• Nenhum resultado encontrado

Valor Convergente: Valores-Notícia e Valores-Serviço

Prêmios em Jornalismo

2.5 Episteme 2: Pós-Sujeito

2.5.6 Valor Convergente: Valores-Notícia e Valores-Serviço

Os valores-notícia na perspectiva midiacêntrica são a tradição na ciência em Comunicação e estudados há muito tempo. Levam em conta a lógica mercantil,

152 Por ser uma forma de estudo, esta ideia é um paradigma. E não um modelo no qual se diga como se dão as relações no Jornalismo como tendo no centro do social. O intuito maior, do autor, é o de contrapor visões de mundo diferentes para avançar o conhecimento científico na Comunicação e nos estudos sobre Jornalismo.

153 A perspectiva tem inspiração clara em lutas políticas, cidadania, democracia e Esfera Pública no sentido da Filosofia Política (Gramsci, Arendt, Habermas). Não achamos que entre em conflito com a nossa abordagem de Foucault, em epistemes, utilizada apenas para esquematizar os capítulos, tão somente. E não para checar questões de poder e ideologia, nas quais há uma discussão profícua entre os limites de Foucault relativos a Ideologia, Marxismo, Análise do Discurso e Pós-Estruturalismo.

154 Um bom exemplo é que falamos da característica do Jornalismo Público de evocar a democracia participativa, uma cidadania viva e jornalistas proativos a essas demandas sociais. No entanto, não fazemos cruzamento do marco desta modalidade até coincidir com a recente história de redemocratização do país com um Brasil politicamente novo: com Sociedade Civil reorganizada, vigilante sobre as instituições públicas, ciente de novos canais de manifestação popular (e midiática). Não nos interessa essa abordagem político-ideológica, assim como não fizemos inferência alguma ao regime da Ditadura Militar quando falávamos do Prêmio Esso, chegada e adoção dos critérios de Objetividade, Estado Novo e Era Vargas.

ideológica e política da mídia. Entretanto, quando falamos em Jornalismo Público, existe a sinalização de um caminho quase que inverso deste no tocante a alguns elementos.

O modelo de Jornalismo Informativo, dos critérios de Objetividade, posicionava o Jornalismo como Quarto Poder, o Cão de Guarda vigia da democracia

representativa. A partir da adoção dessa perspectiva, os jornalistas passaram a estar em estado permanente de alerta e crítica às instituições públicas. Uma ideia quase militante de oposicionismo. A postura jornalística de contestação e contra-argumentação do

Quarto Poder se tornou central. Com isso, o noticiário perdeu abertura para outros temas relevantes da vida democrática, tornando em si apenas uma lógica de mercado como já citado por Joseph Pulitzer: “com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”.

Consideramos que o modelo de Jornalismo Público recupera o aspecto positivo e construtivo da notícia, deslocando o Jornalismo para a arbitragem da fiscalização do cidadão em relação ao Estado e da prestação de contas deste ao cidadão155. Silva (2004) considera o modelo de Jornalismo Público vocacionado para a mudança para o qual a notícia e as informações que lhes são acrescidas são constitutivas de uma práxis. E considera que os temas cívicos necessitam ser compartilhados simbolicamente no Espaço Público. Neste sentido, o autor retrata os principais objetivos de iniciativa de ação social relativos ao agendamento de notícias na mídia:

É preciso destacar que, em geral, grandes “ações sociais” demandam, para além do agendamento das estratégias nos planos das políticas sociais e das políticas públicas, um agendamento específico com relação à mídia, de forma a se obter junto à mesma três tipos de respostas:

- a publicação de notícias;

- a publicação de notícias, acrescidas de serviços: informações de utilidade pública e instruções quanto a procedimentos a serem adotados pelos públicos;

- o estabelecimento de parcerias com a mídia, o que, por vezes, implica em alguma coisa a mais do que a simples sensibilização (SILVA, 2007)

