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Foto 4 Sintese dos desafios apresentados pelos professores oficina 2

4.1 O World Café ou Conversações Significativas – gênese

Nesta tese parte-se do pressuposto de que a emergente Sociedade de Colaboração em Massa requer metodologias de pesquisa que gerem a co-construção de conhecimentos, baseadas nos conceitos abertura, compartilhamento, inteligência coletiva, sociedades dinâmicas, sistemas organizacionais vivos, inovadores e criativos. Requer, portanto, dinâmicas que privilegiem fluxos de conhecimentos multidirecionais e que contemplem ao mesmo tempo produção individual e coletiva de conhecimentos sobre o fenômeno ou o objeto de estudo. E assim é o processo do World Café. Esse método que também é chamado de Conversações Significativas entre participantes de diferentes contextos sociais, políticos, culturais ou institucionais vem sendo muito utilizado para discutir, em profundidade, questões diversificadas nas diferentes dimensões tais como negócios, governo, saúde, educação, assuntos comunitários e tantos outros.

O World Café foi criado em 1995 por Juanita Brown40 e seu marido David Isaacs, a partir da observação de ambos sobre a energia e a riqueza de idéias surgidas em uma reunião com um grupo de executivos da Skandia Corporation da Suécia, pesquisadores do Massachussets Instituteof Technology (MIT) – Sloan School´s Organizational Learning Center (agora Society for Organizational Learning – Sol) e consultores de sete países que estavam na vanguarda das pesquisas sobre Capital Intelectual e Administração do Conhecimento (hoje Gestão do Conhecimento).

Brown (2007) relatou que enquanto preparava pequenas mesas com café para receber seus convidados em sua casa, as pessoas começaram a conversar animadamente sobre o tema da reunião convocada, mesmo sem uma liderança ou propósito metodológico, até que um dos participantes teve a curiosidade de saber o que as outras pessoas conversavam nas demais mesas. Foi então que ela e o marido tiveram a idéia da “polinização” cruzada de idéias, isto é, estimular que todos se movimentassem e participassem das conversas de todas as mesas, deixando suas idéias e levando o conhecimento gerado para outras mesas.

A partir desta “descoberta” casual eles passaram a organizar outras reuniões e debates utilizando as Conversações Significativas e foram aperfeiçoando o método, por meio dos registros e das observações de resultados da aplicação das conversas em diferentes contextos, públicos e objetivos. Brown (op.cit. p. 24) desenvolveu em 2001 sua tese de doutorado em Educação sobre o World Café e afirma que, “a maior contribuição do World Café se dá

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quando o objetivo é o uso focalizado do diálogo para aumentar relações produtivas, aprendizado colaborativo e insight coletivo em torno dos desafios da vida real e de questões estratégicas.” Assim sendo, nesta pesquisa interessa compreendê-lo enquanto metodologia ou técnica de coleta de dados no campo da educação, particularmente no que se refere ao aprendizado colaborativo.

A principal vantagem do World Café em relação aos métodos tradicionais é que, como nas redes sociais, há a possibilidade do anonimato dos participantes, pois mesmo estando presentes nas mesas de conversação não precisam se identificar uns aos outros, caso assim o desejem. Nas mesas e na plenária não existe hierarquia e nem opinião certa ou errada – todas são válidas e aproveitadas. Isso permite a geração de um ambiente estimulador à criatividade e ao livre pensar. Não há polarização de opiniões, mas a “polinização” cruzada de idéias que transitam entre as dezenas de mesas criando uma inteligência coletiva, ambiente no qual são expressas e consideradas todas as idéias individuais trazidas pelos participantes.

Outras vantagens importantes do World Café foram enfatizadas por Bohm (1996, p. 27 apud BROWN, 2007, p. 132) e se referem à comunicação, que apresenta caráter multidirecional, isto é, de muitos para muitos; e à propriedade intelectual, já que não há um único autor ou “dono” da idéia ou do conhecimento gerado, mas se constitui por [...] “uma inteligência holística que brota do diálogo autêntico como algo que ocorre não somente no nível individual, mas, ao mesmo tempo, no nível coletivo. É uma harmonia do individual com o coletivo, na qual o todo se move constantemente em direção da coerência”.

