• Nenhum resultado encontrado

Origens e percursos: Um olhar sobre a história da Enfermagem em Portugal

EDUCAR PARA O ENVELHECER: REVELANDO AS MATRIZES TEÓRICAS

A EDUCAÇÃO E O CURRÍCULO EM ENFERMAGEM

2.1. Origens e percursos: Um olhar sobre a história da Enfermagem em Portugal

Neste texto, relembramos as origens da formalização do ensino de Enfermagem em Portugal e alguns dos principais marcos históricos que determinaram os percursos de um grupo socioprofissional em permanente desenvolvimento. É como “um olhar sobre o ombro” que nos leva a “relancear os olhos para trás, do lugar onde se está, visualizando o caminho percorrido com o sentido de que poderá permitir um melhor enquadramento do hoje” (Nunes, 2003 p. XII).

A educação e o currículo de Enfermagem dos nossos tempos são fruto, naturalmente, das mudanças e evoluções que ocorreram ao longo da história, muitas vezes preservada por aqueles que a experienciaram e por aqueles que a escreveram.

Quando e como teve início a história da Enfermagem?

“Os seres humanos sempre precisaram de cuidados, quer para manter a vida, quer para lutar contra o mal que os ameaça constantemente” (Vieira, 2008 p. 11). “Mas nunca foi suficiente atacar ou afastar o mal. Ontem como hoje, sempre foi necessário tomar conta daqueles que o padecem. A história dos cuidados aos que padecem é a história da enfermagem” (idem, 2008 p.12).

É, no entanto, no século XIX, que a Enfermagem surge como uma profissão organizada, sendo importante salientar que as congregações religiosas influenciaram, até este momento, a evolução da Enfermagem em Portugal (ibidem, 2008).

Em 1942 “verificam-se (…) no ensino e prática de enfermagem, geral ou especializada, graves deficiências. A aprendizagem é confiada ao simples tirocínio prático ou à improvisação das boas vontades (…) As próprias escolas existentes,

particulares ou oficializadas, trabalham longe de uma ação educativa e exemplificadora eficiente” (Decreto-Lei nº 32612 de 31 de dezembro, 1942 p. 1711).

Inicia-se, assim, uma reforma caraterizada pelo alargamento do conhecimento em Enfermagem (áreas de especialização), abrindo-se um “período transitório que permita aproveitar os valores existentes e preparar sem perturbações a futura normalidade” (idem, 1942 p.1712). Nesta altura são delineadas normas respeitantes à duração dos cursos e especializações e respetivas condições de admissão, contudo o enfermeiro é ainda designado como o “auxiliar da medicina”.

Em 1947 “as escolas e os hospitais perdem o poder de decisão e os programas e os conteúdos dos cursos passam a ser únicos para todas as escolas tuteladas pela Inspeção de Assistência Social e aprovados pela mesma” (Carrondo, 2006 p. 107).

Em 1952 ocorre a Reforma do Ensino de Enfermagem. Embora as escolas se mantivessem dependentes dos hospitais, legalmente foi “inscrita a autonomia técnica e administrativa” das mesmas. Nesta altura a heterogeneidade dos planos de estudo era evidente, apesar de “um plano único nacional” (Amendoeira, 2004 p. 96).

Em 1965 é visível uma nova atualização do ensino de Enfermagem, defendendo-se que os planos de estudo e os programas deveriam ser concebidos por forma a tornar os profissionais aptos a trabalhar em qualquer dos campos da saúde: preventivo, curativo e de reabilitação (Decreto-Lei nº 46 448 de 20 de julho, 1965). Introduzem-se novas disciplinas e assiste-se a uma mudança na relação entre escola e hospital, com uma ligação mais efetiva entre a teoria e a práxis clínica (Fernandes, 1998 p. 35).