O quadro, proposto por Silva (2007), apresenta pressupostos teóricos referentes às hipóteses do Agendamento e do Contra-Agendamento. O Agendamento trata do fluxo no sentido: “mídia → sociedade”. Nessa perspectiva, a mídia detém o monopólio de pautar, de acordo com seus interesses e conveniências, as várias agendas:

155 Apesar de reconhecermos que, muitas vezes, o Jornalismo Público ao comprar a briga do cidadão contra o Estado na cobrança de informações, acaba por se opor também ao modelo de Jornalismo Informativo, pois haveria subentendido aí uma luta de classes ou luta ideológica na qual a mídia consolidada, de cunho burguês, estaria num dos pólos.

governamentais, políticas ou sociais (midiacentrismo). Entretanto, a perspectiva do

Contra-Agendamento contempla outro paradigma: um agendamento produzido a partir

da sociedade para a mídia, mudando assim uma histórica relação verticalizada e de mão única para uma relação horizontal e de mão dupla (sociocentrismo)

Tanto no paradigma midiacêntrico, quanto no sociocêntrico, o alvo do social é o Espaço Midiático burguês, Espaço Público e a Esfera Pública burguesa. Apesar de todas as controvérsias sobre o Jornalismo Público, lembremos que, os meios de comunicação, ao dar voz e visibilidade às demandas sociais, contribuem para o exercício da cidadania, como item da ideia de democracia participativa. E, desta forma, institui o Jornalismo como mediador no processo de construção social da realidade de forma mais plena, indo além do dever de informar e do direito de ser informado156. Apesar de, algumas vezes, parecer contraditório, o Jornalismo Público abre caminho para que outras informações relativas ao desenvolvimento social e o fortalecimento da democracia estejam nas agendas da sociedade.

Este contra fluxo parte do pressuposto de que o agendamento também pode partir da sociedade para a mídia, expandindo a perspectiva unilateral até então adotada de que a produção de efeitos parte de um emissor para uma audiência massiva. De forma assertiva e, não controversa, essa nova visão trata a sociedade democrática como plural, por excelência, com vários fluxos informacionais dentro de si, para muito além do midiacentrismo e Agendamento. Nesse sentido, percebe-se a quantidade de sujeitos e lugares de fala que emergem participativos na vida democrática. Em suma, trata-se de um empoderamento de atores sociais que, antes, eram reconhecidos apenas como contidos na massa. Silva (2004) trabalha o conceito da seguinte forma:

O Contra-Agendamento compreende um conjunto de atuações que passam estrategicamente pela publicação de conteúdos na mídia e depende, para seu êxito, da forma como o tema- objeto-de-advocacia foi tratado pela mídia, tanto em termos de espaço, quanto em termos de sentido produzido. Pode-se então afirmar que o Contra-Agendamento de um tema pode ser parte de uma mobilização social ou parte de um plano de enfrentamento de um problema, corporativo ou coletivo (SILVA, 2004, p.2).

156 O que já é a crítica ao Jornalismo Público, tido como a cidadania dos ricos, o social que é veiculado no jornal burguês (midiacêntrico). Sendo que existem as publicações e veículos criados, gestados e voltados para o social, como é o caso do Jornalismo Comunitário, tido por muitos como a cidadania dos pobres. Outra crítica é a de que o Jornalismo Público tende a querer emplacar notícia nos veículos tradicionais do paradigma midiacêntrico. E gera o questionamento: se existe um locus voltado para o social, chamado inclusive de sociocêntrico, porque o social não se volta exclusivamente para ele? Essa discussão leva em conta a questão de visibilidade no Espaço Público e Esfera Pública burguesa, o que condiciona a investida maior para os jornais tradicionais. Mas, de qualquer modo, é um questionamento muito pertinente, tendo em vista o social ser dependente do capital e da ideologia burguesa no que diz respeito a esse lastro de sentido, no sentido de massa mesmo.

