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1.2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

1.2.2 Seletividade das demandas sociais

As três últimas décadas do século XX mostram um Estado com parte de suas prerrogativas de gestor transferidas ao mercado; é em função disso que se implementa um conjunto de políticas neoconservadoras para o mundo ocidental e, paulatinamente, vão se fazendo penetrar no restante do mundo, provocando todo tipo de miséria, ao mesmo tempo em que lutas contrárias a essa lógica implantada criariam formas de resistência.

Mas, de acordo com cada conjuntura, se na periferia ou no centro do capitalismo, a dinâmica das relações entre capital e trabalho, os processos de acumulação, a legitimação política do Estado para mediar os conflitos, entre outros, constituem um quadro político que requer mudanças diferentes daquelas produzidas pelo EBE. Assim, o que era resolvido no âmbito dos direitos sociais do sujeito passa a ser gestado, regulado pelo mercado.

O neoliberalismo, que outrora fora deixado de lado, como se disse anteriormente, passa a ser a concepção dominante que orientará as reformas do Estado. Para os conservadores, o Estado é o culpado por todos os problemas econômicos enfrentados, devido à sua presença como instância de distribuição e regulação das relações sociais, principalmente nos países de “democracias industriais avançadas’’ (KING, 1988 p. 53).

A tese central é que, de fato, a intervenção estatal na economia política e nas estruturas sociais precisa ser alterada, mesmo que se encontrem dificuldades nos países e regiões (Europa, Estados Unidos da América, países escandinavos) em que se concretizou, de modo mais aprofundado, o Estado de Bem-Estar.

Na visão do grande capital, fiel a um sistema que expressa a dominação sempre a favor dos dominantes de turno, a reforma gerencial do Estado, desencadeada pela privatização do conjunto de suas funções não vantajosas ou relevantes de permanecerem sob seu controle – na visão do mercado –, não significa destituí-lo de sua função controladora e coercitiva da sociedade, e nem de garantir o bom andamento da sociedade em função dos interesses privados, conforme destaca Arantes (apud ABONG, 2000).

No entanto, é fato constatável que nunca os países do grande capital foram tão defensores dos interesses de mercado como nessa conjuntura. As medidas de ordem política, social e econômica representam um arcabouço protecionista da ordem capitalista e de controle da sociedade, especialmente nas relações internacionais, em que Estados periféricos ou

emergentes são submetidos ao controle dos organismos internacionais, preferencialmente dos mais ricos.

Esse momento, de primazia do mercado sob o Estado ou a ele associado, requer uma postura de governo forte, o que na linguagem de organismos internacionais, como o Banco Mundial, significa “um Estado atuante, não mais um provedor, porém um ‘parceiro’ facilitador e regulador’’(ARANTES apud ABONG, 2000, p. 8, grifo do autor).

O autor supracitado destaca uma fala de Santos (1997 apud ARANTES, 2000), para quem “ocorre uma reinvenção solidária e participava do Estado’’ ou seja: um Estado regulado e compatível com o grande capital, credibiliza o que se diz:

Trata-se de fato de um Estado mais forte do que nunca, na medida em que lhe cabe gerir e legitimar no espaço nacional as exigências do capitalismo global; assim, a força do Estado, que, no período de compromisso Keynesiano, consistiu na sua capacidade de promover regulações e prestações não mercantes converteu-se numa outra, o poder de submeter às normas da reprodução social a lógica do dinheiro, coisa que o mercado por si só está longe de poder fazer sem correr o risco da ingovernabilidade (ARANTES apud ABONG, 2000, p. 8).

Como se disse, para que isso ocorra é necessário um Estado, sob o ponto de vista gerencial, totalmente reformado para assumir o papel agora a ele designado. O Estado, apontado pelo Consenso de Washington8 como a causa dos males da crise de acumulação capitalista, tem em Boron (1995) a voz que rebate essa tese, uma vez que, como assinala o

8Conjunto de propostas denominadas pelo economista John Williamson de Consenso de Washington, quando,

em 1989, intelectuais reunidos no International Institute for Economy, em Washington, analisaram as tendências do desenvolvimento capitalista e as perspectivas para os países do primeiro mundo e da periferia, a médio e a longo prazos. Trata-se de um pacote de programas políticos e reformas liberais produzidos nesse encontro, que já vinham sendo desenhadas nos centros de poder político de Washington, em centros de poder econômico e político norte-americano e mundiais: FMI, BID, BIRD e a própria ONU, desde o início dos anos 80. Tudo perfeitamente alinhado com a necessidade de hegemonia dos Estados Unidos e dos países centrais do capitalismo. O Consenso de Washington representa um conjunto de políticas neoliberais que se resumem em: a) desregulamentação dos mercados; b) privatização e abertura comercial; c) garantia do direito de propriedade sobre atividades de serviços e produção científico-cultural. Essas políticas de desregulamentação e liberalização financeira podem ser datadas de 1979 a 1981, na fase da ascensão de Thatcher e Reagan aos governos dos EUA e da Inglaterra, quando ocorre a guinada neoliberal monetarista e a virada política conservadora no mundo todo (ELIZIÁRIO, 2000).

autor, as economias latino-americanas, por exemplo, cresceram, nos anos 60, a taxas anuais

de 5,7% e nos anos 70, apesar de todas as crises como a do petróleo, cresceram a taxas de 5,6%.

Contrário, também, às teses neoliberais, Desmond King (1988) diz que “no interior das estruturas contemporâneas do Estado de Bem-Estar fixaram-se vigorosas forças sindicais resistentes a cortes e bem-situados funcionários públicos defendendo valores burocráticos e compromissos programáticos com os princípios representados na política e no gasto social” (KING, 1988, p. 55).