“O regime democrático provocou modificações na sociedade portuguesa, em geral, e na Enfermagem em particular (…) neste período ocorrem as transformações relacionadas com a criação de um nível único de formação básica para a prestação de cuidados gerais (1974), todo o processo de autonomia das escolas que se encontravam anexas aos hospitais, que passaram a ser dirigidas por enfermeiros e enfermeiras devidamente preparados, a carreira única onde todos os profissionais de enfermagem têm clarificado o seu trabalho e à qual todos têm acesso (1981) assim como a integração do ensino de enfermagem no sistema educativo nacional a nível superior (1988) ” (Nunes, 2003 pp. 320-321).

Em 1999 tem início oficial o Processo de Bolonha, definindo etapas e passos, com vista a um Espaço Europeu de Ensino Superior harmonizado (Direção-Geral do Ensino Superior, 2008). “A Europa do conhecimento é agora reconhecida por todos como um fator imprescindível ao crescimento social e humano, um elemento indispensável à consolidação e enriquecimento da cidadania Europeia, capaz de oferecer aos seus cidadãos as aptidões necessárias para enfrentar os desafios do

novo milénio, a par com a consciência de partilha dos valores e de pertença a um espaço social e cultural comum” (Declaração de Bolonha, 1999 p. 1).

Decorrente do Processo de Bolonha surgem mudanças no ensino superior europeu, como é exemplo a criação da Associação Europeia para a Garantia de Qualidade no Ensino Superior (ENQA) e no ensino superior nacional, como é exemplo a criação da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).

A estes factos, de um passado ainda recente, acrescentamos outros, que tornam imperativa a reflexão sobre “o sentido de direção para o desenvolvimento da profissão e da disciplina de Enfermagem”. Estes são a “evolução verificada no ensino em Enfermagem”, nomeadamente a conquista do grau de licenciado e a abertura de mestrados e doutoramentos em Enfermagem, a “evolução verificada no exercício profissional”, decorrente da “complexidade crescente dos cuidados e a criação da ordem dos enfermeiros” e a “evolução das necessidades em cuidados de saúde”, sendo este último diretamente relacionado com o aumento do envelhecimento, das doenças crónicas e consequentemente da dependência (Paiva e Silva, 2007 pp. 320- 321).

Quadro 3 - Principais marcos históricos da Enfermagem em Portugal (Nunes, 2003); (Amendoeira, 2004); (Vieira, 2008).

Lembrando o caminho percorrido pela Enfermagem em Portugal 1881 – Criação do primeiro curso para enfermeiros (Coimbra)

1901 – Criação da Escola Profissional de Enfermeiros – ESE Artur Ravara (Lisboa) 1910-1929 – Surgimento de novos cursos de Enfermagem

1930-1939 – Aparecimento das primeiras publicações em Enfermagem

1952 – Reforma do Ensino de Enfermagem – Regulamento das Escolas de Enfermagem 1964 – Restruturação do Ensino de Enfermagem

1965 – Aprovação dos novos planos curriculares dos diferentes cursos de Enfermagem 1967 – Criação da Escola de Ensino e Administração em Enfermagem (Lisboa)

1971-1975 – Criação de escolas de Enfermagem em todas as capitais de distrito (exceto Aveiro e Setúbal).

1977 – Plano de estudos construído por enfermeiros (livro verde) 1979 – Criação do Serviço Nacional de Saúde

1982 – Restruturação dos cursos de especialização 1986 – Lei de Bases da Educação

1988 – Integração do Ensino de Enfermagem no Sistema Superior Politécnico 1990 – Criação do Curso Superior de Enfermagem (bacharel)

1991 – Criação do primeiro Curso de Mestrado em Ciências de Enfermagem na UCP Faculdade de Ciências Humanas de Lisboa.

1996 – Publicação do Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros (REPE); Início oficial do Processo de Bolonha.

1997 – Alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo

1998 – Publicação do decreto-lei que cria a Ordem dos Enfermeiros 1998 – Criação das Escolas de Aveiro e Setúbal

1999 – Criação do curso de licenciatura em Enfermagem em ciclo único – Declaração de Bolonha 2001 – Lei do ordenamento do ensino superior

2002 – Defesa do primeiro Doutoramento em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (Porto).

