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Política e Planejamento Urbano na cidade de Patos – PB

1.2 A questão da habitação no Brasil: as estratégias e o papel do Estado

1.2.2 Política e Planejamento Urbano na cidade de Patos – PB

Na década de 1970, o crescimento econômico da cidade de Patos foi impulsionado pelo comércio e pela indústria (CAVALCANTE, 2008). A leitura e a análise dos Projetos de Lei Municipal elaborados pelo Executivo, nos governos desse período, mostraram-nos que houve uma intensa busca pelo governo municipal para a obtenção de recursos em todas as instâncias de governo, tanto estaduais, quanto federais, com o objetivo de investir em obras de urbanização voltadas para a infraestrutura, o sistema de transportes e outros serviços urbanos. A seguir, detalharemos os recursos obtidos e/ou pretendidos, bem como as respectivas obras que iriam custear11:

- As taxas municipais, que foram destinadas aos gastos referentes à indenização do proprietário de uma casa de taipa, localizada na Rua Horácio Nóbrega, e ao crédito suplementar, destinado aos Departamentos de Finanças, de Educação e Cultura, à Câmara Municipal e ao Serviço Municipal de Estradas para obras de calçamento12 (esse crédito

também teve como fonte de recurso o Fundo Rodoviário Nacional - FRN e o Imposto de Circulação de Mercadorias - ICM);

- o Imposto de Circulação de Mercadoria – ICM, que foi destinado para os custos com a obtenção de empréstimo com o Banco do Estado da Paraíba S/A; para a construção de uma estação rodoviária; para abrir crédito suplementar e especial destinado à construção de calçamento e galerias de diversas ruas e crédito especial para a edificação do Centro Social Urbano – CSU, localizado no Bairro do Jatobá;

- do Departamento de Estradas e Rodagem, que destinou verbas para a construção de faixas de rodovia que, fazendo o contorno na cidade pelo Bairro da Vitória, liga à BR 230 no sentido leste-norte;

- o Fundo de Participação dos Municípios – FPM, cujos recursos se destinaram ao custeio dos serviços técnicos contratados para elaboração do Plano Diretor do Município

11Projetos de nº: 18/70; 29/70; 07/71 (Lei 934/71); 21/71 (LEI 948/71); 31/71 (LEI 958/71); 32/71 (LEI 959/71); 32/71 (LEI 959/71); 36/71 (LEI 963/71); 39/71 (LEI 969/71); 43/71 (LEI 970/71); 32/72 (LEI 999/72); 40/72; 03/73; 11/73; 12/73; 25/73; 31/73; 36/73; 44/73; 17/74; 20/74; 21/74; 24/74; 08/75; 09/76; 03/77; anteprojeto 004 /77; 09/77; 19/77; 24/77 (que institui o Plano de Organização do Espaço Urbano da cidade de Patos); 90/78; 03 /79 – C; 04 /79 – C.

12As obras que foram custeadas por mais de um recurso serão mencionadas no texto apenas uma vez para evitar repetições.

(1970); a construção de três lavanderias nos Bairros do Monte Castelo, Vila Cavalcante e Juá Doce (tendo recursos também do ICM); a construção de um cemitério localizado na Vila Cavalcante (obra que também teve recursos das taxas municipais e do ICM); a obtenção de empréstimo com o Banco do Nordeste do Brasil S/A para complementação de recursos para a construção da rede de distribuição de energia elétrica na cidade; obtenção de crédito suplementar destinado ao Departamento de Urbanismo, Viação e Obras e ao Serviço Municipal de Estradas (também com recursos do FRN), crédito suplementar para a construção de calçamentos e galerias de diversas ruas (também com recursos do ICM, através de excesso de arrecadação) e, por último, a obtenção de empréstimo com o Banco do Nordeste de Brasil, tendo em vista a construção de um mercado modelo e uma ponte que ligaria a cidade ao Bairro São Sebastião (que contaria com recursos do FRN e, em caso de necessidade, também do ICM);

- o Fundo Rodoviário Nacional, que proporcionou a restauração e a pavimentação do calçamento da Rua Horácio Nóbrega, que liga o centro da cidade à BR 230; forneceu crédito suplementar ao Departamento de Urbanismo, Viação e Obras e ao Serviço Municipal de Estradas, além de outras obras mencionadas antes, que também receberam verbas desse recurso.

