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Os contributos da análise da decisão: O reconhecimento dos limites da

1.3. Na génese das Polity Sciences: O contributo da Análise Sequencial

1.3.2. Os contributos da análise da decisão: O reconhecimento dos limites da

A representação da decisão pública nas sociedades democráticas assenta num conjunto de visões politica, social e mediaticamente dominantes que remetem para a ideia de individualização da tomada de decisão e não poucas vezes para uma psicologização do acto de escolher uma dada direcção de uma medida de política pública. Assente numa determinada visão do funcionamento da democracia representativa, a tomada de decisão é associada à capacidade política de um “grande homem” que seria mandatado pela legitimidade democrática emanada do seu eleitorado de levar a cabo as “boas” decisões. Sabemos hoje, do ponto de vista cientifico que a tomada de decisão pública não se passa assim e que a complexidade da tomada de decisão remete para a compreensão da teia de relações de uma multiplicidade de actores que participam activamente no processo de decisão. Como refere Hassenteufel (2008:60) “Esta

representação, cultural e politica profundamente inscrita no coração das democracias representativas ocidentais, faz tanto mais reflexo da análise da decisão quanto ela conhece uma tradução erudita na noção de decisor racional”. Parte-se do princípio da possibilidade racional da escolha óptima, por um decisor perfeitamente identificável que age segundo uma racionalidade instrumental. São quatro os grandes postulados que orientam este paradigma racionalista da decisão: - Existe um decisor único e claramente identificável; este decisor para decidir apoia-se num sistema de preferências estáveis e explícitas, tem objectivos claros e o seu comportamento é coerente com os dados da situação que tem à sua disposição; a transparência da informação é total e portanto, todas as alternativas podem ser conhecidas; quem decide procura encontrar a solução óptima para o problema e pode maximizar a utilidade face às escolhas possíveis. Este modelo racional assente em pressupostos de maximização da utilidade vai ser posto em causa no domínio de várias ciências sociais. Jones (1970), por exemplo, vai pôr em evidência a partir do próprio modelo sequencial a complexidade da tomada de decisão no topo de administração do Estado (Hassenteufeul, 2008:61). A colocação em agenda de um determinado problema “público” depende da relação complexa entre uma

35 multiplicidade de actores com interesses diferenciados, que jogam o jogo social da produção de uma determinada representação legítima do “problema” a apresentar. Jones destaca o papel dos peritos junto da administração e ainda de outros grupos de interesse externos ao aparelho Estatal com capacidade de pressão e influência na decisão pública. A análise da decisão desloca assim o seu interesse para a análise dos processos de tomada de decisão no âmbito de uma determinada política pública. Allison (1971) com o seu contributo em torno da análise da crise dos mísseis de Cuba vem pôr em causa o carácter monolítico e unitário do Estado e a representação de racionalidade óptima da decisão ao mais alto nível do poder estatal. A análise da crise dos mísseis de Cuba permite pôr em evidência, as diferentes racionalidades em confronto no interior do próprio aparelho de Estado, as oposições no próprio seio do gabinete do Presidente dos EUA, as oposições entre as diferentes forças da armada, as oposições entre civis e militares. Alisson demonstra assim como a decisão vai depender de um processo complexo de compromissos negociados, de busca de equilíbrios e soluções consensuais, sendo tudo menos um processo sequencial e linear de racionalidade óptima. A obra de Allison vai contribuir para o desenvolvimento do paradigma analítico centrado na análise da política burocrática (bureaucratic politics approach) que procura compreender o funcionamento em concreto do interior do próprio aparelho de Estado. Esta abordagem vai permitir pôr em evidência algumas questões centrais do ponto de vista empírico sobre o processo de decisão em torno da acção estatal. Desde logo, demonstra que o processo de decisão é fragmentado entre várias organizações rivais e não é hierárquico. Evidencia também que cada administração dispõe de uma margem de manobra importante no processo de decisão. Os agentes nas diversas administrações do Estado são orientados por interesses próprios e travam conflitos entre si pela conservação do poder e pelo crescimento das respectivas secções burocráticas onde trabalham. A luta pelo poder e pelos recursos escassos é uma constante das burocracias administrativas e a posição de um actor sobre um determinado dossier é fortemente determinado pela sua função numa determinada administração. A intervenção do poder político nos processos de decisão implica coordenação e integração das estratégias e das diferentes prioridades e racionalidades no seio das diferentes administrações. A compreensão de uma determinada decisão sobre política pública não pode descurar a política burocrática da administração sob pena de não apreender o que está em jogo na construção dessa decisão. Herbert Simon (1945) com o conceito de racionalidade limitada, contribui também para o questionamento das teorias da decisão que giram em

36 torno da racionalidade instrumental. Para este autor a racionalidade não se orienta por uma busca da maximização da utilidade e é portanto, limitada, porque o saber de um indivíduo é por natureza incompleto e fragmentado, porque ele não pode antecipar todas as consequências dos seus actos, a atenção dada a um problema é descontínua, a memória é ela própria limitada na capacidade de retenção de informação e selectiva. A acção dos indivíduos depende de hábitos, rotinas e trajectos passados e os constrangimentos organizacionais reduzem as possibilidades de escolha. Os indivíduos não tomam assim a decisão mais racional do ponto de vista da maximização da utilidade, mas apenas a decisão mais satisfatória. Ainda no âmbito das teorias da decisão, o modelo “caixote do lixo” proposto por Cohen, March e Olsen (1972) elaborado a partir do estudo de organizações universitárias põe em destaque a ambiguidade e a incerteza dos decisores, o seu fraco domínio das tecnologias à sua disposição e a participação flutuante e difusa de numerosos actores intervenientes no processo de decisão. A decisão é mais o produto de uma dinâmica aleatória ligada a conjunturas particulares. Mais do que decisões claras e preferências constantes o processo de decisão remete para a ideia de uma “anarquia organizada”.