• Nenhum resultado encontrado

Com a recessão econômica, a inflação, a elevação dos índices de desemprego e a queda dos níveis salariais que marcaram as décadas de 1980, principalmente a de 1990, houve uma redução na capacidade de financiamentos habitacionais, uma interrupção das políticas públicas federais por parte do governo federal e uma diminuição de investimentos do mercado. Foi nesse contexto e nessa conjuntura política e econômica em que o Ministério de Habitação e Desenvolvimento Urbano – MHU - decidiu não dar mais continuidade aos Programas voltados para as cidades de porte médio e em que o BNH foi extinto (em 1986). As atribuições do BNH foram transferidas para a Caixa Econômica Federal (CEF), sobretudo no que diz respeito ao que Carrion (1990) chama de “segmento popular do mercado”. A partir de então, seguiu uma maratona de reformulações nos órgãos responsáveis pela questão urbana e habitacional que não obteve êxito.

Considerando a contextualização feita por Cláudio Santos (1999) e Bonduki (2008), podemos dividir em três momentos o período que se estende do fim do BNH à reestruturação de uma política de habitação em nível nacional, a saber:

a) O primeiro momento (1986-1989) foi marcado pela progressiva transferência de

atribuições do governo federal para os estados e os municípios, cujas ações ocorreram através de programas habitacionais com fontes alternativas, particularmente os recursos orçamentários, embora ainda houvesse empreendimentos de programas por parte do governo federal. Nesse período, segundo Santos (1999), destacou-se o Programa Nacional de Mutirões Comunitários;

b) O segundo momento (1990-1994) foi marcado por dois governos: o de Collor, em

que houve a desvinculação dos programas habitacionais com os programas de saneamento e desenvolvimento urbano (relação essa que já era bastante frágil), bem como acusações de corrupção na gestão dos recursos destinados a esse programa, e o de Itamar Franco, em que os programas de habitação popular foram “redesenhados e passaram a exigir a participação de conselhos com participação comunitária dos governos locais e uma contrapartida financeira desses últimos aos investimentos da União” (SANTOS, 1999, p. 21). Nesse contexto, destacam-se os programas Habitar-Brasil e o Morar-Município;

c) O terceiro e último momento (1995-2003) foi o do governo de Fernando Henrique

Cardoso, em que ocorreu uma retomada dos financiamentos, com base nos recursos do FGTS para habitação e saneamento. Também foram criados os programas Carta de Crédito, Pró- moradia (que permaneceram no início do governo Lula) e o Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Contudo, Bonduki (2008) afirma que se manteve, ou até mesmo se acentuou a característica de privilegiar as camadas de renda média ao mostrar que, em todo o período do governo FHC, 78,84% do total de recursos foram destinados às famílias com renda superior a cinco salários mínimos, e apenas 8,47% foram destinados à população de baixíssima renda, parcela em que se concentra a maior parte da demanda habitacional.

Com efeito, o quadro econômico que marcou o país, nesses três períodos, dificultava a disponibilidade de recursos por parte do governo federal para as demais esferas de poder. Por isso, os municípios com uma baixa arrecadação tributária e poucas fontes alternativas de recursos, como era o caso de Patos, tinham chances mínimas de dar continuidade a uma política de habitação e/ou de obras de urbanização. Apesar das críticas que muitos, principalmente pesquisadores do tema, fizeram ao BNH, Bonduki (2008, p. 75) reconhece que,

[...] com o fim do BNH, perdeu-se uma estrutura de caráter nacional que, mal ou bem, tinha acumulado enorme experiência na área, formado técnicos e financiado a maior produção habitacional da história do país. [...] Na redemocratização, ao invés de uma transformação, ocorreu um esvaziamento e pode-se dizer que deixou propriamente de existir uma política nacional de habitação. Entre a extinção do BNH (1986) [...] e a criação do Ministério das Cidades (2003), o setor do governo federal responsável pela gestão da política habitacional esteve subordinado a sete ministérios ou estruturas administrativas diferentes, caracterizando descontinuidade e ausência de estratégia para enfrentar o problema.

