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Neste estudo, pretendemos compreender o modo como os diferentes elementos constitutivos da família percebem a satisfação proveniente do desempenho dos papéis familiares. Temos então dois tipos de percepções: se, por um lado os pais já se encontram a desempenhar os papéis conjugal e parental, reportando-se ao modo subjectivo de os vivenciar relativamente à satisfação que advém do seu desempenho; por outro lado, os filhos adolescentes ou jovens adultos que ainda não iniciaram o desempenho desses papéis familiares, formam representações da satisfação que os seus pais retiram pelo facto de serem um casal e de serem pais. Se relativamente à primeira dimensão existem estudos, relativamente à segunda não existem estudos, constituindo-se como o carácter inovador do presente estudo. Começamos assim por contextualizar a vivência deste dois papéis familiares de modo a dar sentido às percepções que deles advém.

A parentalidade "é um processo biológico e social" (Tobach & Schneirla, 1968*).

"É o termo que sumariza o conjunto de comportamentos envolvidos ao longo da vida nas relações entre organismos que são conspecíficos, e tipicamente membros de diferentes gerações ou, pelo menos, de coortes de nascimento diferentes e cujas interacções fornecem recursos ao longo dos grupos geracionais e funcionam tendo em vista os domínios da sobrevivência, reprodução, nurturance e socialização."(Lerner, Castellino, Terry, Villanuel & McKinney, 1995)

Para Gould (1977*) e R. M. Lerner (1984*), especificamente nos humanos, a parentalidade por membros de uma geração mais velha a uma

geração mais nova possibilita: reprodução sucedida, aprendizagem - ao longo de uma infância extensa - para se ajustar em cada nicho geracional, e uma conectividade e interdependência intergeracional. Aumenta a capacidade de ambas as gerações de funcionarem bem em novos nichos. Na geração mais nova, a capacidade de funcionar em novas arenas surge como consequência da actualização do alto nível de plasticidade, o que pode manter ou aumentar a qualidade de vida da geração mais velha.

Portanto, a parentalidade é um processo complexo, envolvendo muito mais do que uma mãe ou um pai fornecendo comida, segurança e auxílio a uma criança. A parentalidade envolve relações bidireccionais entre entre membros de duas (ou mais) gerações, pode extender-se a todas ou à maior parte do curso de vida destes grupos, pode comprometer todas as instituições de uma cultura (incluindo educacionais, económicas, políticas e sociais) e está embebida na história da pessoa - enquanto esta história ocorre nos dispositivos naturais e desenhados nos quais o grupo vive (Ford & R. M. Lerner, 1992). Dada a variação temporal que caracteriza a história, a variação da cultura e das suas instituições existentes em nichos ecológicos físicos diferentes, e a variação, nas e através das gerações, nas estratégias e comportamentos concebidos para se ajustar aos nichos, pode-se notar que a diversidade é característica substantiva chave do comportamento parental. Para se compreender a parentalidade adequadamente é necessário focar-se nesta variação mais do que nas tendências centrais.

A parentalidade envolve múltiplos níveis de organização que mudam nas e através de relações integradas, mutuamente interdependentes ou "fusionadas" ocorrendo através do tempo ontogenético e histórico (R. M. Lerner & J. V. Lerner, 1987; Tobach & Greenberg, 1984*).

Esta visão da parentalidade está associada à teoria do desenvolvimento humano desenvolvimental contextual (R.M. Lerner, 1986, 1991, 1992). Foca nas relações em constante mudança entre as pessoas em desenvolvimento e o seu contexto.

1. O contextualismo desenvolvimental

O contextualismo desenvolvimental é uma perspectiva do desenvolvimento humano que toma uma abordagem integrativa dos múltiplos níveis de organização presumidos de compreender a natureza da vida humana; isto é, relações "fusionadas" (Tobach & Greenberg, 1984*) e em mudança entre os níveis contextuais, biológico, psicológico e social que compreendem o processo de mudança desenvolvimental.

