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Geralmente associa-se o fenômeno da pobreza à falta de condições para atender às necessidades básicas que, na ausência de atendimento, implicam risco para a própria vida. São muitas as circunstâncias que promovem esse baixo padrão de vida, pondo em risco a sobrevivência desses sujeitos. Assim, problematizar a pobreza como uma questão social amplia o entendimento desse fenômeno, que é amplo e complexo. Entretanto, não basta somente compreender a pobreza; é preciso antever as formas para superá-la. Nesse patamar, as políticas sociais são instrumentos fundamentais e os mais adequados a criar um conjunto de mecanismos voltados para esse objetivo.

A pobreza é parte do conjunto dessas relações sociais que levaram a estimular medidas de assistência, de filantropia e de voluntariado como um dever da sociedade e um direito dos pobres. Ela demarca nos pobres “um status social específico, inferior e desvalorizado, que

marca profundamente a identidade daqueles que a vivenciam”. Paugam (apud LAVINAS apud GARCIA et al 2003, p. 15).

As ONGs brasileiras seguem a tendência internacional ao unificar os termos exclusão/pobreza como sendo o avesso da cidadania, que elas dizem promover por meio de seus programas e projetos.

Apesar de se optar pelas referências feitas por Santos (2001), Demo (1996; 1998; 2004) e Lavinas (apud GARCIA et al., 2003) quanto ao fenômeno da pobreza, sabe-se que existem tantos enfoques quanto as suas formas de manifestação. Porém, a matriz dominante é aquela cujo pressuposto básico está ligado ao mercado, que designa ante o Estado quem é pobre e precisa de assistência e quem não é. Geralmente atribui-se um valor de renda mínima familiar para classificar o cidadão como pobre. Segundo essas vertentes, os pobres devem ter acesso, via políticas sociais assistenciais, a ações que permitam ao sujeito suprir essas necessidades imediatas. Essa visão, portanto, leva a identificar os clientes para os quais se

direcionam os inúmeros programas de combate à pobreza do Estado, do empresariado e das ONGs.

Por outro lado, existe uma visão que diz caber aos pobres romper com essa condição, porque é sua responsabilidade buscar os meios necessários para mudar sua condição social. Não é a conjuntura econômica e nem as relações internacionais entre capital e trabalho que dividem o mundo em extremos, que respondem pela pobreza. Não obstante, os indicadores ou fatores de risco que aumentam os patamares de pobreza no mundo estão ligados a essa dimensão econômica e social. Rendimentos baixos, empregos de baixa qualidade, falta de moradia, saúde e educação precárias, evasão escolar e trabalho precoce entre os jovens, discriminação de gênero e raça e residência em áreas segregadas quanto a serviços estão entre esses indicadores.

A desigualdade, a pobreza, a miséria ou pobreza extrema são expressões de relações que envolvem a distribuição e o consumo ou a apropriação de modo diferenciado da riqueza produzida coletivamente. A pobreza, entre essas categorias, é uma espécie de norma que se produz institucionalmente e se relaciona a um patamar de recursos abaixo do qual o sujeito não consegue atingir um nível de vida considerado como o mínimo necessário para sobreviver numa dada sociedade e época (CASTELLS, 2002).

4.4.1 Quem é pobre?

O fenômeno da pobreza é crescente em todo o mundo; o número de pobres cresceu na América Latina em 25,0% entre 1985 e 1990 e continua a crescer. A pobreza precisa ser combatida; uma das implicações para combatê-la é definir quem é pobre e está apto a receber essas ações.

Para tanto, além das áreas de políticas, já citadas, diante dos indicadores sociais, é necessário que se definam as linhas de pobreza (fato já citado) e indigência. Lavinas e Rocha (2003) identificaram algumas dessas linhas associadas à cesta de consumo e a outros bens e serviços básicos (transporte, moradia, vestuário, luz e gás). Assim, quem se situar abaixo do valor necessário para atender a essas necessidades será considerado pobre. Outro elemento identificador é o fator renda, indicando quem está abaixo do patamar considerado necessário.

Dentro desse universo, promovem recortes ou classificam por linha de pobreza ou de necessidades, considerando condição social, gênero, raça, espaço de moradia, região entre outros aspectos. Surgem, então, as ONGs que trabalham com a educação de negros, meninos e meninas de rua, filhos de prostitutas, aidéticos, menores vítimas de violência, palafitados, ribeirinhos, quilombolas, favelados, encarcerados, e vão assim denominando os classificados entre miseráveis (se de periferia, da zona urbana, da zona rural, do Nordeste, do Norte ou do Sudeste.

Geralmente esse padrão de pobreza é definido por especialistas de institutos de pesquisa e de outras instituições e pelo governo, que relacionam essa condição ao tamanho da família ou o número de membros de cada residência versus a renda/os bens. Evidentemente que não são padrões neutros de inferência política, social, cultural, porque servem de subsídios para definir as políticas sociais: quais serão prioritárias (urgentes) e quais os recursos a serem destinados.