No caso da cidade de Patos, no pós-BNH, quase não existiram obras de urbanização e habitação advindas da iniciativa do governo do município que fossem realizadas efetivamente na cidade. Com o seu crescimento populacional, principalmente a população urbana, e com a rápida expansão de sua malha urbana, os problemas relacionados à habitação e à infraestrutura se agravaram ainda mais, como podemos observar em inúmeras justificativas de Projetos de Lei, que foram elaboradas na época, na tentativa de conseguir empréstimos para a realização de algumas poucas obras. Em uma dessas justificativas, constava o seguinte texto:

[...] a nossa cidade a exemplo do que ocorre com a quase totalidade das cidades brasileiras, se ressente da carência de imóveis residenciais, problema que se agrava a cada dia, em decorrência, principalmente, do grande êxodo rural causado pela falta de assistência aos agricultores, os quais, se veem forçados a fugir para a cidade, aumentando ainda mais o grave problema social já existente pela falta de moradia. Os nossos governantes, tanto na esfera federal quanto na estadual, pouco têm feito para minorar esse grave problema. (trecho de mensagem anexada ao anteprojeto nº 42/ 90, assinada pela prefeita Geralda Freire Medeiros).

Em nível do governo estadual, houve apenas as iniciativas de construir os Conjuntos Nova Conquista, através da FAC; Vila Mariana, através da CEHAP, além dos financiamentos de casas pelo Instituto de Previdência do Estado da Paraíba – IPEP. Porém, em decorrência da crescente demanda, da ausência de recursos advindos da União e de programas de iniciativa municipal, restava à população de mais baixa renda ocupar ilegalmente a periferia da cidade, que dispunha de terrenos que, até então, não se encontravam como “bancos de reserva” para a especulação imobiliária. Assim, surgiram e cresceram ocupações nas imediações dos conjuntos habitacionais já construídos, como foi o caso da “Vila Teimosa” (localizada ao lado

do Conjunto Bivar Olinto, construído em 1982), que recebeu esse nome exatamente por todo o processo de ocupação e pelos conflitos que ocorreram32; as habitações construídas ao lado do “Mutirão” (Conj. Nova Conquista) e as ocupações em áreas ainda mais distantes, como o Alto da Tubiba, Sete Casas, “Placas”, nas imediações do Matadouro Municipal, no “Morro”, entre outras áreas.

Analisando os Projetos de Lei desse período, observamos que, exceto as obras realizadas de forma pontual, a maioria das áreas onde se localizavam esses conjuntos e essas ocupações atravessou toda a década de 1990, enfrentando sérios problemas referentes à ausência de infraestrutura e de oferta de serviços como abastecimento de água, atendimento médico e transporte público (a proposta de instalação de um sistema de transporte público na cidade só foi realizada, pela primeira vez, no ano de 1994). Vale ressaltar que, ainda hoje, essas áreas são caracterizadas por esses mesmos problemas.

A partir de meados dos anos 2000, as ações do Governo Municipal de Patos, em parceria com os governos estadual e federal, têm sido mais enfáticas no que diz respeito à política habitacional. Foram construídas casas pelo Pró-Moradia33 (o Conjunto Geralda

Medeiros), em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que substituíram as casas de taipa pelas de alvenaria, em combate à transmissão da doença de Chagas; e, mais recentemente, conjuntos habitacionais, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), além da regularização fundiária em algumas áreas de ocupação irregular. Contudo, apesar de o município ir captando cada vez mais recursos destinados à problemática habitacional, seus efeitos na (re) produção de seu espaço urbano, particularmente no processo de periferização, não têm diferido muito dos períodos analisados. Aprofundaremos essa questão no próximo capítulo.

Vimos até aqui que a política habitacional e urbana, vigente durante toda a existência do BNH e do SFH, se preocupou com o problema habitacional no aspecto quantitativo, induzindo e intensificando os processos de periferização em quase todas as cidades brasileiras em que se produzia uma periferia carente de infraestrutura e serviços básicos, em detrimento dos interesses do mercado imobiliário e acentuando, consequentemente, as desigualdades socioespaciais.

32 Em conversa informal com o atual Gerente Externo de Regularização Fundiária da CEHAP, obtivemos conhecimento desses conflitos.

