibida.

Figura 16: animação gráfica que ilustra o início da reportagem de Helder Duarte no JN

Figura 17: imagem do vídeo gravado por um aparelho celular, postado no YouTube e que também foi utilizado pelo JN na reportagem de Helder Duarte.

Figura 18: imagem do circuito interno da Escola Municipal Tasso da Silveira que mostra a movimentação de Wellington Menezes dentro do colégio.

A veracidade da reconstituição do crime ocorrido na Escola Municipal Tasso da Silveira, só foi possível com a existência de um telejornalismo colaborativo com a participação do cidadão comum que diante das novas tecnologias ganhou status de repórter – cidadão e com a participação de instituições públicas como escolas e polícias que acabaram cedendo as imagens do circuito interno de TV.

Para Silvia e Rocha, a participação do cidadão no telejornal não se limita apenas ao espaço do telejornal no ciberespaço, por meio de fóruns, chats, enquetes e salas de bate-papo, como já destacamos, os telejornais, segundo as autoras, incentivam a participação do telespectador-internauta solicitando o envio de imagens e gravações de acontecimentos através de suas plataformas digitais, que possuem links próprios com essa finalidade.

Nos últimos tempos, têm aumentado também a inserção nos telejornais de imagens gravadas por telespectadores, geralmente flagrantes que registram acontecimentos de repercussão e interesse público, ou em virtude do número de pessoas atingidas pelo fenômeno ou pelo caráter de excepcionalidade da ocorrência (fait divers). Essas imagens muitas vezes captadas de câmeras de telefones celulares, demostram que a população já está familiarizada com os recursos de gravação e edição de imagens, o que pode constituir um sinalizador importante do advento do ciberespaço. (SILVA e ROCHA, 2010: pág. 205)

O canal a cabo e por satélite, Globo News é um bom exemplo dessa política colaborativa entre as emissoras de TV e seus telespectadores. Acessando o endereço eletrônico da Globo News72 o telespectador-internauta pode enviar seu vídeo e fotos; marcar um título para o conteúdo e informar onde e quanto ocorreu o fato. Segundo o próprio site da Globo News, o vídeo pode ser usado na Globo News, na TV Globo e na internet. Na Web, ele ficará publicado por seis meses.

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Figura 19: página do portal G1das Organizações Globo onde o internauta pode enviar conteúdo informativo.

Negroponte73, em obra de 1995, afirma que o conceito de tecnologia digital desenvolvido pelas áreas da engenharia para o modelo de TV digital é bem diferente do modelo de redes desenvolvidos para os computadores e para a internet. A engenharia para a TV digital, segundo Negroponte, ignorou a flexibilidade dos sistemas heterogêneos e os cabeçalhos compostos de informação que serve de referência para a tecnologia na Web. O autor destaca que a grande preocupação dos engenheiros foi com a resolução da imagem, o número de quadros por segundo, o que não permitiu que tais elementos fossem variados. Para Negroponte, essas doutrina da transmissão televisiva possui todos os dogmas do mundo analógico, uma vez que se apresenta ainda desprovida de princípios digitais como o da arquitetura aberta, o da escalabilidade e o da                                                                                                                

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NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

interoperabilidade. O autor afirma ainda que essa realidade já está mudando, mas de forma lenta.

O agente dessa mudança será a internet, tanto literalmente quanto na condição de modelo ou metáfora. A Internet é interessante não apenas por ser uma vasta e onipresente rede global, mas também como um exemplo de algo que se desenvolveu sem a presença de um projetista de plantão e que manteve um formato muito parecido com aquele dos patos voando em formação: inexiste um comando e, até agora, todas as suas peças se ajustam de forma admirável. (NEGROPONTE:2005, pág. 173)

Para Negroponte, a concepção do ao vivo, do tempo real na vida digital irá mudar. Se na TV analógica a transmissão ao vivo representava o próprio paradigma da existência e da importância da TV como instrumento de informação e entretenimento, na vida digital, ou seja, na TV ou na internet, essas informações transformadas em bits poderão ser recebidas em tempos diferentes e velocidades diferentes. Essa tecnologia sugere que a TV e o rádio do futuro serão transmitidos de forma assíncrona, com exceções para alguns eventos pontuais.

A TV por demanda, on demand, será para Negroponte a TV do futuro e o telespectador se colocará nesse novo processo como consumidor e não como mero espectador.

Para Jenkins, a Cultura da Convergência, tendo como base essa revolução tecnológica digital, é mais que uma mudança no processo de comunicação das mídias tradicionais e independentes, é uma mudança cultural no modo de se fazer comunicação entre as pessoas.

