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Transtornos do Comportamento Alimentar em Latinos e Outros Grupos A literatura científica vem confirmando a teoria de que a disseminação de valores

PARTE 1 – REVISITANDO A PROBLEMÁTICA E TEMAS RELACIONADOS

VI. TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR: UMA REVISÃO

6.2. Transtornos do Comportamento Alimentar em Grupos Diversos Etnicamente: uma Revisão

6.2.5. Transtornos do Comportamento Alimentar em Latinos e Outros Grupos A literatura científica vem confirmando a teoria de que a disseminação de valores

ocidentalizados norte americanos e europeus, através da mídia, vem interferindo na cultura de países e grupos populacionais em desenvolvimento econômico e social e, portanto, mais propensos a um processo de transição, no qual o ideal de beleza também tem sido alvo (TORO et al, 2006; FANDIÑO et al, 2007). No entanto, apesar desta constatação, são em bem menor número as pesquisas desenvolvidas nestes países ou com esses grupos, incluindo aí os países da América Latina (TORO et al, 2006), principalmente avaliando as possíveis diferenças étnicas/raciais envolvidas neste processo. Alguns estudiosos chegam a sugerir que as inconsistências nos resultados das pesquisas que envolvem transtornos do comportamento alimentar em grupos diversos se explicam pelo fato da maioria se limitar a comparar populações negras e brancas, mesmo em países em que os hispânicos/latinos representam um contingente importante de adolescentes, como é o caso dos EUA (McLAUGHLIN, HILT e NOLEN-HOEKSEMA, 2007).

A Colômbia é um dos países da América Latina, no qual os transtornos alimentares parecem assumir importância, pela relevância dada à beleza nesta sociedade. Estudo realizado em 2005, em Cali (FANDIÑO et al, 2007), encontrou uma estimativa de 44,1% de prevalência de desordens alimentares em mulheres universitárias e de 9,6% nos homens, sendo a razão mulher/homem de 4,6. O mais sério é que apesar de 65,2% dos sujeitos pesquisados estarem com peso normal e 17,4% estar abaixo do peso, a insatisfação corporal, expressa pela necessidade de diminuição de peso era grande (52,1%). Já no Chile, ao contrário, o percentual de transtornos do comportamento alimentar em crianças e adolescentes foi de 0,4% (VICENTE et al, 2011).

Um estudo que comparou a prevalência de transtornos do comportamento alimentar entre mexicanas e espanholas, bem como os fatores de risco para estes distúrbios, encontrou que não havia diferença entre os dois grupos quanto à possibilidade de desenvolver tais transtornos, no entanto diferenças quanto aos fatores de risco foram percebidas. As garotas

espanholas expressaram mais insatisfação corporal e se sentiam mais influenciadas pelo corpo das mulheres, em público e em situações sociais envolvendo alimentação. Além disso, possuíam mais membros da família que haviam se submetido a tratamento psiquiátrico, especificamente mães e irmãs com transtornos do comportamento alimentar; a decisão de fazer dieta era individual, enquanto que as mexicanas eram levadas a fazer dieta por orientação familiar ou de médicos. No entanto, estas tinham maior probabilidade de pular refeições ou induzir vômitos, enquanto que as espanholas tinham maior tendência à compulsão alimentar e se sentiam mais gordas do que as garotas da sua idade (TORO et al, 2006).

Um estudo que avaliou a influência da imigração nos comportamentos alimentares compulsivos e nas desordens de compulsão alimentar verificou a presença destes problemas entre pessoas de origem mexicana, vivendo nos EUA ou no seu país de origem, no entanto o risco aumentava entre gerações de imigrantes nos EUA. Outra conclusão importante é que os fatores de risco vão além dos característicos dos transtornos do comportamento alimentar e também estão relacionados com as mudanças em geral provocadas pela condição de migração (SWANSON et al, 2012).

Apesar de essas desordens serem mais comuns entre mulheres jovens ou adolescentes, estudos vêm demonstrando a variedade etária cada vez maior relacionada a este fenômeno. Um estudo multiétnico avaliou a prevalência de sintomas de desordens alimentares em mulheres de meia idade e as mulheres hispânicas foram as que apresentaram o menor número desintomas. Estas tinham menor compulsão alimentar do que as mulheres brancas e negras, e possuíam menor preocupação com o peso do que as mulheres brancas. No entanto, apresentavam, juntamente com as mulheres negras, maior índice de massa corporal e circunferência da cintura. Apesar de não terem sido encontradas diferenças significativas na prevalência de transtornos nos três grupos étnicos, o estudo mostrou que estes também estão presentes entre mulheres de meia idade e os fatores de risco para tais distúrbios foram IMC, circunferência da cintura, sintomas depressivos e maus tratos na infância (MARCUS et al, 2007). Ao contrário, no estudo de Mclaughlin, Hilt e Nolen- Hoeksema (2007) mulheres hispânicas e homens negros relataram maiores níveis de patologias alimentares do que outros grupos raciais.

