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Ornamentação cerâmica complementar à azulejaria de fachada

2. Enquadramento teórico

2.3 Ornamentação cerâmica complementar à azulejaria de fachada

Para além do revestimento azulejar muitas fachadas ostentam outro tipo de artefactos cerâmicos complementares150, já mencionados, tais como estátuas, vasos, urnas, pinhas, globos, balaustradas e florões cerâmicos que, paralelamente à utilização das cantarias lavradas e do ferro forjado, complementam e decoram os edifícios particulares e públicos que constituem a malha urbana de muitas cidades do país. No entanto nem sempre o revestimento azulejar coexistiu com a outra ornamentação cerâmica, isto porque certa tipologia de imóveis se coaduna, com a aplicação deste tipo de artefactos e não com o revestimento em azulejos151. A utilização destes artefactos cerâmicos sendo já frequente no Antigo Regime152, em igrejas e palácios, quase sempre resguardada dos olhares públicos (como sucedia no Palácio de Queluz) foi posterior à azulejaria de fachada. Tal como o azulejo (Fig. 29) este tipo de ornatos começou por ser aplicado primeiramente, em jardins privados, tanques, fontes, canais, ou seja, em espaços exteriores, em correlação mútua, animando superfícies, unificando espaços como sejam varandas, galerias e fazendo a transição para escadas e terraços.

[Fig. 29 – Palácio Nacional de Queluz| vista panorâmica do Canal dos Azulejos| séc. XVIII]

A utilização da estatuária e de outros artefactos cerâmicos como remate, aplicado no coroamento de edifícios, procurava a aproximação a uma arquitectura de inspiração na Antiguidade Clássica, concretamente,

150 Vide Ana Margarida Portela DOMINGUES, A ornamentação cerâmica na

arquitectura do Romantismo em Portugal, (…), 2009, p. 1, refere que “ (…) A ornamentação cerâmica na arquitectura é geralmente associada à azulejaria, quando pode ir muito além desta forma de arte, dependendo das épocas. (…)”

151

Muitas fachadas, para além do revestimento azulejar, ostentam outro tipo de artefactos cerâmicos complementares, tais como estátuas, vasos, urnas, pinhas, globos, balaustradas e florões cerâmicos. Em Portugal, as estátuas e vasos tanto poderiam ser aplicados em fachadas como em jardins, embora subsistindo esta utilização, e sendo a pedra, o material em que eram muitas vezes fabricados.

152

Vide Ana Margarida Portela DOMINGUES, A ornamentação cerâmica na arquitectura do Romantismo em Portugal. (…), 2009, p. 148.

nos modelos do imperialismo romano, lavrados em mármore, (Fig. 30, 31) em que a aplicação de estatuária alegórica no coroamento de fachadas ou em praças públicas era muito comum, mas acabando, ao longo dos tempos, por cair em desuso pelo seu carácter elitista e oneroso, não sendo acessível a todos nem a todas as cidades.

Os modelos clássicos eram a fonte de inspiração de quase todos os vasos, urnas, balaustradas e estátuas executados para jardins de aparato e remate de fachadas posteriores, que não à face da rua, dos finais do século XVIII, inícios do XIX (Fig. 32).

[Fig. 29 – Palácio Nacional de Queluz| fachada sul do Pavilhão Robillion |estátuas no coroamento do edifício |jardim com balaustradas, vasos e estátuas]

[Fig. 30– Palácio Nacional de Queluz| esfinge em pedra mármore |séc. XVIII]

[Fig. 31 – Palácio Nacional de Queluz| aspecto geral do Jardim de Malta] [Fig. 32 – Palácio Nacional de Queluz| aspecto geral da Escadaria Robillion ou Escadaria dos Leões |vasos no remate do edifício na escadaria e jardim]

