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A teoria da Vinculação

1. Origem da teoria da vinculação

Destacam-se dois nomes como fundadores da teoria da vinculação: John Bowlby (considerado, inequivocamente, o autor da teoria da vinculação) e Mary Ainsworth (pelos contributos que forneceu para o desenvolvimento desta mesma teoria). A teoria da vinculação conceptualiza a propensão universal do ser humano para formar fortes laços afectivos com outros significativos (Bowlby, 1978). Começamos por analisar as biografias destes autores de modo a perceber de que forma as ideias da teoria foram tomando forma.

John Bowlby (1907-1991)

Bowlby é originário de uma família londrina de média - alta burguesia, filho de um conceituado cirurgião.

Foi crescendo, como os seus cinco irmãos com amas e governantas. Chegada a altura da entrada na escola foi para um internato.

Apesar de tudo se encaminhar para uma carreira na Marinha, Bowlby contraria as expectativas e licencia-se em Medicina em 1928 na Universidade de Cambridge. Segundo Bretherton (1992), podemos dizer que Bowlby começa a trabalhar na sua teoria já na licenciatura, onde recebe formação especializada na designada psicologia desenvolvimental. Mas é a sua experiência de trabalho

voluntário num internato para crianças desadaptadas em conjunto com investigações acerca dos cuidados institucionais e hospitalares em bebés e crianças que marcaram a sua vida profissional. Aliás, é motivado por estas experiências que se especializa em psiquiatria e psicoterapia infantil. Tiveram grande impacto para o autor dois rapazes daquela instituição, vítimas de relações problemáticas com as mães, nesta sua opção de especialização. As observações que realizou com estes rapazes conduziram-no à conclusão de que grandes disfunções na relação mãe -criança são precursoras de psicopatologia, sendo esta relação não apenas importante para o desenvolvimento futuro da criança, mas também sendo importante no imediato para a criança (Cassidy, 1999). Segundo Ainsworth & Bowlby (1991), é aqui que surge a percepção da importância para o desenvolvimento da criança das experiências de vida.

Bowlby fez ainda formação psicanalítica no Instituto de Psicanálise, onde tem contacto com as influências psicanalíticas, em especial de Melanie Klein. Foram divergências teóricas e metodológicas que fizeram com que Bowlby se distanciasse desta perspectiva, nomeadamente no que diz respeito à desvalorização dos contextos relacionais de vida na intervenção psicológica, bem como a desvalorização das experiências baseadas em relatos e observações de sujeitos em clínica. A primeira oposição pública a esta perspectiva psicanalítica surge quando defende a influência do meio ambiente no desenvolvimento humano na Sociedade Psicanalítica Britânica.

Uma vez que as teorias tradicionais vigentes não o satisfaziam no que diz respeito às explicações para as suas observações e para a natureza do vínculo mãe -criança, Bowlby procura outros campos de investigação. De facto, as explicações da Psicanálise (a qual postulava que a origem do amor materno se encontra na gratificação oral) e da Teoria da Aprendizagem Social (que defende o papel dos reforços secundários na dependência da relação mãe - criança) não satisfazem Bowlby. É na Etologia, na Ciência Cognitiva (processamento da informação), na Cibernética (Teoria do Controlo dos Sistemas) e na Psicologia do Desenvolvimento que Bowlby se vai inspirar par chegar aos conceitos base da teoria da vinculação (Bretherton, 1992). Contudo, a formação psicanalítica não é

totalmente abandonada por Bowlby. Apesar de a considerar insuficiente, Bowlby partilha das seguintes ideias: as experiências precoces têm um forte impacto na personalidade, nas relações, pensamentos e comportamentos dos indivíduos; e, a motivação humana possui uma natureza em grande parte inconsciente.

No que diz respeito à Etologia, são especialmente importantes para Bowlby formular a sua teoria, os trabalhos de Konrad Lorenz sobre o "imprinting" em patos. Lorenz demonstrou que as aves seguiam de modo persistente o primeiro objecto que viam a movimentar-se depois de nascerem. O "imprinting" é esta forma específica de aprendizagem de cada espécie que ocorre num período de tempo circunscrito (o "período crítico") e que resiste a modificação posterior. Bowlby considera então que, tal como as aves, os humanos estão predispostos biologicamente para a formação de laços significativos com indivíduos específicos. Dos contributos da etologia, Bowlby retira o papel do comportamento institivo nos humanos e a importância de se realizarem observações dos indivíduos no seu ambiente natural.

