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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2. CONTABILIDADE PÚBLICA VERSUS CONTABILIDADE PRIVADA

2.4. Elementos das demonstrações financeiras

2.4.9. Os conceitos de capital e manutenção de capital

O significado da expressão «capital» pode ser diverso, sobretudo se tivermos em conta as diferentes circunstâncias em que pode ser aplicado (Vela Bargues, 1992). De acordo com o IASB (1989), o termo «capital» pode ter duas interpretações: património líquido (capital financeiro) ou capacidade operacional da empresa (capital físico). A adopção de um ou outro conceito depende sempre das necessidades dos utilizadores da informação financeira (Vela Bargues, 1992).

A existência destes conceitos de capital implica os seguintes conceitos de manutenção (IASB, 1989, §102 a 109) que se reflectem nas formas de manutenção do capital:

Manutenção do capital financeiro, segundo este conceito um lucro só é obtido se a

quantia financeira dos activos líquidos no fim do período exceder a quantia financeira dos activos líquidos no início do período, depois de excluídas as variações dos capitais próprios derivados de contribuições e distribuições dos detentores do capital da empresa

durante o período. No caso da contabilidade pública, este conceito reporta-se ao fundo patrimonial de uma entidade pública;

Manutenção do capital físico, o lucro apenas é obtido se a capacidade física produtiva no

fim do período exceder a capacidade física produtiva, depois de excluídas quaisquer distribuições a, e contribuições de, detentores da empresa durante o período.

O conceito de manutenção de capital pressupõe um vínculo com o resultado contabilístico, reflectindo em que medida determinada entidade operou, durante o exercício, de acordo com os seus recursos (AECA, 2001, §346).

Como reconhece Vela Bargues (1992), os conceitos mencionados aparecem a um nível conceptual estritamente relacionado com o objectivo da obtenção de lucro60 que não é o propósito das entidades públicas. A questão reside em sabermos se estes conceitos são aplicáveis às entidades sujeitas à contabilidade pública e, no caso da resposta ser positiva, qual a interpretação que deve ser dada aos mesmos.

Segundo Vela Bargues (1992), a manutenção de capital das entidades públicas não deve ser interpretada em termos dos objectivos a alcançar através da obtenção do lucro, mas sim em função da capacidade contínua que essas entidades revelam na prestação de serviços.

Deste modo, partilhamos da opinião de Vela Bargues (1992) quando afirma que os conceitos de capital e manutenção de capital aplicáveis às empresas necessitam de determinados ajustamentos para tornar possível a sua adequação às entidades sem ânimo lucrativo. Por outro lado, a AECA (2001) também defende uma posição semelhante à de Vela Bargues, e da qual somos igualmente defensores, quando refere no §347 que “A sobrevivência da entidade

económica exige definir o capital - fundos próprios - que a mesma quer conservar, com o fim de assegurar as suas possibilidades de manter o nível de prestação de serviços.”.

Neste contexto, e observada a importância que os conceitos de capital e manutenção de capital revelam ter no âmbito da contabilidade pública, interessa agora, efectuar uma análise interpretativa dos mesmos.

De acordo com a AECA (2001), a manutenção do capital financeiro está associada à estrutura financeira de uma entidade, o que requer uma análise à forma como essa entidade se financia e o conhecimento do seu nível de endividamento e da sua autonomia financeira. Complementarmente, Vela Bargues (1992) propõe que a forma para avaliar a manutenção do capital/fundo patrimonial, do ponto de vista financeiro, consiste na análise dos proveitos e dos custos do exercício. Ou seja, se os proveitos obtidos durante esse período foram suficientes para pagar os serviços prestados durante o mesmo.

Quanto à manutenção do capital físico para as entidades públicas, a AECA (2001, §347) refere que este equivale a “...conservar a capacidade de prestação de serviços segundo a

dimensão real do investimento realizado: o capital é, portanto, os fundos necessários para alcançar e manter uma capacidade operativa da unidade económica, baseada em critérios tais como o nível da prestação de serviços ou qualquer outro similar.”. No tocante a este

conceito, Vela Bargues (1992) considera que o referido capital deve ser considerado em função da capacidade que a entidade tem em prestar serviços. A determinação dessa capacidade corresponderia ao valor dos proveitos obtidos por essa entidade (Vela Bargues, 1992).

Os conceitos de capital e manutenção de capital podem ser medidos pela unidade da moeda constante ou corrente (nominal). A escolha de uma ou de outra medida condicionará os responsáveis pela preparação das demonstrações financeiras na selecção do modelo contabilístico a utilizar para o efeito. Conforme alerta o IASB (1989), os modelos contabilísticos existentes, exibem diferentes graus de relevância e fiabilidade, e tal como sucede noutras áreas, os responsáveis terão de procurar um equilíbrio entre eles. Neste contexto, a escolha do modelo contabilístico a adoptar pelos responsáveis, dependerá das necessidades dos utilizadores da informação financeira, dos objectivos dessa mesma informação e dos graus de relevância e fiabilidade que pretenderão atingir.

Por outro lado, a medida dos conceitos de capital e manutenção de capital não é a única diferença subjacente aos mesmos. Existem diferentes tratamentos atribuídos por cada um desses conceitos aos efeitos das variações dos preços dos activos e passivos detidos61 o que, segundo a AECA (2001), também se verifica na contabilidade pública62. A AECA (2001) acrescenta ainda que, mediante esta situação, na contabilidade pública, deverão ser aplicados os critérios de reconhecimento dos efeitos das variações de preços dos activos e passivos detidos, definidos para as empresas.

No que se refere ao caso português, quer no POC como no POCP e nos planos sectoriais públicos, não encontramos qualquer referência aos conceitos de manutenção de capital. Porém, e seguindo o estipulado pela DC 18, em Portugal, existe uma tendência para aplicar o conceito de manutenção de capital financeiro em unidades monetárias correntes tendo por base de medida o custo histórico. Dado o modelo contabilístico constante do POCP, e dos respectivos planos sectoriais públicos, ter seguido o do POC, podemos concluir que o exposto atrás também se verifica na contabilidade pública.

61 Para obter uma informação mais detalhada a este respeito ver §s108 e 109 do IASB e §71 da SFAC 6 do FASB. 62

No caso português, e na contabilidade pública, a conta 56-«Reservas de reavaliação» reflecte os ajustamentos monetários (nota explicativa da conta, POCP e planos sectoriais públicos).

Em termos conclusivos, assinalamos que, conceptualmente, a aplicação dos conceitos de capital e manutenção de capital, no âmbito da contabilidade pública, devem ser ajustados à estrutura financeira das entidades públicas, bem como à sua capacidade de prestar serviços.