Em suma, entendemos que o Contra-Agendamento rompe com fluxo de um emissor (a mídia) que produz efeitos sobre o receptor (público leitor, comunidade, sociedade). Tal fato vai de encontro ao que Peruzzo (2003) considera ser o acesso do cidadão ao Espaço Público e à participação nas instâncias de produção de conteúdos informativos e noticiosos.

Na análise de Peruzzo (2003):

A questão da liberdade de acesso aos meios de comunicação não se refere apenas ao alcance dos meios a que o cidadão tem direito – o que quer dizer poder receber as mensagens transmitidas pela mídia, mas também à sua participação ativa como sujeito em todas as fases do processo de comunicação (PERUZZO, 2003, p. 251).

A grande assertiva do Jornalismo Público está no fato, como exposto em Peruzzo (2003), do conceito de democracia participativa ser estendido também ao processo de comunicação, para além da luta política. O que é o interesse da pesquisa e também o grande cuidado quando consideramos pouco produtivo entrar em questões de ideologia e lutas de classe. Ora, os dois modelos abordados, Jornalismo Informativo e

Jornalismo Público, são imersos em lutas, convicções e simbolismos ideológicos. Isso é notório. A escolha pela organização dos capítulos (Pós-Objetividade e Pós-Sujeito) a partir da filosofia analítica, em Foucault, é uma tentativa de não entrar nessas guerras de direita e esquerda, burguês e proletariado, estado e mercado.

No âmbito da pesquisa, o foco é o fato de que a participação na vida democrática também tem se estendido ao processo de produção da notícia e edição e prêmios. São os novos premiadores e prêmios que queremos trazer para a análise. Não como juízo temerário (quanto à finalidade) saber qual prêmio pertence a dado modelo jornalístico, concepção ideológica e o senso comum internalizado pelos jornalistas na cultura profissional. Também não há espaço para rixas entre patrões, empregados, burgueses e proletariado em lutas ideológicas a partir dos modelos de Jornalismo

Informativo e de Jornalismo Público. Nem mesmo se dado jornalista é militante de algum partido ou membro engajado por um discurso social (mulheres, negros, idosos etc)157. Mas reconhecemos a importância desses meandros.

157 Além da separação entre o engajamento em relação ao Terceiro Setor e uma pauta ou o cumprimento de preceito ético contido no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros Art. 6º É dever do jornalista: XI - defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias.

Teoricamente, nos interessa saber que, os valores-notícia usuais que conhecemos pelos estudos da Teoria da Notícia, dentro do paradigma midiacêntrico, têm algumas mudanças em relação à fusão do que Oliveira (2008) chama de valores-

serviço. A partir da negociação destes dois tipos de valor para a construção da notícia haveria um extrato final, chamado pelo autor de: valores convergentes, que seria o mecanismo, por excelência, onde aconteceriam os hibridismos entre os modelos.

Oliveira (2008, p. 73-74) designa por Agendamento Convergente como um modelo conceitual e procedimental a ser utilizado para a prática do Contra-

Agendamento, ou seja, o mecanismo para assumir o outro fluxo comunicacional, mas no papel de emissor. Para ele, a ampliação dos fluxos de comunicação, a partir do paradigma sociocêntrico e do modelo de Jornalismo Público, o reposicionamento no processo comunicacional dos atores (quem é o emissor, o receptor, o que é a mensagem), leva a uma extensão da atuação mais enfática do cidadão (democracia

participativa), o que incorre em um novo posto no processo de produção da notícia. Em vista disso, ele vê a dinâmica da classificação de Molotch e Lester alterada. Ao entender a mídia burguesa tradicional e comercial como sensível a temas sociais, essa abertura incorreria numa mudança dos valores-notícia que seriam fundidos aos fluxos emergentes de valores-serviço.

a) A expectativa da imprensa (news assemblers) por histórias que tenham função comercial: já que por meio de valores-notícia é possível atrair, com mais eficácia, a atenção da mídia (com informações que geram maior audiência, tiragem, impressões e acessos em sites jornalísticos) – respondendo, assim, aos interesses de mercado desses veículos e, ao mesmo tempo, aos consumidores de informações e de mercadorias (news consumers).