Outros países, de cultura diversa da encontrada nos EUA, também têm investigado a presença de transtornos alimentares e quais fatores de risco estão envolvidos.

No Iêmen, país do sul da Península Arábica, o mais pobre da região devido às poucas reservas de petróleo, um estudo da prevalência de desordens psiquiátricas, através do DSM- IV, entre escolares de 7 a 10 anos de idade, não encontrou diagnóstico para os transtornos de comportamento alimentar (ALYAHRI e GOODMAN, 2008). Em San Andrés, uma das principais cidades de Belize, na América Central, característica pela indústria do turismo e rápida mudança cultural, as crenças das adolescentes quanto ao ideal corporal, imagem

corporal e alimentação parecem ser mais patológicas do que os comportamentos voltados para alcançar um corpo magro (ANDERSON-FYE e LIN, 2009).

No Hawaí, muitas jovens desejam um peso corporal menor do que aqueles que possuem, no entanto, as mulheres brancas são as que dão maior importância ao alcance do peso desejado e, por isso, usam de mais estratégias para o controle de peso. Ao contrário do esperado pelos investigadores, as mulheres havaianas/ilhéias do Pacífico não apresentaram atitudes positivas quanto ao tamanho do seu corpo, naturalmente maior, como acontece com as mulheres negras nos EUA, o que sugere que a pressão social para alcançar o ideal de magreza ocidental tem sido forte em todos os grupos raciais/étnicos do país (SCHEMBRE, NIGG & ALBRIGHT, 2011). Estudo realizado nos Estados Unidos confirmou que a insatisfação corporal media significativamente a relação entre IMC e o risco para distúrbios alimentares, tanto para as mulheres brancas quanto para as nativo-americanas. No entanto, a despeito de algumas poucas diferenças, ambos os grupos respondem de forma similar em relação à insatisfação corporal (LYNCH et al, 2008). Quando comparado com um estudo realizado com mulheres nativo-americanas/indígenas nos EUA, percebe-se que para esse grupo houve uma tendência maior para comportamentos alimentares característicos de transtornos do comportamento alimentar e um diagnóstico médico equivalente ao das mulheres brancas (STRIEGEL-MOORE et al, 2011).

WAADDEGAARD e seus companheiros avaliaram os fatores de risco para transtornos do comportamento alimentar em mulheres dinamarquesas e as mais jovens (16-19 anos) e com maior IMC apresentaram maiores riscos para desenvolverem essas desordens. Ter sobrepeso ou obesidade aumentou em 2,5 vezes as chances de terem comportamento de risco para os distúrbios de origem alimentar. Como acontece em outros países, a ênfase da mídia no ideal de corpo magro não tem impedido o aumento das taxas de obesidade na Dinamarca. No entanto, as dietas restritivas com intuito de diminuição de peso podem estar disparando comportamentos alimentares patológicos. Apesar da pressão sociocultural em relação a essa imagem corporal magra afetar mulheres de diferentes gerações, parece que a maturidade é um fator de proteção em relação à autoestima, insatisfação corporal e tais transtornos (WAADDEGAARD, DAVIDSEN & KOLLER, 2009).

Esta relação entre sobrepeso e medidas extremas para controle de peso tem sido vastamente documentada na literatura científica. Em estudo realizado com quase 1700 escolares de Massachussets, estudantes ilhéus do Pacífico apresentaram mais comportamentos extremos para perda de peso do que seus colegas brancos e apenas os jovens indígenas, nativos do Alaska apresentaram diferenças de gênero (23,3% para meninas e 9,1% para os meninos) quanto a estes comportamentos (AUSTIN et al, 2011).

Como os dados anteriores demonstram, são controversos os achados sobre as desordens alimentares nos diversos grupos étnicos/raciais, sejam asiáticos, negros, latinos ou de outras origens. Como evidenciado no estudo de Cheney (2011) mulheres de outras etnias possuem um referencial de beleza diferente em termos físicos e, principalmente, que vai além das

características corporais, para absorver elementos da personalidade e de atitude. Rubin, Fitts e Becker (2003) perceberam que as mulheres latinas e afro-americanas participantes do seu estudo enfatizam uma ética corporal, que está relacionada à autovalorização e autoaceitação, e a interesses mais amplos relacionados à saúde e bem-estar, e rejeitam o ethos da cultura hegemônica, associado à aparência física euro-americana. Portanto, não há uma linha de raciocínio única que explique estes fenômenos e sua manifestação entre os grupos, e os estudos epidemiológicos não são suficientes para explicar as causas ou fatores de risco relacionados às diferenças quanto à etnia/raça, bem como a acessibilidade e formas de tratamento.