Além desses, outros projetos de Lei mencionavam obras a serem realizadas, mas não especificavam de onde vinham os fundos. Contudo, dispunham desses recursos, baseando-se em dispositivos do Artigo 43 da Lei 4.320 de 196413, em que se admitia a anulação de algumas dotações orçamentárias e/ou permitia o uso de fundos oriundos do excesso de arrecadação tributária. Nesse caso, foram disponibilizados créditos suplementares e especiais para a construção de calçamento, galerias, ampliação e instalações do Gabinete do Prefeito e dos Departamentos de Educação e Cultura e Urbanismo, Viação e Obras; bolsas de estudo; equipamentos e instalações para iluminação elevada; reforço de dotação orçamentária; complementação de verba do Ministério da Educação e Cultura – MEC – para a construção de cinco grupos escolares e para a realização de serviços urbanos; construção do canal do Bairro da Palmeira; serviços técnicos de elaboração e implantação do cadastro imobiliário do município; complementação de recursos da SUPLAN/CAGEPA para a implantação de abastecimento de água em Santa Gertrudes (distrito de Patos) e, posteriormente, do Bairro do Morro, bem como a construção de um hipódromo.

É importante enfatizar que esses recursos e projetos propostos para a cidade de Patos, nos anos de 1970, estavam inseridos na “onda” do planejamento urbano pela qual passava o Brasil, sob a influência da conjuntura política e do acelerado processo de urbanização que se alastrava por todo o país, além de atender às expectativas geradas pelo II PND, implantado nesse mesmo período. Segundo Deák (1999), da mesma forma como se pensara na criação de grandes planos de desenvolvimento integrado para o Plano Decenal14, também o foi para todas as cidades brasileiras, exceto para as poucas que ficavam à margem do processo de urbanização. Tais planos abarcavam “todos os aspectos possíveis e imagináveis da vida das cidades, desde obras de infraestrutura física até a renovação e o desenho urbanos, ordenação legal do uso do solo e da paisagem urbana”, bem como o fornecimento de serviços “tão pouco espacial-específicos quanto saúde e educação pública” (DEÁK, 1999, p. 13). Podemos constatar esse fato com as propostas de obras na cidade de Patos, contidas nos Projetos de Lei que mencionamos anteriormente.

É importante destacar que essa grande quantidade de projetos, elaborados nesse período, resultou dos estímulos governamentais que eram feitos para que se promovesse o planejamento urbano em nível local. Deák (1999, p. 13) assevera que esse estímulo se manifestava de várias formas. Assim, apesar de as cidades não serem obrigadas por lei a ter seu plano de desenvolvimento, como passaram a ser a partir da Constituição de 1988, “certamente não poderiam esperar obter financiamento para obras de infraestrutura se não o tivessem”. Nesse contexto, a Prefeitura Municipal de Patos contratou os serviços técnicos de uma firma, a PROVESP 15, para elaborar o Plano Diretor do município; instituiu o sistema tributário da cidade; contratou os serviços técnicos para a elaboração e a implantação do seu cadastro imobiliário e m instituiu o Plano de Organização do Espaço Urbano da cidade. Foi com o objetivo de estimular esse tipo de iniciativa que vários programas, como o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), passaram a oferecer „fundos‟ para a urbanização na forma de crédito subsidiado. Foram criados também vários órgãos, em nível ministerial, em que o Serviço Federal da Habitação e Urbanismo (Serfhau) estava à frente para administrar os recursos alocados à atividade, bem como prestar assessoria às cidades menores, “cujos governos locais não saberiam nem o que exatamente era um „plano urbanístico‟, muito menos tinham condições de conhecer os meandros entre os fundos disponíveis e os escritórios especializados que por eles fariam os planos” (DEÁK, 1999, p. 13).