[Fig. 33 – Palácio Nacional de Queluz| aspecto geral da Escadaria Robillion ou Escadaria dos Leões |vasos no remate do edifício na escadaria e jardim] Em Portugal as estátuas e vasos aplicados quer em fachadas quer em jardins (Fig. 33), eram fabricados principalmente em pedra, existindo poucos exemplares em cerâmica, sendo estes geralmente criados para preencherem nichos, na frontaria de algumas igrejas e não como remate. Entre nós terá sido a Real Fábrica de Louça do Rato, a primeira a fabricar este tipo de peças em material cerâmico. Eram em faiança geralmente desprovidas de cor, vidradas a branco, de aspecto sedutor, pose clássica e elegante, acompanhadas dos seus atributos, assentes sobre pedestais ou peanhas, e destinadas a determinados locais do jardim, colocadas sobre estruturas arquitectónicas executadas para o efeito ou sobre chafarizes ou espelhos de água. Os bustos de menores dimensões eram colocados em nichos, sendo que alguns, assim como estátuas de menores dimensões, já seriam utilizados na decoração do interior da casa153.

153

Vide Ana Margarida Portela DOMINGUES, A ornamentação cerâmica na arquitectura do Romantismo em Portugal. (…), 2009, p. 125

Estes artefactos tridimensionais eram produzidos com recurso a moldes e contra-moldes sofrendo posteriormente, em alguns casos, apontamentos de pintura manual, conferindo-lhe uma policromia que realçava as formas e enriquecia o conjunto, no entanto, as peças policromas eram escassas. Estes artefactos em faiança vidrada de branco eram peças decorativas bem aceites pelas elites mas ao alcance de poucos154.

As estátuas alegóricas ou mitológicas em cerâmica foram utilizadas entre nós, no último terço do século XVIII, inicialmente em alguns jardins privados155 de carácter intimista, caso do jardim da Quinta dos Azulejos, cujo traçado, azulejos e restante ornamentação, datam de meados do século XVIII até cerca de 1785156 (Fig. 34, 35). Eram usadas em espaços menos solenes e mais pitorescos, razão pela qual não surgiram, certamente, no remate de fachadas principais, coexistindo em fachadas secundárias e posteriores, com estátuas de pedra157, ganhando estas destaque, pelo material e pelas dimensões. As estátuas pretendiam de um modo geral, transmitir uma mensagem, enquanto a aplicação dos vasos e urnas, dependia muito das características da fachada, função do prédio e da existência ou não de platibanda / balaustrada, sendo que estas terão surgido em prédios urbanos colocados em banda, primeiramente em Lisboa e só alguns anos depois no Porto158, em meados da década de 1850.

[Fig. 34, 35 – Lisboa – Paço do Lumiar | Quinta dos Azulejos| revestimento azulejar alguns vasos cerâmicos policromos e estátuas]

154

Op. Cit., p. 125.

155

IDEM, Ibidem, p. 132.

156

Vide Maria Alexandra Trindade Gago da CÂMARA, Azulejaria do século XVII – Espaço Lúdico e Decoração na Arquitectura Civil de Lisboa, Lisboa, Civilização Editora, 2007, p. 179, a autora refere as três campanhas de revestimento cerâmico que o jardim sofreu, sendo a primeira fase de 1745-50, uma segunda fase de 1750- 1785 de grande variedade estética e a terceira fase de 1760-1785.

157

Vide Ana Margarida Portela DOMINGUES, A ornamentação cerâmica na arquitectura do Romantismo em Portugal. (…), 2009, p. 137.

158

Com o surgir de alguns edifícios públicos sem função de habitação, tais como teatros, academias, bibliotecas, museus, etc., utilizados pelas elites urbanas, este tipo de decoração tornou-se importante para os destacar e caracterizar. Os vasos e urnas começaram a ser utilizados no coroamento das fachadas principais, também por parte de uma classe burguesa endinheirada, no sentido de as nobilitar sem tornar muito dispendiosas, já que este tipo de artefactos cerâmicos conferia maior imponência e requinte às fachadas, podendo a disseminação do seu uso nas periferias, relacionar-se com os “brasileiros de torna-viagem”159, ao contrário do uso do azulejo empregue no revestimento de fachadas. No ambiente cosmopolita finais do século XIX início do XX, esta burguesia endinheirada, adepta de uma arquitectura eclética, não se privou de usar e abusar deste tipo de decoração, também muito utilizada no Brasil, concedendo ao todo arquitectónico, uma simbologia muito própria160.

3. Barreiro (1850-1925) – Nota histórica