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A observação directa não participante

Como já referimos atrás, a entrevista semi-estruturada foi o principal instrumento de recolha de dados que privilegiámos na nossa análise. A observação directa “não

participante” foi utilizada como técnica complementar que teve a importante função exploratória de levantar indícios, pistas de análise e conjecturas que objecto de uma exploração mais aprofundada a quando da realização das entrevistas permitiu ir consolidando os vectores pertinentes da análise e a progressiva construção isotópica resultante da análise estrutural de conteúdos. O recurso a uma metodologia de investigação que permitisse combinar as entrevistas com a observação directa resultou do facto de querermos complementar a compreensão dos sistemas de sentidos que orientam a acção dos indivíduos através da descoberta dos modelos culturais que estão por detrás dos seus discursos manifestamente explícitos com a observação in loco das suas práticas sociais. Esta combinação técnico-metodológica permite no dizer de Arborio e Fournier (1999) “observar directamente as práticas sociais estando presente

nas situações onde elas de desenvolveram e reconstituí-las de outra forma que somente através do discurso dos actores”. No mesmo sentido se pronuncia Iturra quando refere:

“A primeira tendência de um investigador de campo que participa na vida da população que estuda é uma tendência espontânea para acreditar no que as pessoas lhe dizem. E isto por duas

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razões: uma, porque não tem neste momento outro referente senão aquilo que se lhe está a dizer; outra, porque sem ouvir o que se faz, quando, como, onde e com quem, não conseguiria saber nem sequer como movimentar-se no meio da vida dos outros (…) o dizer da população local é fundamental para o rápido crescimento do conhecimento do investigador até atingir a estatura de adulto no contexto da cultura que estuda; mas começar a penetrar o mundo que o rodeia não dá ainda elementos suficientes para o compreender e menos ainda para o explicar. O dizer será a primeira pista, mas o seu contraste com o fazer será a prova da verdade da sua existência social, que parece ser uma relação social que define intelectualmente a convivialidade e que fica no meio de todas as contradições com que o quotidiano é construído (Iturra in Silva e Pinto, 1999:155).

Dos diferentes modos de implicação possíveis de adoptar pelos investigadores que fazem a observação in situ do social optámos pela observação directa “não

participante”. Sabendo que a mera presença do pesquisador no local de investigação já é uma forma de participação, basta recordar a clássica investigação de Hawthorne levada a cabo pela equipa de Elton Mayo no âmbito de uma sociologia do trabalho e das organizações55, a nossa escolha foi a de uma presença marcada por uma lógica de

“espectador” que não interviesse directa e activamente na acção56. Esta observação directa “não participante” orientada por preocupações de pertinência social e prática (Arborio e Fournier, 1999:25-26) na orientação da investigação dirigiu-se para três

locus distintos do contexto empírico de investigação. A observação directa de duas reuniões da equipa pedagógica num primeiro momento exploratório, a observação de uma apresentação pública dos temas de vida num momento posterior e a observação dos contextos de interacção onde decorreram as entrevistas e os cenários da acção. No caso das reuniões das equipas pedagógicas a entrada no terrenos a observar foi negociada com a mediadora do curso EFA57 e com os formadores que não levantaram problemas de maior à presença do investigador. No caso da observação da apresentação pública do tema de vida trata-se de um caso em que nos pareceu a observação plena de oportunidade uma vez que um convite inesperado de um formador foi aproveitado para levar a cabo mais uma sessão de observação no local onde a prática formativa aconteceu e por último, no caso da observação dos contextos de interacção onde decorreram os

55 Uma apresentação do conhecido efeito Hawthorne pode ser encontrada na obra de Bernoux (1985:70). 56 A nossa presença na condição de “espectador” não impediu por exemplo o conhecido efeito do

observador observado. A nossa presença quer nas reuniões da equipa pedagógica de formadores quer na apresentação pública do tema de vida não deixou de ser motivo de curiosidade para alguns dos presentes. Procurámos ter uma postura o mais discreta possível de modo a interferir ao mínimo no curso da acção, sabendo contudo que uma das lições retiradas da pesquisa de Hawthorne é precisamente que a mera presença de um observador num determinado contexto de acção impossibilita a neutralidade da sua participação.

57 Tivemos neste momento o cuidado de informar sobre os objectivos da investigação e da pretensão de

exercer o nosso papel como observador não participante o que implicava a intenção de não interferir directamente na acção. Garantimos o anonimato dos intervenientes e a confidencialidade na utilização da informação e pedimos autorização para gravar as reuniões, autorização esta que foi imediatamente concedida.

115 encontros sociais inerentes às relações sociais de investigação recorreu-se a um caderno de campo em que no seguimento imediato de cada entrevista com os formadores nas respectivas organizações em que trabalham se procedeu ao registo da informação que considerámos com potencial relevante para a análise. Outra preocupação que esteve presente na nossa postura de investigação teve que ver com o grau de conhecimento e de maior ou menor familiaridade social com o terreno empírico que se pretendia conhecer do ponto de vista sociológico. Alguns anos de intervenção prática como mediador e formador dos cursos EFA e como formador dos técnicos que trabalham na Iniciativa Novas Oportunidades aconselharam-nos a ter uma atenção especial ao distanciamento necessário por parte de quem agora pretendia conhecer cientificamente um terreno de elevada familiaridade social. Tornar o familiar estranho (Delamont, 1987:152) tornou-se uma preocupação primordial. Um questionamento permanente e uma reflexividade constante (Bourdieu, 1992: 34) em torno dos discursos, dos modos de posicionamento dos actores, uma atenção ao significado social das práticas sociais que são aparentemente evidentes, naturalizadas e dadas de uma vez por todas, consolidadas pelas rotinas da prática quotidiana tornou-se um imperativo para poder agarrar as pistas mais ricas para a construção do objecto ainda em fase embrionária. Quanto às notas de campo estas foram de três diferentes tipos. Notas descritivas de discursos, factos, contextos, objectos e disposições de objectos. Notas de reflexão pessoais e impressões resultantes da relação social de investigação. Notas de carácter mais analítico que permitiram o levantamento de indícios e a formulação de conjecturas que permitissem avançar nos caminhos da pesquisa. O tratamento do material empírico consistiu na reunião dos conteúdos manifestos mais quentes que apontassem num momento posterior a quando da sua sujeição à análise estrutural de conteúdos à descoberta das

“boas” isotopias. A análise deste material permitiu desde logo levantar pistas importantes para vectores de análise como os modos de representação dos beneficiários da formação, as provas do trabalho de formar ou ainda a construção local do currículo e o modo poiético da acção que conduz ao seu produto final. Estas pistas de análise foram ainda importantes para a colocação de questões pertinentes e já mais direccionadas no momento das entrevistas semi-directivas. De toda a forma, tendo esta observação inicial à descoberta (Arborio e Fournier, 1999: 16) tido uma função muito importante no decorrer da análise pelas pistas que permitiu levantar, é importante mencionar que a intenção inicialmente planeada do ponto de vista da estratégia metodológica de investigação era confrontar os sistemas de sentidos que orientam as práticas com a

116 análise das próprias práticas sociais a partir de uma observação directa “não

participante” de carácter sistemático, o que acabou por não se concretizar devido ao facto das exigências do nosso trabalho lectivo como assistente universitário colidirem com o tempo em que as práticas efectivas levadas a cabo nos cursos EFA se concretizavam.