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4 Desterritorialização: Construindo coletividades

4.2 Origem dos Drag Spaces e os Palcos da Montação

Nesse eterno movimento de aproximação da minha corpa e de expansão para outros territórios e experiências, proponho que adentremos outras territorialidades, fortalecendo e conhecendo o que acontece agora na cartografia carioca, mas também colocando o holofote para nossas antepassadas. Assim, podemos entender o ontem para que, organizando o hoje, possamos construir melhores condições no amanhã.

Drag Space, assim como ilustra o título deste subcapítulo, é um termo cunhado pela teórica queer Eve Kosofsky Sedgwik que define espacialidades que podem ser reconhecidas pela “sua capacidade de transformação performativa” (Preciado, 2011, p. 24). Aqui, trata-se dos espaços mais tolerantes para corpas que fogem das normas heteronormativas de gênero performatizadas pelas imposições sociais.

Nossas corpas já sofrem limitações variadas, em praticamente todas instâncias do nosso dia-dia. O controle para com nossas corpas se dá até em ambientes onde teríamos de ter a liberdade de excluirmos dejetos corporais e ou limparnos, como é o caso dos banheiros, quando:

Para além das fronteiras nacionais, milhões de fronteiras de gênero, difusas e tentaculares, segmentam cada metro quadrado do espaço que nos rodeia. Ali onde a arquitetura parece simplesmente se colocar a serviço das necessidades naturais mais básicas (dormir, comer, cagar, mijar…), suas portas e janelas, seus muros e aberturas, regulando o acesso e o olhar, operam silenciosamente como a mais discreta e efetiva das “tecnologias de gênero”. Assim, por exemplo, os banheiros públicos, instituições burguesas generalizadas nas cidades europeias a partir do século XIX, pensados primeiro como espaço de gestão de lixo corporal nos espaços urbanos , vão se converter progressivamente em cabines de vigilância de gênero. […] Na porta de cada banheiro, como único signo, uma interpelação de gênero: masculino ou feminino, damas ou cavalheiros, guarda-chuva ou chapéu, bigode ou florzinha, como se tivéssemos que entrar no banheiro para refazer o gênero mais do que se desfazer da urina e da merda. Não nos perguntam se vamos cagar ou mijar, se temos ou não diarreia, ninguém se interessa nem pela cor nem pelo tamanho da merda. A única coisa que importa é o GÊNERO (PRECIADO, 2019, p.01).

É uma máquina muito bem engendrada sobre a qual é preciso ter consciência. Com atos de desidentificação e desterritorialização, conseguimos não cair, e sofrer, nas armadilhas normativas que a sociedade nos impõe. Tal situação serve não só como um enunciado do que se pretende discutir no presente capítulo, mas também aponta para a necessidade de compreensão de que, em tal escrito, Preciado se propõe a realizar uma análise dos banheiros públicos – em especial, os do aeroporto Charles de Gaulle, em Paris – enquanto tecnologias de gênero. O autor toma liberdade para se colocar como

investigador-crítico, pois, em sua história de vida, pôde passar por ambas situações, adentrando e experienciando o que é estar ou não de acordo com o que se espera, tanto no banheiro feminino ou no masculino, pois o mesmo é um homem trans.55

Dissertando sobre mais um espaço normativo em nossa sociedade, podemos pensar o oposto disso: uma espacialidade que propicia a prática da montação, por exemplo. Preciado coloca a casa de Anne Sprinkle como um curioso Drag Space:

a sua sala de estar, a sua cozinha e o seu banheiro, haviam se transformado em espaço público e performativo, às vezes cenário de teatro burlesco ou de performance, às vezes oficina de tatuagem e piercing, cenário de gravação de filmes, masmorra SM, local de reuniões políticas de profissionais da pornografia e do sexo, um espaço expositivo para aquilo que Sprinkle começa nessa época a denominar como sex art, ou centro de publicações onde são produzidos folhetos, revistas e panfletos políticos-sexuais em prol da legalização da prostituição e da pornografia (Preciado, 2017 p. 24). Com isso, podemos compreender que não existem limites para as práticas descritas pelo autor, assim como não existiram para os espaços que traremos nas próximas folhas, sendo os mesmos espaços de performatividade drag-transformista na cidade do Rio de Janeiro, os nossos Drag Spaces. Para começar, gostaria de começar a falar sobre os espaços escondidos, camuflados, onde as Bichas se intitulavam de Entendidos, pois precisava ser “entendido” de tal assunto para saber onde e como frequentar as “turmas” durante a ditadura militar no Brasil. Começaremos nossas busca por esses espaços que chamo de recônditos.