b) A expectativa da organização news promoter em conseguir inserir histórias na imprensa que tenham função social: fazendo com que a mídia também cumpra, concomitantemente, suas funções públicas – atendendo os leitores como cidadãos no exercício de seus direitos e deveres. Isto é, colaborando para a construção de uma esfera pública qualitativa para a defesa e promoção de diretos voltados ao bem comum. (OLIVEIRA, 2008, p. 75)

Esta percepção de Oliveira (2008) é tributária de Silva (2002) no tocante a: somente quando o fato social se reverte em fato jornalístico é que estará presente na imprensa. Portanto, nem todos os fatos sociais são, necessariamente, fatos jornalísticos. Essa é uma das contradições que envolvem a atuação da imprensa. Embora seja um

Espaço Público, ela é uma praça pública seletiva, com portões (gates) e porteiros (gatekeepers) seletivos. Nesse sentido, pode-se evocar Schudson no que concerne a notícia como um produto cultural.

Os jornalistas teriam, assim, a necessidade de uma faculdade que ele denomina “saber de reconhecimento”. Isto é, um potencial cognitivo de reconhecerem um determinado acontecimento como noticiável ou não. Ou também podemos dizer: a capacidade de discernimento daquilo que teria valor ou não como notícia. Em outras palavras, se exibem ou não valores-notícia. Resumidamente, os valores-notícia (o inusitado, o escândalo, o inédito, o singular, entre outras características do acontecimento) seriam também marcas culturais no processo de seleção das notícias. Tomando como exemplo: o costume de preservar a vida dos insetos nos lares indianos e soltá-los livremente pode ser considerado uma “história inusitada” (na visão cultural ocidental), com boas chances de se transformar em notícia. Porém, não seria uma sugestão de pauta tão interessante para os jornais da própria Índia, já que a prática não é considerada “inusitada” à maioria dos leitores daquele país (OLIVEIRA, 2008, p. 75; 77; 79).

Assim, os valores-notícia seriam, de fato, um importante conjunto de critérios (implícitos e explícitos) para a seleção de acontecimentos, porém, não se constituindo como crivos estáticos, imutáveis: variando de acordo com a realidade cultural e o contexto social, político e econômico, e em vários níveis geográficos (desde uma determinada cidade a um estado, região ou país) (Idem).

Nesse sentido, o poder dos movimentos sociais e das organizações do Terceiro

Setor em influenciar a produção jornalística dependeria do “saber de reconhecimento” também por parte dessas entidades. O que explica e justifica a presença de profissionais de comunicação e jornalistas atuando nessas entidades e de toda a gama de assessores de imprensa no setor estatal e privado (Primeiro Setor e Segundo Setor, respectivamente). E que, no âmbito do Terceiro Setor, buscam conquistar legitimidade e credenciamento perante a mídia para passarem a mensagem das organizações ou de sujeitos coletivos mobilizados em torno de uma causa social (Idem).

E é nesse contexto que podemos identificar o Agendamento Convergente: como um modelo para influenciar a cobertura jornalística. Facilitando a relação entre jornalistas e gatekeepers (sejam eles editores, repórteres, proprietários de jornais, entre outros), com o objetivo de abrir os portões (gates) da imprensa para a participação e influência direta das organizações da Sociedade Civil na produção jornalística (Idem).

Pra Silva (2012), no Brasil, a forma de Jornalismo Público que possivelmente mais prosperou foi essa que resulta de parcerias informais entre ONGs e redações, fenômeno que em nossas pesquisas temos denominado de Co-Agendamento, uma

espécie de Agenda-Setting compartilhada, em contraste com o tradicional Agendamento (da mídia para a sociedade) e com o que temos chamado de Contra-Agendamento (da sociedade para a mídia). Essa fusão de horizontes e, até de valores-notícia e valores- serviço, vai ser notada mais à frente com o fato do Prêmio Esso assumir categorias que enfatizam valores sociais e de cidadania.