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Objetividade: Contexto Internacional

Prêmios em Jornalismo

2.4 Episteme 1: Pós-Objetividade

2.4.1 Objetividade: Contexto Internacional

A expansão capitalista, no período de industrialização do século XIX, vinculou a atividade jornalística à circulação de bens e mercadorias. Com o impacto tecnológico e comercial, a imprensa passou por uma estruturação e sistematização em conformidade com o trânsito de mercadorias e o consumo de informação, nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. Segundo Mariani (2007), os parques gráficos de editoras e jornais foram revisitados e o processo de produção de notícias passou por uma adequação da linha de produção. Surgiu assim, um contexto industrial e a lógica de um mercado noticioso. Nesse processo, houve padronização de uma série de procedimentos nas redações, impacto na divisão do trabalho (fordismo), nova rotina operacional, tematização dos assuntos em editorias e gêneros textuais.

As corporações que exploravam o mercado de informação, em Jornalismo, mais especificamente da imprensa, criaram Manuais de Redação e Manuais de Redação

e Estilo no sentido de codificar parâmetros e formatos nos quais deveria ser baseada a produção dos produtos noticiosos89.

Antes da adoção dos critérios de Objetividade, a imprensa tinha como paradigma um Jornalismo inspirado na literatura: o Jornalismo Literário. Com a adoção

88 Poderíamos tratar da questão da Objetividade abordando pela Teoria da Notícia e organizando os capítulos a partir dela. Logo, esta seção, poderia se chamar Prêmios e a Teoria do Espelho. Entretanto, como trabalhamos com diversos modelos e, por uma questão didática e de organização do conhecimento, preferimos nomear esta seção a partir dos efeitos pós-Objetividade que recaem sobre quatro modelos: Jornalismo Informativo, Jornalismo Investigativo, Jornalismo Institucional, Jornalismo Público. Como se trata de uma pesquisa histórica, essa decisão foi favorecida pela adoção das epistemes, que são cortes epistemológicos na história, a partir da sinalização de pontos como marcos, que deem início a dado tipo de onda discursiva. Por isso, tratamos o Prêmio Esso como um marco, a partir dos prêmios, da instauração de um contexto de Objetividade. Entretanto, ressalta-se que o Prêmio Esso, ao longo de 57 anos, possui categorias que premiam jornalistas com ação pessoal e não somente os que se comportam como meros observadores da realidade (office boys da notícia). Por isso, organizar as seções a partir da Teoria da Notícia se tornou algo inviável, pois nem o Prêmio Esso é mais tão “espelho”, como em outrora, na sua gênese.

89 Manuais de Redação e Manuais de Redação e Estilo já representavam uma prescrição de ethos intra- organizacional, posteriormente expandida por cartilhas e manuais de redação extra-organizacionais entregues nas redações pelos assessores, como medida e sugestão de como tratar dado assunto.

dos pressupostos da Objetividade pelos jornalistas, este paradigma passou a ser considerado como superado, pois tinha como base dos relatos: a opinião. Em vista disso, era considerado panfletário e partidário90.

A padronização do novo modo de exercer a atividade jornalística, institucionalizada no Jornalismo, já como profissão e mercado noticioso, consolidou um formato no qual a anulação do sujeito (isenção, imparcialidade e impessoalidade) se tornava inerente à notícia. Em suma, a técnica que antes era vista como arte de escrever (Jornalismo Literário) se transformou em ferramenta de produção (Jornalismo

Informativo).

O contexto industrial no qual se instalou o Jornalismo Informativo contribuiu para a organização positivista das matérias jornalísticas91. A racionalidade moderna, aliado ao cientificismo cartesiano e positivista, foi incorporada ao modus operandi da imprensa incorrendo na consolidação de um novo arcabouço de técnicas jornalísticas.