2005 – Segunda alteração à lei de bases do Sistema Educativo e primeira alteração à Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior

2006 – Regulamentação das alterações introduzidas pela lei de Bases do SE relativas ao novo modelo de organização do ES.

2007 – Criação da A3ES.

De uma forma geral, podemos afirmar que as mudanças e evoluções foram constantes, quer ao nível do ensino de Enfermagem, quer ao nível da práxis clínica, determinando uma visão mais clara e integradora da identidade da profissão nos dias de hoje. Ao longo dos tempos os enfermeiros conquistaram autonomia, lugar e poder numa sociedade em mudança, que exige, a cada dia que passa, respostas adequadas e inovadoras ao nível da saúde dos seus cidadãos.

“Na dimensão demográfica, o aumento crescente da terceira e quarta idades, faz aumentar exponencialmente a população mais vulnerável às doenças crónicas e às doenças degenerativas associadas à velhice, bem como a incapacidade crescente do modelo biomédico para explicar os fatores que não o integrando, necessitam ser analisados no interface entre o estado de saúde e o estado de doença (transições) ” (Amendoeira, 2004 p. 30). Afiliamo-nos à ideia de que “o percurso da profissão até hoje coloca os enfermeiros numa posição privilegiada para responder a alguns dos imensos desafios que as tendências do Sistema de Saúde permitem vislumbrar para amanhã” (Vieira, 2008 p. 121), nomeadamente em relação ao envelhecer.

2.2. (Re) Pensando a educação e o currículo: Uma abordagem crítica

Não é possível pensar a Educação sem refletir sobre o próprio homem, “ser

inacabado” e que por isso se educa. “Este ser temporalizado e situado (…) descobre

que não só está na realidade, mas também que está com ela”. Um ser de relações que “guarda em si conotações de pluralidade, de criticidade, de consequência e de temporalidade” (Freire, 1979 p. 62).

Afiliamo-nos à ideia de Paulo Freire, acreditando que a educação significa mudança e que o homem é um ser inconformado, que busca sempre mais, sendo capaz de questionar a realidade onde se insere, relacionando-se com ela e transformando-a. “ (…) O homem, ao responder aos desafios que partem do mundo, cria seu mundo: o mundo histórico-cultural. O mundo de acontecimentos, de valores, de ideias, de instituições. Mundo da linguagem, dos sinais, dos signos, dos símbolos. Mundo da opinião e mundo do saber” (idem, 1979 p.46-47).

De acordo com estes pressupostos, aceitamos que a verdadeira educação “consiste em ensinar a pensar mas também em aprender a pensar sobre o que se pensa” (…) levando à reflexão (…) exigindo “constatar a nossa pertença a uma comunidade de criaturas pensantes” (Savater, 1997 p. 30). Educar “é sempre uma tentativa de libertar o semelhante” (…) proporcionando “combinações inéditas e derivações ainda não exploradas” (idem, 1997 p.69).

O paradigma, no qual nos suportamos, atravessa os novos processos de aprender e de ensinar, exigindo uma nova atitude por parte de todos os seus atores.

Na escola, ocorrem intervenções geradoras de mudança, que fazem do processo de aprender e ensinar um meio de reprodução, mas sobretudo de produção e transformação social (Leite, 2002).

“Aprender e ensinar, hoje, pressupõem o desenvolvimento de novas capacidades individuais e em equipa que deverão desembocar na aquisição de novas competências gerais e específicas em função dos novos desafios da sociedade emergente” (Tavares, 2005 p. 10). Neste sentido, todo o processo de “conhecer, aprender e ensinar é uma verdadeira construção pessoal e social ou co construção de conhecimento, de experiência, de ação e de vida” (idem, 2005 p.18).

