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PARTE 1 – REVISITANDO A PROBLEMÁTICA E TEMAS RELACIONADOS

VI. TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR: UMA REVISÃO

6.2. Transtornos do Comportamento Alimentar em Grupos Diversos Etnicamente: uma Revisão

6.2.3. Transtornos do Comportamento Alimentar em Asiáticos

Estudiosos têm relatado a pouca importância dada pela comunidade científica aos estudos sobre imagem corporal, comportamentos alimentares desajustados e transtornos do comportamento alimentar em populações asiáticas, vivendo em seus países de origem ou fora deles. No entanto, os trabalhos que existem evidenciam resultados contraditórios quanto à influência étnica/racial ou o processo de integração sociocultural frente a esses fenômenos.

Alguns estudos apresentam maiores índices de atitudes alimentares desordenadas e insatisfação com a imagem corporal entre as mulheres asiáticas, quando comparadas com as brancas (FURNHAM e ADAM-SAIB, 2001; LAU et al, 2006) ou com outros grupos considerados minoritários, como é o caso da população não branca na Inglaterra (GOODMAN, PATEL e LEON, 2008). Por outro lado, achados que corroboram o que a literatura científica vem apresentando, quanto à maior presença desses problemas entre mulheres brancas ou de origem caucasiana também são encontrados (WALCOT, PRATT e PATEL 2003; SAMPEI et al, 2009; NICDAO, 2010).

O grande questionamento frente a esses resultados contraditórios é o quanto o processo de integração, originado da exposição aos valores e padrões de beleza diferentes dos tradicionais asiáticos, poderia estar influenciando no desenvolvimento de sintomas relacionados com os transtornos do comportamento alimentar ou com a síndrome de um modo geral. Um estudo com Coreanos vivendo na Nova Zelândia mostrou que, para os homens, a menor identificação com a cultura coreana, que atribui grande ênfase a

aparência, e maior aproximação à cultura da Nova Zelândia pode protegê-los quanto à insatisfação corporal, o mesmo não acontecendo com as mulheres, pois nesta cultura o valor dado à magreza é maior para as mulheres do que para os homens (CHAN, KU e OWEN, 2010).

Alguns estudiosos defendem a ideia de que as mulheres asiáticas mais ligadas ao padrão de beleza tradicional estão protegidas quanto à insatisfação com seus corpos e consequentemente aos transtornos relacionados a ela. No entanto, ao fazerem tal avaliação desconsideram as diferenças existentes dentro desse grupo. Por exemplo, na Índia, tradicionalmente, não há uma pressão pela magreza e um corpo mais voluptuoso é bem aceito e comemorado (FURNHAM e ADAM-SAIB, 2001). Já no Japão, a tendência para uma magreza quase “anorética” é vista como algo natural (SAMPEI et al, 2009), na China seria indicativo de pobreza e doença (CHAN, KU e OWEN, 2010).

Além da diferença quanto ao que se considera belo em termos corporais, valores religiosos e sociais, a relação com a família, principalmente as mães, interfere na força da tradição para definição de comportamentos entre as jovens. A superproteção dos pais e a necessidade de corresponder ao que é esperado delas em termos de comportamentos podem tanto proteger quanto vulnerabilizar estas jovens em relação a atitudes alimentares patológicas (FURNHAM e ADAM-SAIB, 2001; BHUGRA, BHUI e GUPTA, 2000).

Um estudo qualitativo (PIKE e BOROVOY, 2004) realizado com jovens japonesas conclui que a vulnerabilidade e o aumento dos transtornos do comportamento alimentar nesse país podem estar muito mais associados com os conflitos vividos pelas jovens em relação aos papeis atribuídos às mulheres, quais sejam, o casamento e a maternidade, e às suas próprias expectativas de inserção no mercado de trabalho, conquista de autonomia e liberdade fora dos limites do ambiente doméstico, do que a uma absorção dos valores e ideais ocidentais quanto à beleza, magreza e fobia da gordura.

Outro fator considerado relevante é o quanto a exposição à mídia, e consequentemente ao forte bombardeio de imagens e valores que relacionam o belo (neste caso, idealmente relacionado às características fenotípicas europeias) ao sucesso e acesso a bens e serviços, principalmente para aquelas jovens que moram em países norte americanos ou europeus, podem se contrapor ao que tradicionalmente se é. De fato, as características asiáticas diferem em muito das características europeias, valorizadas no mundo ocidental. O que se questiona é o quanto esta exposição pode levar a um afastamento destas jovens da sua cultura de origem, como forma de adaptação a este mundo no qual vivem e às mudanças intergeracionais observadas, frequentemente, a partir de novas redes sociais, demandas de consumo e valores surgidos entre os jovens, ou se a adequação às expectativas sociais tradicionais e familiares exerce uma pressão maior do que a dos meios de comunicação. As respostas são controversas em relação a esta questão. Por exemplo, um estudo realizado com universitárias asiáticas encontrou que mulheres que internalizaram em maior extensão

a imagem midiática de beleza americana/europeia se sentiram pior em relação aos seus corpos do que as que não internalizaram, reforçando a ideia da integração como fator importante deste processo. No entanto, ao mesmo tempo, mulheres menos ligadas aos valores sociais relataram pior sentimento em relação aos seus corpos, o que pode ser explicado pelas comparações dentro do próprio grupo, ou seja, as que não conseguem se ajustar ao padrão corporal asiático podem se sentir mais insatisfeitas quando se comparam àquelas que não encontram problemas quanto a isso (LAU et al, 2006).

Por outro lado, pesquisa desenvolvida na Índia (BHUGRA, BHUI e GUPTA, 2000) demonstra que a preocupação em corresponder aos valores sociais e familiares conta mais para as jovens do que a pressão midiática ou aspectos individuais, o que para os autores sugere que, o que eles chamam de sociocentrismo, que modula o processo de integração de novos valores culturais, tendo a coletividade de origem como fator relevante nessa construção muito mais do que fatores individualistas, explica mais as baixas taxas de bulimia entre as jovens indianas do que a assimilação. Mesmo no Brasil, onde a estética tem sido supervalorizada, principalmente entre adolescentes, as nipo-brasileiras, de terceira ou quarta geração nascidas fora do Japão, portanto mais adaptadas à cultura local, tinham menos tendência a desenvolverem transtornos alimentares do que as caucasianas sem nenhuma ascendência de outra raça/etnia, vivendo em São Paulo (SAMPEI et al, 2009). Como evidenciado pelos dados acima, estudos mais aprofundados quanto à relação entre o processo de integração, tradição, valores sociais e familiares necessitam ser realizados, no sentido de esclarecer as contradições encontradas até então. Outro grupo que precisa de atenção quanto a esse aspecto são as pessoas de origem africana ou descendentes de africanos.