A maior influência do Jornalismo Informativo sobre a atividade jornalística e a imprensa foi em relação à validação do que é verídico (fatos) e verdadeiro (discurso) nos relatos noticiosos. A racionalidade serviu para trazer um status cartesiano de “verdade verificada” e de “método de apuração ao Jornalismo”. Tal fato contribuiu para que o campo se tornasse um poderoso constituidor de realidades e sentidos, numa sociedade em que quase todo esse direito era reservado à ciência (SANTANA, 2001. p. 141).

Os pressupostos de Objetividade funcionam como um divisor de águas no Jornalismo. A partir do acatamento dos referenciais objetivos pela imprensa, o campo jornalístico passou a se estruturar na representação social de que o lugar de fala, em Jornalismo, é baseado na verdade: longe da cultura, do social, da política e da ideologia92. Tal mudança de paradigma conferiu isenção ao discurso jornalístico, como

90O Jornalismo Literário é a opinião fora do padrão profissional do Jornalismo. Pelas teorias de cunho mais funcionalista, quando falam na transformação da imprensa e na adoção dos critérios de Objetividade, dá a entender que a opinião foi excluída dos formatos noticiosos e do mercado noticioso. O que é um equívoco, pois a opinião também existia dentro da profissão e, até mesmo dentro dos jornais, no gênero Jornalismo Opinativo.

91 No que se refere à separação à narrativa (separação entre o texto e jornalista), aos gêneros textuais (de opinião e de informação), ao cientificismo (separação entre objeto e sujeito), além da divisão do

trabalho (separação entre promoção organizacional em Relações Públicas e informação jornalística do

Jornalismo).

92 De acordo com a Teoria do Espelho, os fatos falam por si mesmos e o Jornalismo simplesmente transmite a notícia sem qualquer interferência: trata-se de um produto, um retrato fiel da realidade. Entretanto, sabe-se que as medidas de anulação do sujeito não são suficientes para extinguir a ideologia dos enunciados. Traquina (2001, p. 65) considera que, a adoção dos pressupostos de Objetividade nada

um olhar externo, referenciado num lugar antes ocupado somente pela ciência (era Moderna) e pelo transcendente (era Medieval).

Armony (2006, p. 24) considera que a influência do Jornalismo Informativo gerou uma demanda de coesão social e orgulho ocupacional, além de um controle interno da atividade jornalística, ao mesmo tempo em que a política se tornava mais organizada. Para o autor, tal fato ajudou a empurrar o Jornalismo para fora do partidarismo, tornando-o uma força externa em vez de ser um mero instrumento de cabos eleitorais. Para o autor, os pressupostos de Objetividade emergiram no campo jornalístico como forma dos editores manterem controle sobre os repórteres que trabalhavam na redação. Com isso, cristalizou-se um novo ethos para o campo, que se estabeleceu como padrão, dentro da categoria profissional.

Os efeitos internos (normatização do grupo) e externos (ideia de isenção, imparcialidade e impessoalidade) explicam também a condição histórica da criação e desenvolvimento da profissão de Relações Públicas (RP). A influência do paradigma relacionado à Objetividade foi tão forte nos EUA que a atividade de RP foi criada como consequência da demarcação clara, na imprensa, do que é informação, publicidade e comunicação corporativa93.

2.4.1.1 Prêmios Internacionais

O foco desta tese não está na análise de prêmios internacionais. Mas abordamos este tema tendo em vista a intrínseca ligação entre a edição de premiações com o referencial de Objetividade94 com a posterior instauração de um sistema de formação de jornalistas (em cursos acadêmicos). Além do que, os prêmios internacionais servem de inspiração e modelo para os que foram editados no Brasil. mais é do que a autoimagem dos jornalistas (como isentos) aplicada aos enunciados, sendo esta concepção a ideologia dominante da área.