O que seriam os recônditos? São ambientes onde a Flânêuse Perversa adentra alguns espaços escondidos da urbes, como em um ritual apenas para iniciados. O recôndito é uma caixa mágica onde é permitido vivenciar uma experiência à qual a cidade, na grande maioria das vezes, exclui. Neste espaço, uma grande multiplicidade de corpas que não performam sua experiência de arte-vida-gênero de acordo com a norma CIStemática vigente na sociedade, encontra acolhimento. Neles, o holofote clareia pequenas caixas escuras que revelam o glitter das artistas da noite, ou se

55 É a partir desta experiência que o autor colecionou alguns comportamentos vistos nos banheiros públicos: o espelho do banheiro feminino como espaço para retocar a maquiagem de mulher-feminina, sendo esta também alvo dos olhares severos de outras mulheres-femininas; ou até mesmo a constatação de que “mijar de pé publicamente é uma das performances constitutivas da masculinidade heterossexual moderna”, são pontos interessantes de destaque. Desse modo, o discreto mictório, antes de ser um instrumento de higiene, é uma tecnologia de gênero que participa da produção da masculinidade no espaço público. São noções que apenas ele, tendo vivenciado e subscrito em seu corpo, e sua vivência, a transição de gênero, o coloca como um cartógrafo autônomo e borrador de fronteiras impostas socialmente. Sua proposição, assim como suas conclusões e vivência, são diárias, estando em contraposição às binaridades das fronteiras de gênero que gerenciam e organizam a nossa vida social.

escurecem por completo em darkrooms56, permitindo àqueles corpos darem vazão aos seus desejos mais escondidos, compulsoriamente reprimidos em nossa sociedade heteronormativa. Nos recônditos, a Flânêuse Perversa adentra e recria espaços e afetos, sendo talvez o mais tradicional das últimas décadas a Turma OK, ambiente para se compreender o caráter do que aqui venho chamando de recôndito, e para a compreensão da construção da cena transformista carioca.

A Turma OK é muito mais que um espaço de festividade, é um coletivo de resistência. É o primeiro grupo LGBTQIA+ de que se tem registro na história do Brasil, fundado em 1962 e que se mantém em atividade até a atualidade, se solidificando no que eles chamam de um ambiente respeitoso e familiar.57 Em um sobrado, no centro do Rio de Janeiro, se consolidaram como um ambiente de tradição, assim como a Gafieira Estudantina, o Cordão do Bola Preta e o Bar Luís. O termo “turma”, muito utilizado para designar uma reunião de homossexuais em apartamentos nas décadas de 1950 e 1960, se dá por conta do clube contar com um pequeno grupo fixo que se reúne semanalmente para admirar o trabalho de artistas veteranas, jantar, cantar e jogar bingo.

Tais espaços, como os apartamentos, serviram como manutenção da arte da montação durante a ditadura militar, onde não se podia anunciar eventos que ocorriam entre amigos próximos e que viviam entre quatro paredes. Conforme lembra Patrícia Saint-Laurent, na série documental Noturnas58: “na hora de bater palma fazia-se o estalar de dedos, para não fazer barulho para a vizinhança e não chamarem a polícia”. O recôndito, deve-se, com isso, à condição da formação inicial de tais guetos, não só da Turma Ok, mas do caráter da vivência e da prática homossexual na época do início de sua configuração como Drag Space. Em “A Confraria Gay: um estudo de sociabilidade, homossexualidade e amizades na Turma Ok”, Thiago Soliva (2012, p.18 ) traça todo um panorama, do início da Turma Ok até a atualidade, no epicentro de uma nova configuração cartográfica:

No Rio de Janeiro, a região compreendida entre a Praça Tiradentes e a Cinelândia marcou os contornos de uma cartografia dos desejos, onde prostitutas, marginais e “frescos” compartilhavam um mesmo espaço urbano,

56 Quarto escuro onde, geralmente em festas de boate, se pode realizar o ato sexual.

57 Importante ressaltar que entre os anos de 1969 e 1975, o clube esteve fechado, devido às repressivas da Ditadura Militar.

