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Os fatores econômicos e políticos para a criação do PMCMV

2.1 Da articulação de escalas espaciais à produção do espaço intraurbano: a criação e

2.1.1 Os fatores econômicos e políticos para a criação do PMCMV

Desde a criação do PMCMV, em 2009, tem sido produzida uma vasta bibliografia com o intuito de verificar e analisar os fatores determinantes e os efeitos do programa, no que concerne às demandas econômicas, sociais e territoriais, como também a estrutura e o desenho do programa. Neste tópico, discutiremos apenas os momentos de criação e implantação do PMCMV, que compreende as estratégias e as práticas dos diversos agentes envolvidos nesses processos, bem como suas escalas de atuação.

As questões discutidas aqui começam com a crise de 2008 ou “crise das hipotecas

subprime”, como é chamada, que se originou no mercado imobiliário estadunidense até então

marcado pela intensa financeirização do setor. De acordo com Bastos (2012, p. 20), entre os diversos efeitos dessa crise, está “a reorganização da propriedade financeira das principais instituições bancárias e de crédito do mundo globalizado”. Harvey (2011) também mostra que, nos EUA (inicialmente), “as perdas dos que estão na base da pirâmide social” foram exorbitantes.

Nesse mesmo período, o Brasil se encontrava num momento de acelerado crescimento econômico, resultante da implantação de medidas criadas pelo governo federal, desde o início dos anos 2000, que impulsionaram diversos setores da economia. Dentre essas medidas, Shimbo (2011) destaca as que provocaram a expansão do setor imobiliário e da

construção civil, como: 1) a aprovação da Lei Nº 10.931/2004, conhecida como Lei do Patrimônio de Afetação, que constituía um mecanismo de proteção aos financiamentos concedidos pelo capital financeiro, já que impedia a prática de livre ação dos capitais de origem imobiliária e minimizava os impactos de inadimplência dos mutuários; 2) ainda em 2004, a resolução nº 3.259, do Conselho Monetário Nacional, cujo objetivo foi de buscar segurança jurídica e ampliar recursos financeiros ao mercado privado, permitindo a liberação de recursos da Caderneta de Poupança (SBPE) até então retidos no Banco Central; 3) o anúncio de um pacote de medidas em 2006, com destaque para a flexibilização do uso da Taxa Referencial (TR), com a Lei nº 11.734, que permitia a utilização de taxas de juros prefixadas no SFH nos financiamentos imobiliários, o que corresponde a valores de parcelas fixos ou decrescentes; 4) a ampliação do volume de crédito ofertado às incorporadoras pela CEF, o aumento do percentual do financiamento do custo total das obras e a inclusão de novos insumos da construção civil na lista de desoneração fiscal; 5) o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007, com a previsão de investimentos de R$ 106,3 bilhões entre 2007 e 2010.

Essas medidas proporcionaram um aumento significativo na utilização de recursos privados e públicos na produção habitacional, que, segundo Bonduki (2009), provocou uma elevação no investimento em habitação de R$ 2,2 bilhões para 27 R$ bilhões, entre 2002 e 2008, isso só pelo SBPE, sem falar no aumento expressivo, principalmente a partir de 2005, dos recursos advindos do Orçamento Geral da União (OGU) e do FGTS, também destinados à habitação. Assim, com mais possibilidades de captar recursos e com instrumentos jurídicos que davam mais segurança aos investimentos, o mercado imobiliário e o setor da construção civil estreitaram relações com o capital financeiro, fato que se concretizou quando foi anunciada a abertura de capital de alguns grupos empresariais nacionais na bolsa de valores (Bovespa). Essas condições, somadas, ainda, à estabilidade econômica do país, atraíram massivos investimentos internacionais para esse mercado. o Bastos (2008) assevera que outro efeito foi o aumento considerável no número de postos de trabalho no mercado formal, o que ocasionou mais arrecadação do FGTS e, consequentemente, aumentou o volume de recursos destinados ao crédito habitacional.

Ressalte-se, contudo, que, com a crise de 2008, vieram incertezas em relação à economia do Brasil e uma paralisia no mercado, então, não foi diferente com o mercado imobiliário e com o setor da construção civil. Para Bonduki (2009, p. 11), “a situação pareceu fugir ao controle, com baixa acentuada das ações das empresas na bolsa de valores, com

impactos nas atividades do setor, que sofreu forte queda”. Sobre os efeitos da crise em nível mundial Harvey (2011) afirma que

[...] as respostas das populações e das autoridades do Estado variaram bastante de um país para o outro de acordo com a profundidade e a natureza do problema local, as predileções ideológicas, as interpretações dominantes sobre as causas primárias, os arranjos institucionais [...] os costumes (com relação à poupança pessoal, por exemplo) e a disponibilidades de recursos locais (excedentes orçamentais, em particular) para lidar com os impactos locais. (HARVEY, 2011, p. 118).

