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2.3 CONCEITUAR O FENÔMENO TERCEIRO SETOR?

2.3.5 O terceiro setor inclui as ONGs

A lógica de estruturação de um terceiro setor no Brasil, desde os anos 90, foi assimilada por setores do governo e da sociedade civil, sob a defesa de estruturação de uma nova lógica social.

O terceiro setor integraria todas as organizações não-governamentais e não-lucrativas, e que, além do mais, se intitulam autogovernadas. Desse modo, as ONGs são parte desse setor. Hoje, ao passarem a ser financiadas por organismos, muitos destes governamentais, por

meio das parcerias ou contratações pelas esferas do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), para desempenhar, de forma terceirizada, as funções a elas atribuídas perdem o seu dito caráter não-governamental e parte de sua autonomia.

Efetivamente, a inclusão das ONGs no terceiro setor traz uma outra questão, a da seletividade dos parceiros pelo Estado, mercado e organizações internacionais. Sabe-se que existem exigências (econômicas, políticas, culturais) para que essas organizações tenham acesso a financiamentos. Dentro do terceiro setor, as ONGs estão fortemente condicionadas pelas políticas econômicas e sociais. A maioria não tem a autonomia que pretende na escolha

de objetivos e metas, modalidade de projetos, aplicação de recursos, áreas de atuação e de gestão.

A não-lucratividade das ONGs também é questionável quando se trata de um terceiro setor abrangente, que inclui diversos tipos de organizações e quando se verifica que, por meio da responsabilidade social, muitas organizações realizam a difusão de suas marcas, fazem a melhoria de sua imagem, isentam-se de impostos, aumentam a venda de seus produtos, pagam assessorias, técnicos qualificados e funcionários, conforme a sua missão. Direta ou indiretamente, elas têm algum lucro, o que contribui para ampliar sua atuação tanto no Brasil como internacionalmente.

Muitos dos recursos recebidos em parceria se destinam a aumentar o patrimônio ou são aplicados em gastos operacionais dessas organizações. Um bom exemplo ocorreu no Estado do Maranhão, quando a parceria com a Associação de Saúde da Periferia (ASP), o Centro de Estudos Político-Pedagógicos (CEPP), a Fundação KELLOG (norte-americana) e a Prefeitura Municipal de São Luís, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SEMED), deixou para a primeira organização, ao término do projeto de educação realizado em escolas das áreas rurais desse município, um veículo Kombi, uma filmadora, computadores, impressoras, uma máquina copiadora, uma máquina fotográfica, um aparelho de som, um

aparelho de ar condicionado, armários, livros etc. Foi tudo incorporado ao patrimônio da ASP ao invés de constituir o patrimônio das escolas integrantes do projeto, estas necessitadas de recursos materiais. Ressalte-se, ainda, que essa organização era apenas responsável pela gestão financeira, pois a gestão pedagógica e execução das atividades na escola e na comunidade eram realizadas pelo CEPP.

Outro aspecto relevante são os salários dos técnicos e dirigentes dessas organizações. Esses profissionais recebem salários diretos e usam das prerrogativas de dirigentes e técnicos quando participam de eventos (hotéis, viagens, inscrições em congressos e fóruns nacionais e internacionais, diárias) ou para publicação de seus escritos (livros, jornais, cartilhas, revistas) ampliação curricular, reconhecimento público e aval para candidaturas a cargos eletivos e para as diversas esferas de governo e para outras instituições.

Hoje, há um contingente significativo da sociedade que goza de certa influência política, social, cultural, ao criarem para si ONGs que lhe dão retorno político, intelectual e financeiro, com benefícios questionáveis de seu trabalho para a situação-alvo.