33 Segundo Bonduki (2008), o Pró-Moradia foi criado ainda no governo FHC, e permaneceu no Governo Lula. A princípio seu foco era a urbanização de assentamentos precários. De acordo com informações disponibilizadas no site <http://www.fgts.gov.br/programa_promoradia.asp>, o programa, atende atualmente às seguintes modalidades: urbanização e regularização de assentamentos precários; produção de conjuntos habitacionais e desenvolvimento institucional. Os recursos para o programa advêm do FGTS.

Como já referido, o BNH teve êxito no aspecto quantitativo, mas deixou à margem grande parcela da população que não possuía meios de obter, através do meio formal, a casa própria, ou seja, não atendeu à real demanda habitacional do país. Além disso, contribuiu para a (re) produção de cidades cada vez mais desiguais.

Acreditamos que, para não se produzirem efeitos indesejados, como os que mencionamos, a política habitacional deve, antes de tudo, elucidar corretamente o problema a que ela se detém. Para isso, não basta compreender a questão da habitação apenas como um problema quantitativo, mas entender o que a casa representa em suas diversas dimensões - econômicas, políticas, do trabalho, do cotidiano, do campo ideológico - ou seja, sobre como garantir efetivamente o direito não só à moradia, mas também à cidade, considerando, nesse contexto, as limitações que são impostas pela necessidade de reproduzir as relações sociais tipicamente capitalistas. Conferimos, até aqui, uma vasta bibliografia que discorre sobre como ocorreu a atuação do Estado frente ao problema habitacional e quais foram os seus efeitos na produção das cidades brasileiras.

Atualmente, essas cidades têm passado por um novo momento de produção de seus espaços, com a reelaboração da Política Nacional de Habitação (PNH), pensada e reestruturada sob um novo marco jurídico até então inexistente no país, o Estatuto da Cidade (o EC, criado em 2001), que, segundo Maricato (2010), trata de reunir, em um mesmo texto, com uma visão holística, diversos aspectos relativos ao governo democrático da cidade, à justiça urbana e ao equilíbrio ambiental.

Considerando que os documentos que dispõem do EC e da nova PNH ampliaram o debate sobre como se constitui o problema habitacional, sentimos a necessidade de verificar a coerência de programas como o PMCMV com os documentos referidos para analisar seus efeitos socioespaciais. Justificamos essa necessidade pelo fato de esses serem programas que têm tido ampla repercussão nacional, tanto nos aspectos sociais e econômicos quanto no próprio processo de urbanização. Nessa perspectiva, alguns estudos recém-divulgados pelo Observatório das Metrópoles (CARDOSO, 2013) têm apresentado diferenças no desempenho do PMCMV entre as especificidades intraurbanas, particularmente no que se refere à relação centro e periferia, e as diferenças entre as próprias metrópoles.

Para esses estudos, um dos elementos fundamentais nas análises é a localização dos empreendimentos dos conjuntos habitacionais. Contudo, sabemos que, para perceber os efeitos socioespaciais da atual política habitacional em nível nacional e, no caso dessa pesquisa, em nível local, Patos-PB, é preciso ter em vista, também, elementos que outrora foram mencionados para analisar a atuação do BNH, como os aspectos quantitativos e

qualitativos desses empreendimentos. Além disso, precisamos considerar os fatores externos, ou seja, o contexto social, político e econômico, além da relação com outras políticas, como também os fatores internos no que diz respeito ao planejamento e à execução da política pública. Por último, devemos lembrar que, nesses processos, não atua somente o Estado, mas também diversos outros agentes, como o capital fundiário e imobiliário, os mutuários e até mesmo a parte da população que não é atendida diretamente, porque, ao buscar alternativas para atender às suas necessidades de moradia, produz outros espaços na cidade, além dos previstos pelo Estado, entrando na lógica do formal e informal se retroalimentando. Todos esses processos e essas relações não se dissociam, eles são intrínsecos e produzem um espaço que contém as contradições inerentes a esses mesmos processos e relações, que formam um todo social complexo.

Nesse movimento, optamos por analisar a produção do espaço sob a ação do Estado, através da política habitacional, por entender que, segundo Lefebvre (2008), o habitar se reduz ao habitat em nome de uma prática baseada na burocracia estatista e no ordenamento do espaço, segundo as exigências do modo de produção capitalista, ou seja, da reprodução das relações de produção.