58 A série Noturnas, que foi ao ar pelo Canal Brasil, e ainda consta em seu site na internet, faz um mergulho na historia transformista do Brasil, entrevistando 46 artistas brasileiras de outras gerações anteriores a essa, incluindo-se aí, dentre outras, Rogéria.

a rua, para negociarem o sexo. A frequência de determinados grupos nesses espaços possibilitou a construção de identidades coletivas em função do reconhecimento de traços comuns. Nesse momento, as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo vão se tornando mais evidentes, passando a preocupar as autoridades competentes... Homens com atributos físicos e comportamentos associados ao feminino dão visibilidade a esse novo tipo social.

Entre as décadas de 1950 e 1960, não só no Rio de Janeiro mas também em São Paulo, a Flâneuse Perversa brasileira, no caso os homens homossexuais, as bichas de outrora, se reúnem e buscam melhores maneiras de vivenciarem sua homossexualidade. A grande maioria desse homens era oriunda de outros estados brasileiros não tão de “vanguarda” como as populosas metrópoles que eram, e ainda são, o eixo Rio de Janeiro-São Paulo. A sociabilidade homossexual promove espaços de encontro, servindo também como Drag Space, lugares onde a quebra do paradigma de gênero, sobretudo a busca pelo feminino em corpos masculinos e homossexuais, promove o início do que viria a se solidificar, e se manter até a atualidade como a Turma Ok. As “turmas” eram esses lugares de encontro, de sociabilidade e de construção de família (ou haus).

Diferente da rapidez midiática na qual vivemos na atualidade, as informações e novidades eram proporcianadas por uma grande quantidade de jornais, executados e produzidos em mimiógrafos e distribuídos nos secretos encontros que essas turmas realizavam em seus apartamentos apenas para os iniciados, ou “entendidos”. As “Turmas”, em seus apartamentos, começam a despertar esse fenômeno do agrupamento homossexual nos idos dos anos 1960, década marcada pela presidência de Juscelino Kubitschek e de seu famoso lema “cinquenta anos em cinco”. O Brasil se torna um país em modernização em paralelo à glamourosa era do rádio e aos concursos de miss:

Dentre os espaços dedicados ao pertencimento homossexual, destacam-se sobretudo os apartamentos, em cuja intimidade eram organizados eventos de todo tipo, de encontros a concursos de Miss. Outro espaço dedicado à sociabilidade homossexual era, de fato, o teatro (FRIQUES, 2018, p. ).

Assim como existia a Turma OK, que sobreviveu à ditadura militar, tivemos, em outras proporções, um grande número de artistas transformistas que trabalhavam e vivenciavam sua transexualidade e/ou arte transformista nos palcos teatrais, como já comentamos aqui. Atenhamo-nos, por hora, aos drag spaces que mantêm suas montações nos espaços ainda reconhecidos como recônditos, para depois darmos saltos mais altos.

A Turma OK é um recôndito que apresenta, valoriza e mantém um palco italiano.59 O palco conta com painel na parte traseira, que alude a um salão antigo, pomposo e detalhista, em uma estética que beira o camp. O palco, que é composto por uma estrutura de madeira pintada de preto, possui uma coxia localizada à sua esquerda, bem pequena e que serve para mediar a distância entre público e artistas. Em tal espaço, preza-se pela performance no palco e pela distância entre palco e plateia, ainda que essa não seja muita, pois o salão não é muito grande, uma sala de um sobradinho. Na parte do salão destinada ao público, funciona um pequeno bar e se dispõem algumas mesas e cadeiras. Trata-se de um ambiente calmo e acolhedor e esse ideal possui propósitos específicos: a Turma Ok se aproxima de um espaço familiar que preza por performance das artistas nos palcos e se distancia dos “inferninhos” mais contemporâneos. O ápice das noites é o palco: não há pegação e darkroom, e, em geral, após as apresentações, todos vão embora. O palco, ali, não é improvisado, ele é o personagem principal, o protagonista de uma cena onde homossexuais maduros se encontram e prezam por não revelarem suas intimidades, suas práticas sexuais. Neste espaço tradicional da noite transformista carioca, a performance das artistas são realizadas sempre com as fronteiras entre palco e plateia, bem como entre o público e o privado. O contrário acontece em outros recônditos no Rio de Janeiro, podendo exemplificar aqui as boates la Cueva ou a Fosfobox, ambas, diferentes do acesso a Turma OK, com entradas subterrâneas e, principalmente a Fosfobox, frequentada pelo público mais jovem.