O terceiro setor ampliou-se significativamente com a criação de fundações de empresas nacionais e multinacionais. Estas, no início de suas ações, atuam com o aval da população, para, em seguida, de modo particular, se tornarem autônomas e estabelecerem novas parcerias, modalidades de projetos e escolher áreas e sujeitos a serem atendidos. Pode- se citar, por exemplo, a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança (ABRINQ), a Fundação Natura Cosméticos, a Fundação Azaléia, a Fundação Odebrecht, a Fundação O Boticário, a Fundação Roberto Marinho, a Fundação Acesita, a Fundação Bradesco, a Fundação Xuxa Meneghel e a Fundação Itaú, as quais, na década de 90, passaram a se intitular de novo empreendedorismo social solidário, na busca do desenvolvimento com sustentabilidade, fortalecendo o discurso da responsabilidade social.

Bava (apud ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ONGs, 2000) não acredita que essa lógica do terceiro setor possa vir a se consolidar e para tanto identifica contradições no discurso que defende essa diminuição, cada vez maior, do Estado, pois nos países centrais do capitalismo a sustentabilidade desse setor ocorre, predominantemente, com o financiamento dos fundos públicos e dinheiro dos impostos, ou seja, pelas mãos do Estado. Ele constatou que, em uma pesquisa realizada nos EUA, Inglaterra, França Alemanha, Itália, Hungria e Japão, as doações voluntárias e caritativas não são a principal fonte de apoio, mas as taxas e os encargos sobre serviços, que somam 47% da renda do terceiro setor. O financiamento por parte do governo corresponde a 43%. As doações particulares de indivíduos, empresas e fundações não chegam a 10%.

Discorda-se do autor, porque a lógica dominante é a da parceria público/privado, portanto da sustentabilidade do terceiro setor, proporcionada pelas verbas públicas, uma vez que ele não é burocratizado, é mais ágil e chega mais facilmente onde está a demanda.

Mesmo que o autor, acima citado, identifique, por um lado, que essas políticas implementadas pelo terceiro setor ocorrem pelo acirramento das contradições sociais entre ricos e pobres, as quais produzem “ilhas de excelência cercadas por um mar de pobreza’’ (BAVA, 2000 apud ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ONGs, p. 48), nem o Estado e nem o terceiro setor pretendem superar essa realidade, pois a estratégia é atender aos grupos mais pauperizados com programas assistencialistas, tais como: renda mínima, segurança alimentar, entre outros de caráter compensatório visando minimizar efeitos sociais da lógica capitalista de mercado.

Por outro lado, mesmo que essas políticas sejam imediatamente necessárias, não existem, neste momento, referências capazes de subordinar a lógica do mercado ao interesse público, portanto é difícil supor que as ONGs tenham essa capacidade.

Convém ressaltar que para os países pobres ou em desenvolvimento, a realidade concreta aponta, cada vez mais, para a tentativa de maximização dos lucros do grande capital e de seu domínio no mundo, uma vez que os projetos político-sociais propostos como alternativas de superação da pobreza, gerada ao longo de toda a história do capitalismo, têm sido corroídos pelas políticas econômicas, pela corrupção, pelas práticas do Estado como espaço do público orientadas pelos organismos internacionais (Banco Mundial, ONU, OMC, FMI) e até por interesses econômicos camuflados por uma ideologia belicista.

As ONGs, ao contrário das instituições intergovernamentais, organismos internacionalmente e intencionalmente criados pela associação de Estados, em razão de transferirem problemas semelhantes para um fórum comum e em favor dos seus interesses primordiais, uns de caráter regional (Organização dos Estados Americanos – OEA), outros de caráter mais universais (ONU, OIT, OMC) e outras instituições mais específicas (com finalidades econômicas, militares, cientificas, culturais, sociais), apresentam-se, no atual contexto do terceiro setor, auto-intitulando-se de “estruturas voluntárias da cidadania’’ (BEDIN, 2001) ou seja, alegam não haver uma intencionalidade em sua criação mas situações geradas voluntariamente, desinteressadamente que fomentam o seu surgimento.

Para o autor, a ampliação das ONGs não está somente vinculado aos espaços vazios deixados pela estrutura estatal, mas, também, ao vazio das ações de organizações internacionais criadas sob o consentimento dos Estados modernos, ao que se acrescentaria, dos movimentos sociais, sindicais e partidos políticos diante da conjuntura atual.