Esta visão em vez de reducionista ou uma forma de processamento paralelo, assenta na ideia de que as variáveis destes níveis de análise são dinamicamente interactivas - elas são reciprocamente influenciáveis ao longo do curso da ontogenia humana.

Se o curso do desenvolvimento humano é o produto dos processos envolvidos nas "fusões" (ou "interacções dinâmicas", R. M. Lerner, 1978, 1979, 1984) entre níveis integrativos, então os processos de desenvolvimento são mais plásticos do que muitas vezes previamente se acreditara (cf. Brim & Kagan, 1980*).

O contexto para o desenvolvimento não é visto meramente como um simples ambiente estimulante, mas como um "ambiente ecológico... concebido topologicamente como um arranjo de estruturas concêntricas que se encaixam umas nas outras, cada uma contida na seguinte" (Bronfenbrenner, 1979, p.22) e incluindo variáveis dos níveis biológicos, psicológicos, físicos e sociocultural, todos em mudança de modo interdependente ao longo da história (Riegel, 1975*, 1976*).

A ideia central no contextualismo desenvolvimental é que relações recíprocas em mudança (ou interacções dinâmicas) entre os indivíduos e os múltiplos contextos nos quais eles vivem compreendem o processo essencial do desenvolvimento humano (R. M. Lerner, 1986; R. M. Lerner & Kaufffman, 1985*). O comportamento é quer biológico quer social (Featherman & Lerner, 1985*; Tobach & Schneirla, 1968*).

2. As características das relações pessoa - contexto

As características dos indivíduos enquanto crianças relacionam-se com as suas características durante a idade adulta e o modo como nos comportamos e pensamos enquanto adultos - e especialmente enquanto pais - é muito influenciado pelas nossas experiências com os nossos filhos.

O facto de se ser pai transforma a pessoa num adulto diferente do que seria se não fosse. As características específicas e muitas vezes especiais de uma dada criança influenciam-nos de formas muito únicas. O modo como nos comportamos perante uma criança depende muito de como ela influenciou o nosso comportamento.Estas influências da criança são designadas de efeitos da criança.

Ao influenciarem os pais que os influenciam, os filhos moldam, de certa forma, o seu próprio desenvolvimento. Neste sentido, os filhos são produtores do seu próprio desenvolvimento (R. M. Lerner, 1982) e a presença destes efeitos da criança constituem a base da relação bidirecional entre pais e filhos. Esta bidirecionalidade relacional continua na adolescência e na idade adulta estendendo-se a todas as pessoas significativas na vida da pessoa (irmãos, amigos, professores,...).

A relação criança - outro é o traço básico das relações desenvolvimentais contextuais que caracterizam o ser humano.

Os efeitos da criança emergem principalmente como uma consequência da distintividade individual da criança. Nem mesmo os gémeos monozigóticos são iguais, pois nenhumas duas crianças experienciam precisamente o mesmo ambiente. Cada criança é única e, portanto individualmente diferente da outra.

Existem quatro componentes chave do efeito da criança que passamos a descrever.

1. Individualidade da criança

Esta individualidade pode ser ilustrada pelo estudo do temperamento (característica do comportamento da criança que descreve como eles actuam).

2. Características estimuladoras da individualidade da criança

Em consequência da sua individualidade, a criança apresenta diferente estimulação aos pais.

3. Reacções parentais à estimulação da criança

Pais que são estimulados diferencialmente reagem diferencialmente. A individualidade destas reacções parentais sublinha a idéia de que os pais são individualmente distintos dos seus filhos. A individualidade parental sublinha a unicidade do contexto de cada criança.

4. Feedback parental à criança

Como consequência da diferente estimulação recebida da criança, e em relação às suas próprias características de individualidade, os pais fornecem feedback diferencial aos seus filhos. Este feedback torna-se uma parte importante da experiência da criança. Mais ainda, este feedback é distinto por se basear no efeito da individualidade da criança no pai. Por isso, o feedback serve para promover ainda mais a individualidade da criança.

3. Funções circulares e socialização bidirecional: O modelo de