No que diz respeito aos conhecimentos da Psicologia Cognitiva, os dados referentes ao facto das pessoas desenvolverem modelos mentais internos de fenómenos internos e externos vão influenciar Bowlby na sua teoria da vinculação. Com efeito, na teoria da vinculação, estes modelos mentais, designados como "modelos representacionais" ou "modelos internos dinâmicos" referem-se às representações que os indivíduos têm deles próprios, das suas figuras de vinculação e das relações estabelecidas (Bowlby, 1978).

Da Teoria de Controle dos Sistemas, Bowlby retira a idéia de que os comportamentos não se podem separar do seu contexto, dando ênfase às relações entre os vários componentes do meio ambiente, assim como as interacções mútuas existentes entre os vários subsistemas (Berman & Sperling, 1994). De facto, tal como Coleman e Watson (2000) referem, a observação de partes de comportamentos isolados é qualitativamente diferente ao comportamento associado à análise das partes como um todo.

Como vimos, a teoria da vinculação integra conhecimentos de diversos domínios científicos.

Em 1948, Bowlby pede a James Robertson para o ajudar na observação de crianças hospitalizadas ou institucionalizadas que tinham sido separadas dos seus pais. Passados dois anos de observações com Bowlby, Robertson realiza um filme que, apesar de controverso, dá esperança às crianças hospitalizadas (Bretherson, 1992). Identifica e descreve as três fases do processo de separação (Bowlby, 1978a):

■ O protesto ­ fase relacionada com a ansiedade de separação, a qual pode iniciar­se logo após a separação ou mais tarde e manifesta­se durante horas ou dias;

■ O desespero ­ relacionada com a dor e o luto, apresentando uma postura passiva apesar de manifestar preocupação pela mãe;

■ A negação ou desvinculação ­ a criança começa a aceitar determinadas figuras que se aproximam dela e se a mãe volta parece não reconhecê­la e mesmo evitá­la (isto pode estar relacionado com os mecanismos de defesa, nomeadamente a repressão).

Estas observações em conjunto com as observações de Harlow (1953) acerca da privação materna em macacos rhesus, levam Bowlby a conceber que os bebés e as crianças experimentam ansiedade de separação em situações activadoras de comportamentos de fuga ou de vinculação, mas a figura de vinculação não se encontra presente.

Mary Salter Ainsworth (1913­1999)

Mary Ainsworth terminou a sua licenciatura em Psicologia na Universidade de Toronto, onde teve contacto com a Teoria da Segurança de William Blatz. Dos contributos da teoria de Blatz para a teoria da vinculação salienta­se: a noção da figura de vinculação como base segura, a partir da qual a criança pode explorar o mundo, a metodologia de observação naturalista (Berman & Sperling, 1994) e o conceito de sensibilidade materna aos sinais da criança e o seu papel no desenvolvimento dos padrões de vinculação mãe ­criança (Bretherton, 1991, 1996). Ainsworth é uma psicóloga clínica canadiana que participa em 1950 na

equipa de investigação de Bowlby acerca dos efeitos da separação precoce da mãe e criança no desenvolvimento da personalidade. Depois, realiza durante dois anos observações naturalistas no Uganda com mães e respectivos bebés.

Posteriormente em conjunto com os colaboradores, Ainsworth realiza o estudo longitudinal de Baltimore: observação sistemática de interacções mãe - bebé no seu ambiente natural e em laboratório. Assiste-se deste modo ao desenvolvimento do procedimento laboratorial da Situação Estranha, que permite a análise das diferenças dos indivíduos na forma como organizar comportamentalmente a vinculação. Segundo Cassidy (1999), a Situação Estranha é o primeiro estudo científico da vinculação sendo responsável pelo lugar ocupado pela teoria da vinculação na Teoria do Desenvolvimento.

Mas não é só ao nível metodológico que Ainsworth contribuiu para a teoria da vinculação. Os seus contributos são também de ordem teórica ao conceptualizar o equilíbrio entre a vinculação e a exploração, a base segura e a responsividade da figura de vinculação ao nível da prestação de cuidados.