No caso do Brasil, Cardoso e Aragão (2011, p. 88) mostram que, para retrair os efeitos da crise, o Governo Federal adotou as seguintes medidas: expandiu o crédito pelos bancos públicos (Banco do Brasil, BNDS e Caixa Econômica) para compensar a retração do setor privado; apoiou os setores que estavam sofrendo efeitos diretos da crise; mobilizou a Petrobras no sentido de que também mantivesse os investimentos previstos e deu continuidade aos investimentos em infraestrutura previstos no âmbito do PAC. Devido a essa reação por parte do governo federal, tem sido consenso, na literatura, que o PMCMV, criado inicialmente como medida provisória e depois estabelecido através da Lei 11.977/2009, constituiu-se como uma medida nessa mesma linha, objetivando lidar com os efeitos da crise de 2008. Ainda de acordo com Cardoso e Aragão (2011, p. 88), “o programa buscou claramente impactar a economia, ampliando o volume de crédito e de subsídios para a aquisição e produção de moradias”, através dos efeitos multiplicadores gerados pela indústria da construção. Nessa perspectiva, Rolnik e Nakano (2009) discorrem que essa estratégia de mobilizar investimentos públicos, especialmente em áreas de uso intensivo e mobilização de mão de obra rápida, “tem sido uma das clássicas soluções Keynesianas para momentos de crise”. Segundo esses autores,

[...] estimular a produção de moradias, [nesse] contexto, parece ser bastante atraente, pois dinamiza a indústria, gera empregos e se enfrenta uma questão candente na sociedade brasileira: a absoluta precariedade que caracteriza a moradia da maior parte da população que vive nas favelas e periferias do país. Será?(ROLNIK e NAKANO, 2009, p. 01, Grifo nosso).

Os próprios autores respondem ao questionamento que fazem ao afirmar que, no PMCMV, “há algumas armadilhas e falácias”. Para averiguar essa assertiva, vejamos o que vem acontecendo no Brasil pós-2008, particularmente com o referido programa. O Programa estabeleceu um patamar de subsídio direto proporcional à renda da família; aumentou o volume de crédito, tanto para aquisição como para produção das habitações; reduziu os juros dos financiamentos e assegurou recursos para o pagamento das prestações, em caso de inadimplência por desemprego ou outras adversidades, através do Fundo Garantidor da Habitação. Desde sua criação (em 2009), contratou 3,2 milhões de moradias (o que corresponde a 49,2% do déficit nacional em 2010), das quais 1,5 milhão foi entregue, com investimentos no valor de R$ 193 bilhões34. Desse modo, o PMCMV avançou consideravelmente em relação à antiga política do BNH, no que diz respeito à mobilização de recursos para subsídios e crédito habitacional, já que, em 15 anos de existência, o banco financiou apenas 4,3 milhões de unidades habitacionais frente a um déficit, que entre as décadas de 1960 e 1970, foi estimado em oito milhões de unidades habitacionais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC - 1974) citados por Cláudio Santos (1999)35. Além disso, no âmbito social do Programa, houve avanços importantes. Em sua redação final, ele priorizou os municípios que adotassem a desoneração tributária para a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) e os instrumentos do Estatuto das Cidades, para conter a especulação imobiliária, e incluiu um capítulo inteiro sobre Regularização Fundiária36.

No entanto, diante dessa realidade, é preciso trazer alguns contrapontos ao debate para aprofundarmos a discussão. Alguns autores como Rolnik e Nakano (2009), Cardoso e Aragão (2011), Shimbo (2011) e Campos (2011), entre outros, alertam para o fato de que o PMCMV foi desenhado com base em uma lógica e uma racionalidade totalmente empresarial - de só produzir e comercializar casas; de que o Programa não só foi criado para como também pelo setor imobiliário, e que o volume de recursos mobilizados, ao garantir um mercado consumidor sólido e seguro, ampliou a demanda por terra, elevou os preços imobiliários e provocou, posteriormente, o aumento do teto dos financiamentos, como foi

34Dados obtidos no site do Ministério das Cidades, 2014.