A performance executada por Palloma Maremoto, e descrita aqui anteriormente, foi realizada na festa Mona, que, assim como V de Viadão, Showroom e Morta, foram, e continuam sendo espaços para a performatividade da grande maioria das drags das novas gerações e, marjoritariamente produzidas em espaços-recônditos. As artistas da atualidade se autodenominam Drag Queens, diferentemente das artistas que frequentam a Turma Ok, e de outras gerações, sendo essas as transformistas. Lembramos aqui, com Samuel Abranches (2014, p. 148) que “o termo ‘transformista’ apareceu na década de 1960. A drag queen data dos anos 1980, nos Estados Unidos e no Brasil, reflexo da geração das discotecas”. Quando o termo drag chega ao Brasil, resulta de outros modismos americanos já mencionados aqui.

59 Palco Italiano é quando a arquitetura do palco é pensada como uma estrutura a ser observada de frente, proporcionando a observação da plateia a partir da noção de profundidade e perspectiva. Tais noções são oriundas das pinturas da virada do século xv para o xvi, época na qual a sociedade começou a valorizar esse tipo de palco no fazer teatral, com influencias em como se estava realizando as artes visuais.

Por frequentar, de diferentes formas, esses ambientes, é interessante encontrar semelhanças e distanciamentos entre essas duas cenas tão distintas e que coexistem na mesma cidade. Se, em nossa época atual, contamos com drags realizadas por mulheres cisgêneras como Vicente e Maremoto, o primeiro agrupamento da Turma Ok possuía também alguns nomes como Miss Buracolina e Tia Mame, sobretudo mulheres lésbicas que frequentavam esses escondidos encontros e ajudavam a “camuflar” o grupo, o tornando mais heterogêneo em seus encontros nos apartamentos (SOLIVA, 2016, p. 8). Se, hoje em dia, como na Fosfobox, Maremoto performa Pitty ou Barbie Girl, as divas da geração Turma OK são outras: de um lado Lady Gaga e Rihanna; do outro Judy Garland e Liza Minelly60. De um lado, a contestação atual; de outro lado, o glamour das divas de outras épocas, havendo sempre uma busca pelo feminino em suas distintas nuances e performatividades. Outro detalhe é que até os dias de hoje a Turma Ok abre suas portas para variados concursos de transformistas ao longo do ano, como os eventos anuais que coroam Miss e Mister OK.

Figura 40: Transformista Divina Aloma performando no palco da Turma Ok (fonte site Turma Ok).

60 Pamela Star, que iniciou sua carreira em um concurso de dublagem na boate Le Boy em meados da década de 1990, tem na sua drag uma sósia de Liza Minelly. Pamela lembra que, depois de conhecer Marlene Casanova – a sócia de Emilinha Borba – realizou diversos shows pelo país. Interessante observar a herança empreendedora que Marlene transmite à Pamela, como se constata no depoimento de Pamela para a série Noturnas, disponível em: https://globosatplay.globo.com/canal-brasil/v/5652752/.

Ao lado da Turma Ok, há também o Cabaret Casanova, um espaço marcante para toda uma geração, sendo a casa onde Madame Satan realizava shows em uma Lapa mais longínqua:

O Casanova foi, sem sombra de dúvidas, um espaço histórico e de inegável resistência da comunidade gay do Rio de Janeiro. Numa época em que não se falava de direitos civis dos cidadãos LGBTs, lá estava o velho Casanova transgredindo padrões de comportamento em plena ditadura militar... Foi ali no Casanova onde se formou o ainda embrionário Dzi Croquettes, ali o lendário Madame Satã fez suas últimas incursões pela “sua” Lapa boêmia onde artistas do porte de Carlos Machado e Alcione se apresentaram. (MARINHO, 2011)61

O Cabaré Casanova abre suas portas em 1939 e, durante muitos anos, foi referência na apresentação de shows de travestis e transformistas no centro do Rio de Janeiro. Diferente da Turma OK, se localizava em um espaço com maior acesso e movimentação de pessoas e agregava em seu público uma diversidade maior de pessoas. O Cabaret, como o nome já diz, buscava ser, e era, uma casa de shows e não apenas um clube de amigos, uma “turma”.