Predominantemente, as organizações vão em busca dessas informações oficiais, entre estas o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), usado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), como estímulo para não se limitar à medição da pobreza somente por índices monetários. A este acrescentou-se o indicador Incidência da Pobreza Humana (IPH) baseado nos índices de populações carentes, expostas a graves privações. Para tanto, utiliza o parâmetro etário, considerando uma longevidade inferior a 40 anos, a taxa de analfabetismo entre os adultos, acesso a bens e serviços públicos e privados. Mesmo assim, as ONGs tendem a utilizar, no Brasil, as orientações do Banco Mundial, para o qual a linha de pobreza é definida a partir de uma cesta básica de alimentos, combinando conceitos de pobreza e indigência e o método das Necessidades Básicas Insatisfeitas (NBI).

Para determinar os níveis de pobreza, o PNUD toma por base o IDH, a partir do qual elege três pontos básicos: a possibilidade de levar uma vida longa e sadia; a de adquirir conhecimentos; e a de ter acesso aos recursos necessários para dispor de um nível de vida decente. Segundo esse índice, na ausência desses fatores, os demais elementos ficam inacessíveis. Entre esses demais elementos destacam-se aqueles referentes às liberdades políticas, econômicas e sociais, à possibilidade de expressar seu potencial criativo e produtivo, passando pela dignidade pessoal e os direitos humanos. O critério da renda também é importante, mas não é o mais decisivo.

O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) tem indicado as linhas de pobreza no Brasil com base no salário mínimo, mesmo que se saiba que o valor desse salário é para atendimento das necessidades básicas de um indivíduo; além do mais, esse parâmetro desconsidera as diversidades regionais.

Rocha (apud LAVINAS apud GARCIA et al., 2003) diz que no Brasil não existe uma linha oficial de pobreza e o conceito mais relevante é o da pobreza absoluta, ou seja, pobre é aquele que está na indigência.

De fato, é difícil indicar de onde partem os critérios definitivos para indicar esse estado de pobreza. As ONGs e organismos internacionais, atuais parceiros do Estado, criam seus próprios argumentos na falta de um oficial, o que implica preconizar políticas não adequadas para superar o quadro. Os argumentos predominantes tendem a reduzir o problema a uma de suas faces, em que cada organização se encarrega de uma parte do todo. Como exemplo desse fato abordam a fome, a renda, a educação, a saúde e a moradia isoladamente. Tornam-se incapazes de concebê-la em sua totalidade e isolam os fatos, comportamentos, sentimentos, e assim vão separando pobreza absoluta e relativa, pobreza absoluta e subjetiva.

Pode-se dizer, concordando com FIORI (2003), que o movimento gerador de pobreza e indigência no Brasil, a ser medida, controlada, foi monitorado pelo Estado, que diante das conjunturas de crise sempre foi apto em anunciar às massas de desempregados e pobres levados à marginalidade urbana alternativas mirabolantes de desenvolvimento, como alternativa de sobreviver aos conflitos.

No entanto, o Estado permanece sem tê-las consolidado, ou seja, sem que estas alternativas tivessem até aqui se tornado uma realidade para a periferia que vive na pobreza ou extrema pobreza. Comportamento que só fortaleceu a tendência a se criar para cada face da pobreza uma ONG, uma vez que o aumento da pobreza tende a criar insatisfação e áreas de risco à estabilidade econômica.

As demandas crescentes das massas defrontaram-se, sistematicamente, com um padrão de desenvolvimento concentrador de renda, com baixos níveis salariais e vastos bolsões de miséria absoluta em certas regiões do interior do país e na periferia das grandes metrópoles.

Esse padrão de desenvolvimento excludente manteve [...] uma estrutura extremamente heterogênea e fragmentada do ponto de vista social e regional. Tal fragmentação, permanentemente reproduzida e ampliada pelo padrão dominante de acumulação, foi responsável, sociologicamente, pela pouca nitidez e homogeneidade dos interesses dos dominados, e pela inorganicidade política de seus vários grupos e frações. Essa desorganização, contudo, nunca ajudou a diminuir o pânico das classes dominantes frente ao avanço das reivindicações populares, que sempre foram vistas como uma ameaça à ordem capitalista vigente (FIORI, 2003, p. 123).

Uma estrutura social marcada pela exploração e desigualdade social, os mecanismos reformistas dos anos 90 só trariam, como trouxeram, a ampliação desse quadro, ao qual foi associado o desemprego e a precarização do trabalho. A proteção social como dever do Estado retrocede séculos e parece voltar ao tempo das Santas Casas de Misericórdia, época em que a filantropia da igreja abrigava os desvalidos. Hoje, porém, ampliou-se o âmbito dessa beneficência programada e a misericórdia atinge, inclusive, setores empresariais como novos atores da responsabilidade social solidária, preocupados com a pobreza que eles geraram no afã da acumulação capitalista.