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Os anos 90 apresentam um fato concreto: a partir dessa década, as ONGs passam a disputar espaços políticos na esfera do Estado e fora dele. Também é perceptível que buscam, predominantemente, as populações pobres como alvo de suas ações e setores do empresariado (mercado) como parceiros. O primeiro sujeito tornou-se alvo da filantropia e o segundo, alvo da busca por financiamento das ações a serem efetivadas, especialmente, junto aos pobres.

3.3.1 Atuação no Brasil e a opção pela educação básica

As concepções e metodologias de trabalho tornam-se distintas quanto distintos são os problemas apresentados e agravados pela pobreza provocada pelo neoliberalismo no final do século passado, em que, para cada viés do problema, nasce uma espécie de organização para institucionalizá-lo. Pode-se mesmo dizer que há, na atualidade, uma institucionalização da miséria como espaço de trabalho para uma nova profissão em consolidação: os empreendedores sociais solidários.

Esse movimento associativo difere de outros movimentos por não se conformar às fronteiras nacionais, apesar de enraizar-se em vínculos regionais e locais. A internacionalização crescente é simultânea a lealdades particulares, condicionadas, muitas vezes e de diversas maneiras, pelo Estado, mesmo não se encaixando nele. São recortes associativos que proliferam fora da lógica clássica da divisão capital/trabalho.

Fernandes (1994) adverte que nesse associativismo,

Não há ‘central’ que integre tudo isto, nem oligarquia burocrática que o controle [...] Em vez de continuidade sistemática entre as divisões da sociedade civil e as da política, uma distância considerável entre estas esferas, a qual é preenchida por múltiplos planos e alternativas de articulação. Em vez das formas massivas e politizadas de participação, a multiplicação de iniciativas locais, tópicas e dispersas em suas intenções (FERNANDES, 1994, p. 18, grifo do autor).

As ONGs consideram que responderam e ainda respondem por diversas urgências e emergências que os setores populares atravessam e, segundo elas, essas necessidades é que caracterizam as suas identidades e a sua existência. Quanto mais pobreza, mais ONGs.

Atuam no Brasil milhares de ONGs, em atividades as mais diversas, com uma perspectiva de atenuar as necessidades extremas dos setores marginalizados. Prestam serviços sociais (saúde, moradia e educação) e se propõem suprir este serviço até que o aparelho estatal recupere as funções que são consideradas como suas. Finalmente, há aquelas que promovem novos temas (tecnologias apropriadas, autogestão local, ecologia) e respondem a novas iniciativas sociais (juventude, mulheres, etnias, justiça e promoção de direitos).

Esse trabalho, segundo as ONGs, visa sensibilizar a população sobre tais temas e introduzir novas condutas sociais, políticas e culturais de cidadania. Elas indicam ainda que possuem legitimidade, interesse e o know-how para estimular o trabalho voluntário, como, por exemplo, o trabalho de jovens, de mães etc.

Em pesquisa realizada pela ABONG, 64,29% das ONGs atuam realizando capacitação técnica/política; 42,35% prestam assessoria. São beneficiários dessas organizações movimentos sociais e organizações populares (61,73%); crianças e adolescente (40,31%). As fontes de recursos mais apontadas vêm das agências internacionais de cooperação, atingindo um percentual de 78,57% e 46,43%, com a comercialização de produtos e serviços. As fontes de recursos apontadas em relação ao orçamento total dessas ONGs indicam que o Estado

(órgãos governamentais federais, estaduais e municipais) e as agências internacionais são os maiores provedores, respectivamente responsáveis por 18,46% e 50,61% desse orçamento. Quanto à prestação de contas, 93,33% são dirigidas aos financiadores. 58,74% do pessoal que atua nessas ONGs possuem nível superior e/ou pós-graduação. O regime de trabalho sob a CLT contempla 58,82% do pessoal ocupado (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ONGs, 2003, p. 1-2).