Na boate Casanova, cuja dona é uma travesti negra, predominam pessoas das camadas populares e moradores de subúrbios, havendo mais pardos e pretos, bem como travestis. É vista como decadente pelo público de maior poder aquisitivo. […] As boates Cabaret e Cine Ideal, na Lapa, guardam algumas semelhanças com Madureira, no sentido de uma maior afirmação de uma identidade gay que pode ser atribuída a uma maior aproximação com o perfil socioeconômico. Isso não significa uma definição rígida de identidades sexuais, mas tendências que podem ser interpretadas à luz dos marcadores sociais, como a classe e gênero. (Monteiro, 2010, p. 93-94).

A Travestí descrita acima é Meime dos Brilhos e conhecida por não deixar nenhuma “menina” subir ao palco se não estivesse montada de forma impecável: meia calça, maquiagem e perfume. Foi nessa casa importantíssima que o grupo Dzi Croquettes realizou uma de suas primeiras performances, sendo este local um marco na história LGBTQIA+ carioca, mas que atualmente está em Ruinas.

Figura 41: Transformista Meime dos Brilhos performando no palco do Cabaret CasaNova (acervo Google Imagens).

O mesmo não aconteceu com outro palco carioca importantissimo por colocar uma grande quantidade de travestis e transformistas em suas instalações: o Teatro Rival. É nesse teatro que, além de ser o primeiro palco em que adentrei com meu cílio-prótese, Vicente Van Goth se revelou entre Hedwig e Ney Matogrosso. O teatro possui um palco e plateia enormes, suas dimensões são consideráveis, sobretudo quando temos uma performer sozinha sobre esse palco, como foi o caso de Vicente. Mas esta dimensão física do palco em nada se equipara à sua dimensão histórica.

Um pouco distinto dos ambientes descritos anteriormente, podemos falar da atual cena drag vivenciada no Teatro Rival, mais precisamente no Rival Rebolado, um “cabaré contemporâneo que conta com números de lyp-synch, strip-tease etc.” (FRIQUES, 2018, p. 13). O Rival Rebolado surge com uma proposta de trazer de volta o Teatro de Revista62 à Cinelândia, utilizando números cômicos para brincar com situações políticas da atualidade, mesclados a performances burlescas63 e a um concurso

62 “O teatro de revista originou-se na França, no século XVIII, com o objetivo de revisar acontecimentos, sob um olhar crítico e cômico. A revista alcançou forte popularidade no século XIX, tornando-se um gênero de sucesso mundial em meados desse século. Ela se enquadra dentro da vertente denominada teatro ligeiro, a qual abarcava gêneros de teatro popular que possuíam um ritmo bastante ágil na escrita, com entradas e saídas de personagens, falas curtas entre outros recursos. Assim, no século XIX, com o crescimento urbano e a demanda por novas formas de expressão nas maiores cidades do Ocidente, se desenvolveram diversos gêneros do teatro ligeiro, como: o vaudeville, a mágica, o cafécantante, o music- hall, a comédia musical, a opereta e a revista” (Mariana de Araujo Aguiar, 2012, pg. 01)

63 Segundo Giórgia Conceição (2013, p.17 ), “A burla é a origem etimológica do burlesco. Burlesco é o adjetivo daquilo que burla. A palavra deriva do latim burula, gracejo, piada. A literatura foi a primeira área artística a adotar a palavra, a partir do século XVII. Ao migrar para o campo da performance, a burla

de drags que coroa a Rainha da Cinelândia. Os números ocorrem ora no palco, ora na plateia, já que uma das propostas é instaurar uma atmosfera de Cabaret, com direito a mesas móveis, dispostas pelo espaço onde performers e frequentadores se encontram e os garçons servem drinks. Pode-se observar o palco de longe, mas também pode-se pedir uma mesa bem próximo à boca da cena, sublinhando as permeabilidades.

O Rival foi um dos primeiros, já na década de 1970, a dar espaço para artistas transformistas, drags e travestis: é um lugar, antes de mais nada, com profunda importância politica e cultural. Assim como na Turma OK e no Cabaret Casanova, transformistas das últimas quatro ou cinco décadas coloriram esse palco muito antes das drags da nova geração carioca nascerem. Mas, diferente da Turma OK, o Rival se