93 Os RPs se multiplicaram pela tentativa do presidente Woodrow Wilson de

“vender a guerra” para o povo estadunidense em busca de apoio financeiro para mandar tropas para a Europa durante a Primeira Guerra Mundial. A profissão se tornou bem sucedida e, em 1920, estimava-se que entre 50 e 60 por cento das matérias do New York Times tinham sua origem em assessores de imprensa: a figura do RP passou a ser mais presente do que a do jornalista. Com seus brios feridos, os jornalistas passaram a se preocupar com a manipulação da informação nessa nova era de propaganda. Era necessário se desvencilhar dos propagandistas criando uma norma, um código moral jornalístico que culminaria na norma da Objetividade. (ARMONY, 2006, p. 24-25).

94 A classificação Jornalismo Informativo não se aplica ao contexto dos EUA. Mas o processo de profissionalização da atividade jornalística, em vista da Objetividade, é o mesmo do Brasil. Tanto que ele foi promovido pela CIESPAL (Centro Internacional de Estúdios Superiores de Comunicación para América Latina), pela multinacional Rockfeller (no contexto da exploração de Petróleo), curso de jornalismo na Casper Líbero e entidades da área de imprensa, da época.

O prêmio Pulitzer (1917), “o mais importante” prêmio jornalístico dos EUA (e “o mais famoso” do mundo) (NASCIMENTO, 2007, p. 40), foi criado em homenagem ao jornalista Joseph Pulitzer, fundador do curso de Jornalismo da Universidade de Columbia (1912), em Nova York. O prêmio (1), o curso (2), assim como o próprio Joseph Pulitzer (3), foram atores importantes no processo de profissionalização do jornalismo norte-americano. Todo esse aparato visava a ruptura com o contexto anterior do Jornalismo em zonas limítrofes à literatura e às Relações Públicas. O prêmio é o mais tradicional dos EUA e tem muita credibilidade, o que ocasionou até a devolução de algumas premiações95.

A Columbia University Graduate School of Journalism não é, a rigor, o primeiro curso a ser editado nos EUA. Já em 1869, como demanda de estratégia militar, foi fundada a Washington College, na Virgínia, pelo general Robert E. Lee. Posteriormente, outras escolas surgiram com o mesmo intuito. Era uma formação para uso estatal (militar). Na pesquisa, atrelamos a edição ao uso comercial, mercantil, vinculado também à profissionalização da atividade jornalística, além do mercado de imprensa.

O Prêmio Pullitzer é tido como o mais tradicional internacionalmente, não apenas nos EUA. Por mais que seja inspiração para o Prêmio Esso, no Brasil, não o abordamos em vista da configuração do jornalismo brasileiro de, a partir dos anos 80, os jornalistas também ocuparem postos de trabalho nas assessorias de imprensa96.

O interessante, aqui, é vislumbrar como efeito da adoção dos critérios de

Objetividade, como efeito pós: a instauração de um prêmio com certificação de dado padrão em Jornalismo (1), com posterior instauração de cursos de formação acadêmica ou corporativa (2) a edição de códigos de conduta, tais como: código de ética (compartilhado pela categoria profissional) e Manuais de Redação e Estilo (intra- organizacionais) (3), nova divisão do trabalho a partir da profissionalização da atividade jornalística, separando-a da literatura e das Relações Públicas (4), criação de gêneros jornalísticos (separação entre informação e opinião) (5). Veremos mais à frente que, no

95 Na edição de 1981, a reportagem de Janet Cooke, do Washington Post, foi considerada uma fraude. A jornalista foi obrigada a devolver o prêmio. O relato sobre um viciado em heroína, Jimmy’s World, não passava de uma história inventada. No mesmo ano, uma reportagem do New York Times, do repórter Christopher Jones, tratava de uma cobertura internacional em Camboja, que dava a entender que o jornalista estava naquele país. Entretanto, foi descoberto que o jornalista apurou de casa e fingiu estar em campo.

96 Consideramos, no âmbito da pesquisa, a informação das assessorias como notícia legítima (contexto brasileiro) e não como propaganda (contexto americano).

Brasil, o Prêmio Esso também se insere num contexto parecido. Tanto que, autores chegam a declará-lo como “o nosso Pulitzer” (MAGNO, 2006, p. 74).