O resultado que se observou é que a soma é muito maior que as partes, o que cria um novo modo de geração e, simultaneamente, de disseminação de conhecimento coletivo e individual, a partir de um círculo virtuoso que legitimam as teorias de Gibbons (1994), de Levy (1993), de Etzkowitz (1996) e de Tapscott (2008).

Chender relata uma experiência ocorrida por ocasião do “Café da Paz” organizada por alunos da Faculdade de Direito da University of Victoria, na British Columbia (Canadá), no período que desencadeou a Guerra do Iraque em 2003. Segundo ela afirmou, a idéia do Café da Paz teria surgido em decorrência da

[...] inquietação dos alunos uma vez que não havia na universidade nenhum espaço de diálogo sobre questões do cotidiano ou de situações especiais como o “onze de setembro” e a Guerra do Iraque que estava com os dias contados para iniciar. Por conta própria os alunos criaram um fórum virtual tradicional que não estava satisfatório, pois, além de pouca participação, o fórum, que deveria ser um espaço alternativo de aprendizagem, tornou-se um local para insultos e intensa tomada de posições inflexíveis (CHENDER, 2007, p.127).

Diante da situação, Chender (2007, p.127) se propôs ser a anfitriã de um World Café presencial para a criação do entrosamento entre pontos de vista diferentes que atravessavam fronteiras tradicionais. Ela afirmou que houve inúmeros comentários a respeito do entusiasmo e da energia que se elevava em forma de espiral na medida em que as pessoas e as idéias se moviam de uma mesa redonda da conversação para a outra, desenvolvendo novas ligações e relações:

por vezes parece que o desenvolver-se das rodadas de conversação dispara novas sinapses na mente maior do grupo como um todo. Além disso, quando os membros são encarregados de levar não apenas suas próprias idéias, mas também as idéias fundamentais de outros para a próxima conversação, isso parece flexibilizar posições fixas e criar uma atmosfera mais aberta e experimental para a emergência da nova percepção (CHENDER, 2007, p. 129-130).

Em suma, Brown e os demais pesquisadores e utilizadores do World Café resgataram e valorizaram a principal característica que diferencia o ser humano dos demais seres vivos do planeta que é a sua capacidade de expressar sentimentos, valores e idéias por meio da linguagem e do raciocínio lógico desenvolvido pela interação social em grupos, inclusive com posições e interesses distintos, mas passíveis de uso para o bem social comum.

Brown (op. cit.) buscou elementos para desenvolver teoricamente o método do World Café no modo complexo e cíclico como a vida social funciona (ordem-desordem-caos que gera uma nova ordem a partir do fenômeno de adaptação do ser humano às novas regras instituídas) e inspirou-se no livro de Walldrop (1992), intitulado Complexity: the emerging science at the edge of order end chaos. A referida obra aborda os níveis de pensamentos cooperativos e o desenvolvimento de percepções inesperadas, principalmente em se tratando de situações que envolvem grandes grupos. Segundo Brown (2007, p. 130), Walldrop “traz idéias científicas à vida quando descreve as aventuras de cientistas multidisciplinares no Instituto Santa Fé (USA) onde realizou um trabalho inovador no campo dos sistemas complexos de adaptação”.

Brown incorporou também as teorias de aprendizagem e mudança que foram trabalhadas no referido instituto e por outros autores de outros campos do conhecimento que teorizaram sobre a dinâmica dos seres vivos e suas implicações para as organizações e comunidades humanas (ALEXANDER, 1979; ALLEE, 2002; CAPRA, 2002; HEGELSON, 1995; McMASTER, 1995; STACEY, 2001; WHEATLEY e KEKKNER-ROGERS, 1996; VARELA e MATURANA, 2001; PETER SENGE,1990).