Se os antigos consumidores eram ditos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos. (JENKINS, 2009: pág.47)

Esse novo consumidor descrito por Jenkins não deseja apenas consumir informação ou entretenimento seja na TV ou na internet, ele deseja fazer parte dessa comunidade de “seguidores” ou fãs de um telejornal ou de um programa de

entretenimento. É por isso que programas como o BBB (Big Brother Brasil) ou os próprios telejornais estão se adaptando a essa nora realidade onde a tecnologia digital, seja por meio de websites ou redes sociais já são uma expansão da própria TV.

Quando um consumidor acessa o conteúdo, interativo ou não, de um telejornal, na web, opina, repercute, influência na própria narrativa do telejornal, ele também se torna um agente de informação e um produtor de conteúdo.

A audiência no cinema, no rádio ou na TV sempre foram importantes para o fracasso ou sucesso de um filme, programa ou peça publicitária, hoje a audiência-consumidora é fundamental para o sucesso desses diferentes conteúdos que extrapolaram essas diferentes mídias.

Para Machado74 estamos vivendo um momento de estupefação, de grandes desafios para a televisão, tanto na experimentação de novos modelos de TV, quanto na relação da televisão com o seu telespectador. Diante desta análise, Machado faz uma distinção entre o que é um telespectador e o que é um espectador em relação a essas novas propostas para a TV.

A atual evolução da televisão caminha em duas direções diferentes e aparentemente contraditórias, pressupondo duas modalidades de espectadores, munidos dos mais variados equipamentos de acesso. De um lado, parte da audiência prefere permanecer “passiva”, cumprindo o seu papel de espectador na sua sala de estar, sobretudo diante da atual e farta oferta de material audiovisual. De outro lado, o surgimento no cenário audiovisual de novos protagonistas, os interatores, está forçando mudanças cada vez mais radicais em direção a modelos de conteúdos que possam ser buscados a qualquer momento, em qualquer lugar, fruídos da maneira como cada um quiser e abertos à intervenção ativa dos participantes. Esse novo tipo de consumidor/produtor está exigindo experiências midiáticas de uma mobilidade mais fluída, formas de economia mais individualizadas, que permitam a cada um compor suas próprias grades de programas e decidir a sua maneira particular de como vai interagir com elas. Além disso, é preciso observar que a distinção entre esses dois modelos de recepção não é uniforme e que, a partir da convivência com meios mais interativos, como o computador e o vídeo-game, a tendência é de uma contínua ampliação do grupo “envolvido” em detrimento do “passivo” (MACHADO, 2011: pág. 87)

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MACHADO, Arlindo. Fim da Televisão? - Revista FAMECOS : mídia, cultura e tecnologia. Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 86-97, jan./abr. 2011. Disponível em:

Já Newton Cannito afirma que a televisão tende a ser cada vez mais colaborativa, tendo o telespectador-internauta também como protagonista desse conteúdo colaborativo. Porém, no modelo de televisão existente, seja analógico ou digital, sempre haverá filtros para selecionar, editar e exibir esse conteúdo colaborativo.

Cannito destaca ainda que a TV na Web pode aprofundar ainda mais essa participação colaborativa: conteúdos que são editados num programa jornalístico, por exemplo, que exige concisão no discurso, podem ser postados integralmente nas páginas desses telejornais na Web, ou direcionados para o links onde esses conteúdos foram postado inicialmente.

Seja na internet, seja na televisão, a produção colaborativa de conteúdo será uma tendência. Enquanto a função da internet é disponibilizar um grande acervo para atender a todos os gostos, a função da televisão é agregar os conteúdos, se for o caso reeditá-los e inseri-los em formatos que permitam sua exibição para grandes públicos genéricos. (CANNITO, 2010: pág. 155)

O objetivo da produção colaborativa, portanto, segundo Cannito, não é apenas divulgar o conteúdo produzido pelo realizador amador. É diversificar o conteúdo dos programas, sejam programas jornalísticos ou de entretenimento, na expectativa de atender o interesse do espectador.

A era da inteligência coletiva e da produção colaborativa passa necessariamente pelo conceito de uma obra transmidiática, como afirmou Henry Jenkins. Para o autor, uma história transmídiática é realizada através de múltiplas plataformas de mídia, onde cada texto contribui de maneira diferente e valiosa para o todo.

Na forma ideal de uma narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida, num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversos. Cada Acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa. Cada produto

determinado é um ponto de acesso à franquia como um todo. (JENKINS, 2009: pág. 138)

Por tanto, o desenvolvimento de uma TV e de um telejornalismo mais colaborativo passa necessariamente pelo protagonismo de seus telespectadores e internautas e a narrativa transmídia pode contribuir para o desenvolvimento e aperfeiçoamento desse novo modelo de televisão.