Acreditamos que as discussões até aqui empreendidas sobre a atuação do SFH/BNH e de seus efeitos nos espaços urbanos das cidades brasileiras e da cidade de Patos nos forneceram elementos que servem de parâmetros para enxergá-lo e analisá-lo no âmbito da atual política habitacional, cujo principal ícone tem sido o PMCMV.

CAPÍTULO 2 DETERMINAÇÕES POLÍTICAS E ECONÔMICAS DO PMCMV: UMA ANÁLISE ENTRE ESCALAS

Considerando o exposto no capítulo anterior, podemos antecipar que, entre a atuação dos programas habitacionais implantados no âmbito do SFH/BNH e o PMCMV, há muitas semelhanças e diferenças, referentes tanto ao contexto político e socioeconômico em que se inseriram como, particularmente, no desenho dos programas, na implantação das estratégias, no alcance territorial, quanto aos efeitos socioespaciais. A menção a essas semelhanças e diferenças é feita com o intuito de entendermos a produção do espaço urbano nos dois momentos, marcados por mais intervenção do Estado frente ao problema habitacional do país, e as implicações decorrentes da política habitacional implantada nesses períodos. Destacam- se, em especial, as mudanças ocorridas no processo de urbanização, em que os espaços não metropolitanos assumem importante papel na expansão do capital imobiliário e na implantação de uma política habitacional repleta de contradições.

Portanto, assim como fizemos na discussão sobre as políticas urbana e habitacional no período do BNH, o enfoque principal deste capítulo são as implicações socioespaciais e territoriais do PMCMV, com destaque do papel cada vez mais relevante das cidades médias na configuração da atual política habitacional, como também enfatizando os efeitos na produção do seu espaço intraurbano. Nessa discussão, inserimos os dados e as informações da pesquisa que desenvolvemos na cidade de Patos, onde apenas dois conjuntos habitacionais foram financiados pelo BNH, além de uma tentativa frustrada de implantar o projeto CURA, e que, mais recentemente, adquiriu recursos para a elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) e para a implantação de projetos financiados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e pelo PMCMV, com produção habitacional para famílias de baixa renda nunca antes prevista na cidade.

Das semelhanças referidas entre os financiamentos do BNH e do PMCMV através da CEF, destacamos que:

 Nos dois momentos em que ambos foram criados, os programas habitacionais surgiram com o intuito de atender às demandas econômicas do país, em que a construção civil era o setor-chave para esse objetivo;

 Tanto os financiamentos habitacionais, através do BNH, quanto os do PMCMV fizeram/fazem parte de um momento de implantação de uma Política Nacional de Habitação concomitante, mas efetivamente desvinculada das Políticas Urbana e Fundiária;

 O foco de ambos era, prioritariamente, a provisão de novas moradias, embora, na década de 1970, a maioria dos financiamentos do BNH tenha sido direcionado para obras de “desenvolvimento urbano”.

Quanto às diferenças, apontamos que:

 O PMCMV foi criado e implantado em um momento em que o mercado imobiliário tem passado por processo gradual de financeirização;

 O volume de recursos (através de créditos e subsídios) mobilizados pelo PMCMV está sendo bem superior aos que foram destinados pelo BNH. Além disso, enquanto no SFH/BNH o agente promotor dos empreendimentos era o Estado, no PMCMV, o agente promotor é o setor privado. Essas questões serão aprofundadas mais à frente;  Além das metrópoles, suas regiões metropolitanas e capitais estaduais, o programa

atual chega de forma quantitativamente mais expressiva nas cidades de menor porte. Identificar essas semelhanças e diferenças é fundamental, porquanto nos possibilita entender as implicações socioespaciais das mudanças sociais, políticas e econômicas que ocorreram no decorrer do tempo e a permanência de práticas e estratégias dos diversos agentes envolvidos nesses processos. Nesse sentido, direcionamos a discussão proposta para este capítulo – a de entender a repercussão do PMCMV na produção da cidade a partir da atuação do Estado, considerando a articulação entre suas esferas de poder (federal, estadual e municipal) e, por conseguinte, seu rebatimento espacial em diversas escalas.

2.1 Da articulação de escalas espaciais à produção do espaço intraurbano: a criação e a