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Os Padrões de Beleza Influenciando as Concepções de Corpo entre as Mulheres

PARTE 1 – REVISITANDO A PROBLEMÁTICA E TEMAS RELACIONADOS

V. CONCEPÇÕES SOCIAIS SOBRE O CORPO: REPERCUSSÕES NO CORPO DA MULHER NEGRA

5.1 Os Padrões de Beleza Influenciando as Concepções de Corpo entre as Mulheres

branquitude como critério essencial para a feminilidade (CALDWELL, 2004).

As intersecções de raça, gênero, classe e sexualidade contribuem para marginalizar multiplamente as mulheres de descendência africana. Kia Caldwell (2004) diz que

“As experiências das mulheres afro-brasileiras indicam que elas enfrentam múltiplas formas de discriminação quando seus corpos são avaliados e valorizados de acordo com padrões estabelecidos pelo discurso dominante de raça, gênero, sexualidade e beleza (tradução própria)”.

E essas experiências são mais significativas pelo fato de, no Brasil, diferente de outras regiões da diáspora africana, estas mulheres também estarem sujeitas a um discurso de democracia racial, que procura minimizar e apagar as realidades do racismo, imprimindo um impacto subjetivo nas suas vidas (CALDWELL, 2004).

5.1 Os Padrões de Beleza Influenciando as Concepções de Corpo entre as Mulheres

O ideal de corpo feminino variou ao longo da história. Na pré-história, a Vênus de Willendorf representava o ideal, traduzido por predomínio de seios e nádegas que caracterizavam as mulheres como deusas-mãe, associadas à terra e rituais de fertilidade. Na Grécia antiga, a Vênus de Milo representava a mulher de proporções perfeitas e harmoniosas e a beleza era considerada uma virtude natural. No século XV, as mulheres deveriam ser altas, com cintura fina e quadris amplos; no século XVII, exaltava-se o corpo roliço, com covinhas e dobras. Já no séc. XVIII, as mulheres pálidas, flexíveis e de olhar lânguido eram as mais desejadas. No séc. XIX, as cinturas grossas, as coxas redondas, os braços roliços e os seios opulentos representavam alimentação farta, boa condição social e reprodutiva (ASSUNÇÃO JR, 2004). No início do século passado, a fealdade era considerada como um problema de saúde que deveria ser tratado, garantindo desta forma a organização moral e social das famílias de elite. Não ter beleza se traduzia por não ter cintura fina, pele branca e lisa, mas o mais importante era estar apta para a reprodução, portanto os cuidados higiênicos e médicos eram a forma de garantir tal atributo. A beleza era considerada um dom natural, a aparência feminina deveria revelar uma alma pura, condição para manutenção do corpo limpo, belo e fecundo (SANT’ANNA, 1994).

Enquanto produto da natureza, a beleza nunca era exaltada como uma conquista feminina, baseada em cuidados, que não os higiênicos. Utilizar artifícios para exaltar a beleza não era algo moralmente aceitável. A mulher feia, neste caso, era resultado de uma degenerescência racial, fruto do acaso ou de uma vida de vícios e doença (SANT’ANNA, 1994).

Na segunda metade do século XX, a beleza passa a ser um atributo da mulher que se cuida, que se gosta, que utiliza de todos os artifícios disponíveis para alcançar o ideal de beleza, divulgado e valorizado, tomando como base a influência estética norte americana. A relação da mulher com o corpo, neste aspecto, torna-se mais íntimo, aliando aos cuidados com este a ideia de prazer (SANT’ANNA, 1994). Os meios de comunicação de massa são os grandes divulgadores dos modos possíveis de atingir esta estética sonhada, desejada. Os modelos variam entre a mulher esportiva, liberada, modelada nas salas de academia e a mulher magra, andrógina e infantilizada.

Na percepção de Andrade e Bosi (2003) a mudança de papéis assumida pela mulher, a partir da década de 60, criou um paradoxo, na medida em que a mulher ao mesmo tempo em que se tornou autônoma, emancipada, passou a ser escrava do seu próprio corpo e dos atributos de beleza idealizados.

Nenhum desses modelos de beleza era compatível com o tipo físico da mulher brasileira, mestiça, com corpos curvilíneos, muito menos com o biótipo da mulher negra, com nádegas grandes, tez escura, lábios carnudos e cabelo crespo. A estética valorizada era a das mulheres jovens, magras, louras, devido à forte influência norte americana e europeia. Segundo Mauss (apud Goldemberg, 2006),

“Há uma construção cultural do corpo, com uma valorização de certos atributos e comportamentos em detrimento de outros, fazendo com que haja um corpo típico para cada sociedade. Esse corpo, que pode variar de acordo com o contexto histórico e cultural, é adquirido pelos membros da sociedade por meio da “imitação prestigiosa”. Os indivíduos imitam atos, comportamentos e corpos que obtiveram êxito e que viram ser bem sucedidos”.

Neste caso, o corpo negro esteve associado à inferioridade e pouco sucesso, devido ao passado histórico, no qual era tido como mercadoria, peça, desumanizado, objeto a ser avaliado para comércio e exploração, de acordo com suas características físicas. Por mais que tenha havido mudanças em relação ao lugar do sujeito negro na sociedade, o significado dos seus atributos corporais ainda está associado a este passado.

Para Isildinha Nogueira (1999), ser negro é trazer a marca do "corpo negro", que expressa o repertório do desprezível que a cultura afasta pela negativização. O corpo negro, para o negro, significa a marca que, a priori, o exclui dos atributos morais e intelectuais associados ao outro do negro, ao branco, considerado hierarquicamente melhor dotado, dessa forma, o negro vive cotidianamente a experiência de que a sua aparência põe em risco sua imagem de integridade.

Atualmente, no Brasil, as identidades construídas socialmente das mulheres brancas, negras e das miscigenadas, ditas mulatas, demonstram a associação das características físicas com a noção de gênero de superioridade racial. Estas construções, que mantêm as hierarquias de raça, gênero e classe na sociedade brasileira, reforçam a ideia da mulher branca como representante hegemônica dos padrões de feminilidade e beleza e as mulheres negras ou mestiças como adequadas para o labor doméstico e sexual (CALDWELL, 2004).

Segundo Kia Caldwell (2004), no Brasil, as intersecções de gênero e raça têm promovido classificações hierárquicas, através da dissecação dos corpos das mulheres e atribuição de valores a certas características físicas, nas quais alguns signos tais como cor da pele, textura do cabelo, formato e tamanho do nariz e lábios são atribuídos à categoria beleza, e nádegas, quadris e seios à categoria sexual. Como os padrões de beleza assumidos predominantemente no país são eurocêntricos, as mulheres brancas são definidas como as belas e as negras como as sexuais.

A mesma também ressalta a importância de se explorar como as mulheres procuram desafiar esses valores estéticos anti-negritude e ressignifcar a feminilidade negra, através do corpo. Essa relação entre o processo de racialização da sociedade e a beleza é mais complexo do que afirmar simplesmente que as mulheres negras sofrem a opressão de um padrão hegemônico, como se isso acontecesse de forma passiva, sem uma reação positiva por parte das mesmas. Enfatiza que, apesar das poucas imagens positivas de mulheres negras nas esferas públicas, há uma importante política de corpo na diáspora africana, que inclui discursos, práticas e estéticas que valorizam a beleza dos corpos negros e desafiam os padrões estéticos eurocêntricos.