14 Ver Pereira et. al. (1967) em “Estudos básicos para a definição de polos de desenvolvimento no Brasil”. 15 No documento analisado, não é mencionado o nome da empresa, mas apenas sua sigla.

Sabemos, no entanto, que tanto a SERFHAU quanto o Planasa eram subjugados pela política centralizadora do BNH. No que diz respeito à vasta quantidade de planos elaborados pelos governos locais, para atender à demanda do planejamento urbano, Deák (1999) afirma que poucos deles foram efetivamente implantados. Nesta pesquisa, não dispomos de nenhuma fonte documental que confirme se todas as obras propostas para a cidade de Patos foram realizadas efetivamente. Contudo, sabemos que as que se concretizaram não só foram responsáveis pela expansão de algumas áreas da cidade como também atraíram um contingente populacional, seja como mão de obra seja como consumidor dos serviços que, a partir de então, a cidade passou a ofertar.

Outro fato importante para destacar é que esses projetos elaborados na cidade de Patos refletiam o caráter setorialista que a Política Urbana tinha assumido em nível nacional. Ao se referir à política urbana que se desenvolvia no país e que tinha esses efeitos locais, Souza (1999) afirma que essa visão setorialista não proporcionava o desenvolvimento da totalidade do território brasileiro, visto que caminhava no sentido estrito de “não prejudicar” os interesses dos setores econômicos hegemônicos, ou seja, das regiões metropolitanas, principalmente as do Sul e do Sudeste, já que propiciava a ação de distintos grupos de interesse, principalmente do setor privado. Em escala local, supomos que, para o setor privado, os efeitos foram positivos, na medida em que observamos a constante menção aos Projetos de Lei analisados para recursos oriundos de excesso de arrecadação tributária, diferentemente dos projetos das décadas posteriores, quando era constante a referência às dificuldades de obter recursos através de arrecadação, por causa da inflação que assolava a economia e que atingia, de forma mais severa, as cidades menores.

Nessa perspectiva, quais eram as consequências da produção do espaço intraurbano? Santos (1985, p. 76) afirma que determinada decisão de arruamento, por exemplo, pode levar a uma separação entre pessoas e entre elas e os equipamentos na cidade, criando uma espécie de segregação socioeconômica, cuja reprodução “supõe uma ação especulativa assim estimulada, mesmo que involuntariamente, pelo poder público”. Segundo o autor, o Estado passa a presidir, até em escala local, um aspecto da lógica capitalista que leva à reprodução cumulativa das diferenças.

Sabemos que é assim que se dá a produção do espaço no modo de produção capitalista. Não por acaso, discutimos anteriormente sobre como a busca pelo crescimento econômico do país orientou as políticas de desenvolvimento regional e urbano no Brasil. No caso da produção da cidade, não seria diferente. É fato que a atuação do Estado, em suas diversas instâncias, ocorre dialeticamente, ou seja, agindo para atenuar os problemas sociais e,

ao mesmo tempo, reproduzindo-os, visto que também atende aos interesses de acumulação e reprodução do capital. Singer (1982) mostra que o Estado, que é responsável pelo fornecimento de boa parte dos serviços urbanos, essenciais tantos às empresas quanto aos moradores, exerce importante papel na determinação das demandas pelo uso de cada área específica do solo urbano e, portanto, do seu preço. E sempre que o poder público dota uma zona da cidade de serviços públicos, ele atrai demandas específicas de empresas e moradores para essa área que, até então, não se dirigiam para ela e que possam pagar um valor maior adquirido pelo solo com a implantação dos serviços.

Ao analisar as implicações do acelerado processo de urbanização, da explosão demográfica e da terceirização, nas cidades brasileiras, na segunda metade do Século XX, Santos (1993, p. 09) alerta para os problemas oriundos do “modelo geográfico de crescimento espraiado”, adotado não só pelas grandes cidades, mas também pelas cidades intermediárias e locais. Esse modelo, segundo o autor supracitado, é causa e é efeito da especulação favorecida pela atuação do Estado descrita por Singer (1982). Assim, como nas demais cidades brasileiras, em Patos também se adota esse mesmo modelo geográfico de crescimento.