Observou-se que o World Café, como método para coleta de dados para a construção de conhecimentos e de inteligência coletiva, propicia a comparação com a visão de

pesquisadores da Educação como a Bricolagem proposta por Kincheloe (2007), Andaimagem proposta por Bortoni-Ricardo (2008) e novos modos de produção, apropriação e difusão de conhecimentos proposta por Gibbons (1994).

Esta assertiva se baseia no fato de que a linearidade do processo, a análise e a criação individualizada dão lugar a um processo amparado nos princípios de abertura, compartilhamento, integração e pluralidade de vozes e olhares sobre um mesmo objeto de estudo. O World Café como técnica de grupo focal estimula o pensamento multidirecional e em progressão significativa a partir da incorporação da percepção e da experiência compartilhada de diferentes atores e campos do conhecimento, trabalhando e pensando juntos, sem, no entanto perder o foco do dialogo e a autonomia de pensamento de cada indivíduo.

Brown (2007, p. 135) afirma que, em conversa com Fritjof Capra, ele “iluminou” as possibilidades do World Café não apenas como um veículo interessante para a emergência aleatória da inteligência coletiva, mas também como uma arquitetura para o envolvimento nas “descobertas” de cada participante. Segundo ela, ao participar de uma sessão do Café World, Capra afirmou que

Existe uma tensão natural entre as estruturas projetadas, como os organogramas organizacionais formais, e as estruturas emergentes, como as maneiras informais pelas quais o trabalho é, de fato, realizado na maioria das organizações. Estruturas planejadas têm especificações pré-determinadas; estruturas emergentes freqüentemente se organizam de modos que ninguém pode prever. As conversações do World Café envolvem tanto o processo intencionalmente planejado quanto o processo de emergência natural a fim de encorajar a coerência sem controle.

Pergunta-se se seria possível a adoção do World Café como prática de ensino e como os professores e os formadores poderiam aplicar esta metodologia multidisciplinar em diferentes contextos e para diferentes finalidades. O World Café propicia um contexto favorável à inovação e à criatividade individual e organizacional. E a razão disto está na proposta de trabalho focada nas infinitas potencialidades do ser humano quando colocado em um contexto apropriado que lhe é familiar. Ou seja, para a motivação dos estudantes ao processo de aprendizagem o professor pode utilizar o World Café e criar ou utilizar um ambiente que seja familiar ao estudante, como as NTICE ou aplicativos disponíveis que possibilitam o estudo interativo e colaborativo nas redes de conhecimento que estão na Internet. Conforme Varela e Maturana (1992, p. 232) afirmam,

[...] nos sistemas humanos trazemos à tona os mundos que experimentamos por meio de nossa ligação social pela linguagem em redes de conversações nas quais participamos como parte do contínuo fluir de nossas vidas. A dinâmica da aprendizagem do novo e do desenvolvimento do cérebro envolve o mesmo tipo de redes de relações que as de outros sistemas vivos, todos os quais apresentam propriedades de auto-organização e emergência quando existem componentes

simples que tenham ligações dinâmicas entre si. Quando um “atrator” está presente para centralizar a atenção, mesmo uma simples rede tem capacidades valiosas de auto-organização.

Brown (2007, p. 130) cita Jonh Holland41 quando este afirmou que “a aprendizagem e o desenvolvimento ótimos acontecem em sistemas nos quais há uma rede rica de interações, juntamente com um ambiente de novidade, onde novas oportunidades e espaços de possibilidades podem ser explorados”. Cita também que Doyne Farmer enfatizou que “novas possibilidades em qualquer sistema não surgem somente das partes individuais ou dos nós da rede, mas sim das ligações entre eles” (principio da interatividade).

As contribuições destes cientistas se mostraram valiosas para o desenvolvimento do método World Café e extremamente oportunas para os propósitos desta tese. Neste sentido é relevante mencionar que se está propondo aqui uma desafiante experimentação do World Café como técnica de coleta de dados.

Do que se extraiu até aqui nesta pesquisa, e, pondo em evidência a complexidade sistêmica da problemática existente no campo educacional brasileiro, pode-se inferir que o World Café cria ambiente propício à colaboração em massa entre os diferentes atores que compõem o ecossistema educacional em foco.