35É importante trazermos o alerta de Andrade e Azevedo (1982) de que as estimativas do déficit habitacional desse período eram bastante contraditórias, já que os documentos oficiais não utilizavam uma metodologia constante. Assim, uns consideravam o problema da habitação rural, outros, não. Para termos noção do que isso representava, basta lembrar que, enquanto o Instituto Brasileiro de Habitação estimava o déficit em 3,6 milhões de habitações, em 1950 (governo de Jânio Quadros), o IBMEC estimava esse déficit em oito milhões, entre 1960 e 1970. Isso poderia ou não representar um grande aumento do déficit, dependendo de qual metodologia foi utilizada para o levantamento dos dados.

anunciado em 2012 pelo Conselho Curador do FGTS e como podemos observar no quadro 01, a seguir. Observando os dados, podemos perceber que o percentual de acréscimo sobre os valores iniciais dos financiamentos é bem expressivo, tendo em vista que esse acréscimo ocorreu em apenas três anos depois da criação do PMCMV, ou seja, de 2009 a 2012.

Quadro 01: Aumento do teto para financiamento de imóveis pelo PMCMV em 2012 Localização e/ou porte

dos municípios

Valor anterior ao

aumento (R$) Valor posterior ao aumento (R$) % de acréscimo no valor do financiamento Região metropolitana

de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo

170.000 190.000 11,8

Municípios com mais de 1 milhão de hab. e

demais capitais

150.000 170.000 13,3

Municípios com mais de 250 mil hab.

130.000 145.000 11,5

Municípios com mais de 50 mil hab.

100.000 115.000 15,0

Demais localidades 80.000 90.000 12,5

Fonte: <http://www2.planalto.gov.br/imprensa/noticias-de-governo>. Acesso em: 30/01/2014.

Elaboração própria.

Aqui chegamos, portanto, à questão-chave dos problemas que rondam a atual política habitacional, representada pelo PMCMV – a terra. Sabemos que as diferenças de renda se traduzem no acesso desigual às infraestruturas e à terra urbana disponível e que esse tem sido um grande entrave para se garantir o direito à moradia no Brasil. Assim, para as famílias de menor ou nenhuma renda, o sonho da casa própria, mais ainda, de uma moradia digna, é realmente um sonho. Sobre isso, Singer (1982, p. 33) afirma que

[...] a propriedade privada do solo faz com que a posse de uma renda monetária seja requisito indispensável à ocupação do espaço urbano. Mas o funcionamento normal da economia capitalista não assegura o mínimo de renda a todos. Antes, pelo contrário, esse funcionamento tende a manter uma parte da força de trabalho em reserva, o que significa que uma parte correspondente da população não tem meios para pagar pelo direito de ocupar um pedaço do solo urbano.

Podemos, então, inferir que a implantação de um programa baseado na lógica do capital imobiliário está longe de atender concretamente às demandas sociais. A grande prova é de que da mesma forma como o BNH financiou a construção de habitações e obras de urbanização, totalmente dissociada de uma política fundiária, tem ocorrido com o PMCMV, e os efeitos socioespaciais e territoriais de uma ação como essa nós já visualizamos no capítulo anterior. A grande diferença é de que, agora, o avanço voraz da especulação imobiliária e seus efeitos socioespaciais não têm acontecido somente nas metrópoles e nos grandes centros, mas também nas cidades médias e de menor porte.

Já discutimos sobre como os grandes conjuntos habitacionais financiados pelo BNH e as obras de urbanização eram construídos, prioritariamente, nas metrópoles, nas grandes cidades e nas capitais estaduais e de forma inexpressiva nos centros de menor porte. Nesse contexto, o agente promotor dos projetos era o Estado, portanto, era ele quem decidia em quais cidades seriam aprovados e implantados os projetos. Aos agentes imobiliários cabia somente executar as obras dos conjuntos habitacionais, e sua dinâmica de investimentos restringia-se às capitais e às regiões metropolitanas.

Percebemos que o padrão de localização desses empreendimentos, em nível nacional, vem se modificando e tendo expressividade também nos espaços não metropolitanos, pelo fato de terem o setor privado como agente promotor e, portanto, serem regidos pelos mecanismos de mercado que, ao buscar áreas onde haja terra abundante, a preços mais baixos e com baixa concorrência, visualiza, em outros espaços, como as cidades médias, a oportunidade perfeita para realizar seus investimentos e obter vastos lucros com rápido retorno obtidos através dos financiamentos habitacionais.

Nessa perspectiva, observa-se a cidade de Patos, que, ao mesmo tempo em que tem sido alvo de muitos Programas do Governo Federal, principalmente a partir de 2008, tem se caracterizado por ter um mercado imobiliário cada vez mais dinâmico e promissor para os agentes que nele investem. Assim, entendemos que esse pode ser um dos rebatimentos espaciais da associação entre o Estado e o capital de que trata Corrêa (1989), tanto em escala nacional como local, o que nos remete também à afirmação de Lefebvre (2008) de que o espaço é político e estratégico, por isso é necessária uma análise crítica para entendermos como e de acordo com qual estratégia determinado espaço foi produzido.