Segundo Roldão, “ensinar é, antes de mais fazer alguém aprender. Aprender significa apropriar-se dos sentidos daquilo que se aprende, atribuir um significado a alguma coisa e inserir cada nova aquisição num processo interativo que se constrói a partir do quadro prévio em que o sujeito se situa” (Roldão, 1999 p. 28). Para a mesma autora “saber ensinar é ser especialista dessa complexa capacidade de mediar e transformar o saber conteudinal curricular (…) pela incorporação dos processos de aceder a, usar o conhecimento, pelo ajuste ao conhecimento do sujeito e do seu contexto, para adequar-lhe os procedimentos, de modo que a alquimia de apropriação ocorra no aprendente – processo mediado por um sólido saber cientifico em todos os campos envolvidos e um domínio técnico – didático rigoroso do professor, informado por uma contínua postura meta-analítica, de questionamento intelectual da sua ação, interpretação permanente e realimentação contínua” (Roldão, 2007 p. 102).

O Processo de Bolonha, a criação de um Espaço Europeu de Ensino Superior e todas as transformações ocorridas ao longo dos últimos tempos, tornam imperativa uma reflexão acerca da educação e do currículo em Enfermagem.

O currículo é entendido hoje como um processo de construção, gestão e formação reflexiva centrado na escola. “A aprendizagem daquilo que se considera necessário que a escola proporcione a todos” (Roldão, 1999 p. 29).

Um “conjunto de processos de seleção, organização, construção e reconstruções culturais (…), ou seja, como tudo o que existe enquanto plano e prescrição e tudo o que ocorre num dado contexto e numa situação real de educação escolar (…) Pensamos o currículo nas relações que se estabelecem entre os diferentes atores, experiências e saberes, nos valores e crenças dos protagonistas da ação, nos papéis atribuídos aos diferentes sujeitos e nos que por eles são assumidos nas diversas dinâmicas, bem como na sua dimensão de intervenção e reconstrução social” (Leite, 2002 pp. 89-90).

De acordo com a autora “privilegiamos conceções e teorias que olham o currículo, na sua globalidade, intimamente relacionado com uma política educativa e cultural e como algo dinâmico e específico de contextos construídos por um coletivo de atores em situações reais” (idem, 2002 p.51).

Salientamos a Teoria Crítica do Currículo que se distancia da Teoria Técnica, embora admitindo algumas aproximações à Teoria Prática, distinguindo-se da anterior sobretudo pelo “conceito de práxis inerente ao interesse cognitivo crítico e que é constituído pela ação e reflexão” (Pacheco, 2001 p. 41).

“Quanto aos professores, esta corrente, e uma vez que se orienta por princípios de emancipação política e de intervenção na sociedade, perceciona-os como profissionais reflexivos que partem da compreensão dos contextos onde se situam e onde o ensino tem lugar para levarem a cabo práticas facilitadoras do desenvolvimento autónomo, libertador e crítico daqueles a quem ensinam. Partindo de uma relação de equilíbrio entre necessidades sociais e necessidades individuais, os professores assumem nesta postura (…) o papel de agentes educativos que contribuem para o desenvolvimento de cada pessoa, através de uma formação que privilegia o contexto social” (Leite, 2002 p. 78).

Segundo Amendoeira (2004) para a “construção social do currículo de forma integrada” torna-se fundamental questionar dois aspetos. O primeiro relacionado com o seu conteúdo e o que falta nele e o segundo relacionado com a sua forma, que nos revela como o mesmo é construído. “A construção social do currículo em enfermagem, necessita ser estudada a partir de categorias que clarifiquem os contornos dessa mesma construção e de que se isolam: a tipologia dos saberes; os diferentes modelos / esquemas de formação; os participantes na construção curricular; e os níveis, os diplomas / graus atribuídos”. (Amendoeira, 2004 p. 33).

Em relação ao conteúdo do currículo importa questionar: (1) Que referenciais

diretrizes e recomendações (nacionais e internacionais) para a formação inicial em