Os dados acima reiteram uma série de ponderações feitas neste trabalho quanto ao contexto das ONGs brasileiras, particularmente sobre a influência do aspecto econômico em suas linhas de ação, a sustentabilidade da autonomia, opção dessas organizações pelos problemas relativos à pobreza e pela educação básica.

Nesta pesquisa, é possível perceber-se que as ONGs estão sofrendo metamorfoses estruturais e de princípios políticos ou, de acordo com elas, estão a “se re-inventar como atores sociais relevantes”. Isso coloca novos desafios em termos de sua responsabilidade pública. Assim, as ONGs devem ser capazes de

Constituir-se e projetar-se no espaço público como protagonista relevante, seja através da mídia, da relação direta com a população e/ou através de parcerias com o poder público e outras instituições como universidades, passou a ser condição sine qua non para a sustentabilidade das ONGs. Para tanto, são decisivos fatores como eficiência organizacional, capacidade de inovação, produção de impactos sociais demonstráveis e política de comunicação adequada [...] O grande desafio reside em construir novos formatos institucionais que combinem os tradicionais elementos de informalidade e democracia interna, típicos das ONGs brasileiras, com novos patamares de eficiência organizacional, transparência e responsabilidade pública (‘accountability’) (ARMANI, 2002, p.5).

Convém ressaltar que fazer uma classificação das ONGs por campo de atuação é difícil pela mutação constante quanto aos alvos de ação escolhidos. Pode-se destacar que existam nos anos 90 áreas mais atraentes de atuação, talvez pela facilidade de captação de recursos: meio ambiente, questões de gênero, AIDS, agricultura sustentável, economia

popular solidária, desenvolvimento local e regional integrado, crianças e adolescentes em situação de risco, geração de emprego e renda e, finalmente, a educação e a fome, eleitas prioridades a partir do final dos anos 90. Essa tendência é quase a mesma em todos os países latino-americanos. Considerando tal situação, as referências de análise que se vêm fazendo acerca desse objeto, refletem as críticas quanto a atuação dessas organizações.

A pesquisa sobre as ONGs atuantes no Brasil demonstra também que o trabalho dessas organizações estabelece uma polaridade regional entre pobres (Nordeste) e ricos (Sul, Sudeste). A distribuição geográfica e de atuação das ONGs no Brasil, segundo pesquisa da Associação Brasileira de ONGs (2003), assim se configura: 53,06% das ONGs atuam no Nordeste, mas 42,86% têm suas sedes no Sudeste. 62,76% trabalham com voluntários, geralmente arregimentados nas próprias áreas em que atuam, enquanto 83,67% vêem-se como espaço de articulação.

Fernandes (1994) mostra um quadro interessante quanto às áreas de trabalhos das ONGs, cuja distribuição e percentuais também confirmam uma tendência para a área de educação, o que viria a se confirmar em 2000. Ele identifica 17 categorias temáticas isoladas, entre as quais desenvolvimento e bem-estar se igualam a progresso social, com ênfase no aspecto produtivo. Desse modo, mostrando o leque de espaços em que atuam, verifica-se que há um terreno fértil a incentivar a expansão delas no trato das políticas sociais:

x criminalidade, violência e drogas – 1,0%; x mulheres – 11,58%;

x negros – 1,6%; x saúde – 20%;

x formação, qualificação e assessoria – 40,6%; x projetos de financiamento – 8,64%;

x educação básica

36%; x comunicação – 18,58%;

x desenvolvimento, promoção social – 29,50%; x direitos humanos – 8,7%;

x desenvolvimento rural – 15,78%;

Em síntese, pode-se afirmar que a educação básica somada à formação, qualificação e assessoria, articuladas às ações para o desenvolvimento, com ênfase na promoção social, constituem um conjunto de prioridades cujos principais beneficiários são:

x trabalhadores rurais – 20, 3% x comunidade – 32,1% x crianças e jovens – 22,0% x mulheres – 15,1% x grupos étnicos – 3,0% x associações civis – 16,2%

x pobres (13,4% ), mulheres, crianças, trabalhadores rurais. x ONGs – 5,05%

x marginalizados – 1,7 % (drogas, prostituição, criminalidade). (FERNANDES, 1994; p.70).

Nota-se, nessa discriminação, que um mesmo beneficiário pode estar localizado, ao mesmo tempo, em vários grupos de atendimento, fato que confirma a hipótese da fragmentação e focalização.

Assim, diante de tanta pobreza (21,7 milhões de brasileiros em extrema pobreza), particularizando para o campo da educação, diante de tanto fracasso dos pobres na escola (983.895 mil crianças com desempenho muito crítico e 1.619.045 com desempenho crítico na 4ª série do ensino fundamental – MEC/INEP/SAEB, 2001), diante também da visão mercadológica no trato da política educacional pelo Estado, só pode ser reforçado o princípio justificador das ONGs e de toda a filantropia que percorre de ponta a ponta esse país no trato da educação básica.

A pesquisa realizada pela ABONG, em 2001, junto à sua rede de filiadas, englobando os aspectos principais do trabalho dessas organizações, como beneficiários, temáticas de atuação, fontes de recursos, relação com o voluntariado e outros, apresentou um dado significativo para a pesquisa que se desenvolve:

A principal área de atuação das ONGs filiadas à ABONG é a educação, entendida no sentido ampliado, que inclui a formação política e que tem como finalidade maior a busca do desenvolvimento da consciência crítica e da cidadania. [...] 68,37% das ONGs associadas indicaram essa atuação como a principal. [...] em 1998, essa perspectiva era apontada por apenas 11,8% das associadas (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ONGs, 2001, p. 2).

O resultado da pesquisa não causa surpresa pela centralidade e interesse que a educação, a partir dos anos 90, despertou em diversos setores da sociedade brasileira, incluído o Estado, por força dos fóruns internacionais que trataram dessa temática, em especial a Conferência de Jomtien.

As tendências de caráter regressivo e de caráter supostamente progressista das ONGs se unem pelas temáticas que abordam: relação sociedade

Estado, justiça social

igualdade

liberdade, política

economia, público

privado. Além do mais, apresentam determinados temas como novidades: o novo associativismo, a nova questão social, a nova sociedade sem emprego ou do tempo livre, as novas contradições supraclassistas, a nova solidariedade, a nova consciência social do empresariado, gestão substantiva/gestão instrumental-racional, voluntariado/volunterapia, empreendedorismo solidário, desenvolvimento auto-sustentável, desenvolvimento sustentável, novo participacionismo social, responsabilidade social empresarial, cidadania ativa, educação para a convivência pacífica, para aprender a ser e a empreender.

Esse discurso das ONGs no campo da educação básica, quando a elegem como instrumento necessário a promover a cidadania e as mudanças sociais identifica-se com os discursos sobre a educação na década de 90. Portanto, confirma-se que é no campo educacional que elas se fazem mais presentes, na atualidade brasileira. Constantemente, o próprio Estado, os organismos internacionais, os empresários, e os movimentos sociais associam os problemas gerais da sociedade à falta de programas em educação.

Outras falas acerca da importância da educação básica oferecida aos pobres destacam- se no cenário mundial, entre eles o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), que, em resposta aos desafios a serem enfrentados pelas nações em desenvolvimento, indica áreas estratégicas para a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) por meio da educação. “No âmbito das políticas sociais, a Educação Básica, a qualificação e o combate à pobreza; no âmbito da política econômica, a expansão do emprego e no âmbito da política ambiental, o aperfeiçoamento de instrumentos de sua gestão” (OLIVEIRA, 2000, p. 139).

Levando-se em consideração esse fato, confirma-se também que os organismos internacionais avalizam e incentivam a atuação das ONGs no campo da educação.

Portanto, o Maranhão, nesse cenário, constituir-se-á em um espaço privilegiado para a atuação das ONgs, fato que será mais aprofundado na segunda parte deste trabalho, em capítulos referentes às políticas de educação nesse Estado.

4 A POBREZA E A EDUCAÇÃO SOB O OLHAR DAS ONGS